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Poços de água do governo para o MA e estados do Nordeste têm indícios de sobrepreço de R$ 131 milhões

Estadão – A construção de poços pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) tem indícios de sobrepreço de pelo menos R$ 131 milhões. O valor representa 11% do total de R$ 1,2 bilhão previsto pelo governo para levar água a famílias pobres do Nordeste. Como revelou o Estadão, as licitações são precárias e inúmeros poços já perfurados estão lacrados. As obras pararam na metade e bombas para a retirada de água não foram instaladas.

A suspeita recai sobre um pregão feito em março deste ano pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão entregue por Bolsonaro para o Centrão e vinculado ao Ministério da Saúde. Com os recursos, seria possível pagar uma parcela do Auxílio Brasil de R$ 600 para 218 mil pessoas.

O governo reservou R$ 498 milhões para empresas fazerem testes de qualidade da água e a instalação de 5.802 poços ociosos em todos os nove Estados do Nordeste e no norte de Minas. As vencedoras ofereceram R$ 454,6 milhões, dos quais R$ 69 milhões foram empenhados no início de julho. O valor ainda não foi pago e as intervenções não começaram.

Uma análise preliminar de técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou indícios de sobrepreço e detectou inconsistências nos quantitativos dos serviços, inexistência de justificativas técnicas para itens exigidos, deficiência nas pesquisas de preços de mercado e “superficialidade” em especificações.

A pesquisa de mercado sobre um dos componentes do sistema de ligação dos poços licitados indicou valor médio de R$ 850. A Funasa quis pagar R$ 1,2 mil. Ao fim, uma diferença de R$ 13 milhões a mais, somente em um item. Em outro, apurações oficiais apontaram falta de justificativa, por exemplo, para o uso de tubos de PVC de 100 metros, enquanto que em outra licitação semelhante houve a utilização de tubos de 7 metros. A diferença do item poderia custar R$ 24 milhões a mais.

O edital do pregão não aponta a localização dos poços que devem ser perfurados nem a situação de cada um deles. Apenas diz, genericamente, que será necessário colocar quase 6 mil poços em funcionamento. Cada um deles teria sido indicado à Funasa pelas prefeituras.

Os terrenos dos poços também não são detalhados. Segundo técnicos, a especificação é elementar nesse ramo. Influencia, por exemplo, no tamanho das bombas e dos tubos, informações fundamentais para estimar custos com mão de obra e materiais. Poços perfurados em solos sedimentares, que predominam no Maranhão, chegam a ter 150 metros de profundidade. Já os poços situados nos chamados terrenos cristalinos, comuns no semiárido nordestino, têm cerca de 60 metros, em média. A desconsideração por esses dados pode, de acordo com técnicos, causar impacto no preço final contratado e afastar empresas da concorrência.

O edital também agregou dois serviços que técnicos consideram distintos e deveriam ser feitos por empresas diferentes para aumentar a concorrência e diminuir os preços. As vencedoras dos lotes fariam tanto o teste da qualidade da água quanto o teste de bombeamento para verificação de vazões e a instalação das bombas propriamente dita. A literatura técnica da construção de poços não exige que uma coisa seja realizada imediatamente depois da outra, nem pela mesma empresa.

A Funasa, nesta licitação, contemplou Alagoas, Bahia, Ceará, Sergipe, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Minas Gerais – Miguel Marques, presidente da Funasa, é mineiro de Contagem e foi indicado para o posto pelo PSD, partido ao qual Bolsonaro entregou o controle do órgão.

A construção dos poços, em uma campanha batizada de “força-tarefa das águas”, foi licitada por meio de pregão na modalidade de registro de preços – no qual empresas se comprometem a entregar um produto ou serviço por determinado valor no futuro.

A água que chega à casa de Valmira de Araújo (ao centro), no povoado vizinho da Mata Fria, sai de um antigo poço privado com alto índice de sais

Participaram do lançamento do projeto, em uma cerimônia em Quixadá (CE), Bolsonaro, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e os à época ministros João Roma (Cidadania) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).

Ciro Nogueira usa a iniciativa em propagandas. Nas redes sociais, aparece lavando a cabeça e bebendo a água que sai de um poço. Ele costuma dizer que a “força-tarefa” tem o objetivo de levar água a comunidades rurais e acabar com a “máfia do caminhão-pipa”.

As obras também foram citadas no discurso do presidente durante o lançamento de sua candidatura ao Palácio do Planalto, em julho, no Rio. “Água em grande parte do Nordeste é uma realidade”, disse ele. “Também o nosso Exército, com a Codevasf, fura dezenas de poços todos os meses, levando dignidade a essas pessoas. Eu estou mostrando o que nós fizemos”, declarou.

A coordenação é feita pela Funasa e participam também outros órgãos controlados por políticos do Centrão e marcados por escândalos, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Essas repartições têm servido para dar vazão ao orçamento secreto e para contratos suspeitos, como os de compra de caminhões de lixo, como mostrou o Estadão.

Eles abriram (o poço), mas não encanaram a água para nós. A gente fica triste, porque tem água doce perto, mas não pode usar
Valmira Araújo, moradora da zona rural de Oeiras

A reportagem percorreu regiões atingidas pela falta de água no semiárido. “Eles abriram (o poço), mas não encanaram a água para nós. A gente fica triste, porque tem água doce perto, mas não pode usar”, disse Valmira Araújo, moradora da zona rural de Oeiras.

Em nota, a Funasa afirmou que não emitiu nenhuma ordem de serviço e ainda não pagou nada para as empresas. Destacou também que houve lisura e transparência no processo de seleção aberto para “concluir obras inacabadas realizadas por diversos órgãos estaduais, municipais e federais, buscando dar funcionalidade e acesso a água à população mais carente”. O órgão ainda acrescentou que não dará andamento aos serviços até que uma denúncia relacionada ao caso seja apreciada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

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