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PMDB é a própria eminência parda da República

Divulgação

Nas três décadas que se passaram desde que o Brasil retornou à democracia, poucas vezes o PMDB esteve fora do governo. Os dois presidentes que não tiveram peemedebistas em seus ministérios acabaram por lamentar suas ausências. Um deles foi alvo de um impeachment, aprovado com apoio do partido. O outro foi humilhado por um escândalo de compra de parlamentares – precipitado, na opinião de muitos, por sua decisão de governar com o apoio de legendas de aluguel. Uma máxima da política brasileira é que “ninguém governa sem o PMDB”.

Não que governar com esse partido de centro seja um piquenique. O PMDB é parte indispensável da coalizão liderada por Dilma Rousseff, do PT, uma agremiação de esquerda. Seu vice-presidente, Michel Temer, é o presidente do PMDB; os presidentes de ambas as Casas do Congresso também pertencem ao partido. Mas o relacionamento dos peemedebistas com o governo não tem sido dos mais colaborativos. Dilma vem passando maus bocados com a forte retração da economia, a inflação em alta e o gigantesco escândalo de corrupção na Petrobrás. O PMDB atormenta a presidente minando seus esforços de austeridade fiscal, base da política econômica atual, e unindo-se à oposição para ameaçá-la com um impeachment.

Na sexta-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, anunciou sua decisão de romper com o governo e passar para a oposição (sem sair do PMDB). Foi uma reação às acusações de um lobista, feitas em depoimento à Justiça, de que em 2011 ele teria exigido US$ 5 milhões de propina em dois contratos da Petrobrás com fornecedores. Cunha nega as acusações. O governo estaria estimulando os procuradores a persegui-lo, com o intuito de restringir a autonomia do Congresso e desviar a atenção do papel que o próprio PT teve no escândalo, sustenta ele. O Planalto estaria sob o comando de um “bando de aloprados”.

É o indivíduo, não o partido, que está abandonando a coalizão, apressou-se em esclarecer o PMDB. Ainda assim, a deserção de Cunha é motivo de preocupação para Dilma. Na semana passada, soube-se que o Ministério Público do Distrito Federal está investigando seu antecessor e mentor político, Luiz Inácio Lula da Silva, por tráfico de influência em favor de empreiteiras. Lula nega a acusação. É um revés que só tende a aumentar o desgaste do PT. Mais do que nunca, a presidente depende do PMDB para conseguir chegar ao fim de seu mandato, em 2018. Cada vez mais, são os peemedebistas que dão as cartas.

Gênese. Se tudo que importasse fossem os números, o PMDB seria de longe o partido mais poderoso do País. Além de terem mais cadeiras no Congresso, os peemedebistas superam seus principais adversários – o PT e o oposicionista PSDB, de centro-direita, no número de governos estaduais e municipais. O PMDB conta com 2,4 milhões de filiados, frente a 1,6 milhão do PT.

Foi a ditadura militar que assentou os alicerces desse predomínio, diz Natalia Maciel, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Depois do golpe de 64, os generais obrigaram os partidos a se reunir em dois grandes blocos, um de apoio ao regime (chamado Arena), e outro de oposição (então chamado de MDB). O MDB, cujo nome mudou para PMDB em 1979, desempenhou papel crucial no retorno à democracia, em 1985. José Sarney, primeiro presidente (eleito indiretamente) do período democrático, embora oriundo da Arena, mudou-se para o PMDB em 1984 e tornou-se uma liderança peemedebista. Com a ajuda da máquina eleitoral construída durante a ditadura, o partido obteve a maioria nas duas Casas do Congresso e só deixou de conquistar um dos então 26 governos estaduais nas eleições de 1986.

Os militares haviam cassado os políticos mais radicais do MDB, deixando um partido dominado por moderados. Para manter o apelo abrangente, os peemedebistas adotaram uma ideologia flexível. Quando indagados sobre quais são suas principais bandeiras, os caciques do partido começam pela liberdade de expressão – e param por aí. O programa do PMDB está repleto de lugares-comuns; o único posicionamento assumido com firmeza é contra a pena de morte. Mais pró-negócios do que pró-mercado, o PMDB vive fazendo lobby por benefícios de caráter local ou por medidas que favorecem segmentos específicos da economia. Os críticos o acusam de ser um partido fisiologista, que troca apoio político por cargos no governo (ou, em alguns casos, por dinheiro em espécie). Os peemedebistas preferem ver a si próprios como guardiães da “governabilidade”. Um banqueiro (simpatizante do PSDB) diz que o PMDB é “um dos motivos por que o Brasil nunca se tornará uma Venezuela”.

No entanto, os números maiúsculos raramente se traduzem em poder. Como mostra a deserção solitária de Cunha, isso se deve, em parte, ao fato de que o partido é mais um agrupamento de políticos independentes do que uma plataforma de filosofia política. O PMDB não apresenta candidatos a presidente desde 1994, relegando aos mais ideológicos PSDB e PT a competição pela cadeira presidencial. Os vencedores dos pleitos invariavelmente se voltam para o PMDB em busca de apoio, mas não precisam se dar o trabalho de discutir o programa de governo com o partido.

Conversa fiada. As dificuldades de Dilma podem mudar isso. Temer tem desempenhado um papel de primeiro-ministro. Responsável por implementar o programa de austeridade, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem reuniões mais frequentes com o vice-presidente do que com a própria Dilma, dizem assessores do ministro. Nos últimos tempos, as lideranças peemedebistas vêm dizendo que o partido concorrerá à Presidência em 2018. Os possíveis candidatos seriam Temer e Cunha, além do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (se a Olimpíada de 2016 com sede na cidade for um sucesso de organização).

Nada garante que isso não passe de conversa fiada. O PMDB sempre ameaça lançar candidatos, só para poder extrair vantagens do governo de turno, observa o filósofo da Universidade de Campinas Marcos Nobre, que escreveu um livro sobre o partido. Nobre acredita que os peemedebistas continuarão a se distanciar do governo, sem chegar a uma ruptura definitiva. Se o partido está falando a sério quando diz que pretende lançar uma candidatura à Presidência, terá de esclarecer quais são as suas propostas.

© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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