Os postulantes ao trono de José Sarney
Época – Na manhã do dia 29 de junho, um domingo abrasador como sempre em São Luís, 10 mil pessoas lotavam o Centro de Convenções do Sebrae, um dos maiores da capital do Maranhão. Elas vinham dos quatro cantos do Estado. Estavam ali para acompanhar a convenção estadual do PCdoB, que confirmaria o nome de Flávio Dino como principal adversário do grupo político liderado pelo senador José Sarney, do PMDB, nas eleições de outubro. Não estavam ali para aplaudir Dino. Estavam ali para aplaudir o novo, o homem que representa, após seis décadas, a possibilidade mais concreta de derrota do clã Sarney.
As 10 mil almas ouviram o que queriam. Foram quatro horas de discursos duros contra a família Sarney. Repetiram-se à exaustão palavras como coronelismo, imperialismo, oligarquia, patrimonialismo… “Vamos limpar o Maranhão dessas práticas!”, afirmavam Dino e os demais políticos. Dino deixou o auditório aclamado. Banhado em suor, enfrentou ainda barricadas de militantes que queriam se aproximar para um selfie, um abraço, um aperto de mão. Finalmente, no lado de fora do auditório, cumpriu o derradeiro ato da manhã. De um jeitão meio desengonçado, em virtude do cansaço e do corpanzil, subiu numa caixa de som sob um toldo branco. Fez mais um discurso. Dessa vez, endereçado a um pequeno grupo. Era hora de dizer o que aquela turma reduzida queria ouvir. “Quero agradecer aos companheiros do PT”, disse. “Fui do PT por muitos anos. Na verdade, não posso dizer que eu não voltarei (ao PT) porque nunca saí (do PT). Quero dizer aos companheiros do PT que vocês farão a campanha Dilma e Dino.” Só que o PT, partido da presidente Dilma Rousseff, não está oficialmente coligado a Dino.
Por orientação de seus líderes nacionais, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT apoia o suplente de senador Edinho Lobão, do PMDB, candidato do clã Sarney para suceder à atual governadora, Roseana, também do PMDB. Edinho – filho e herdeiro de Edison Lobão, ministro de Minas e Energia – explorará na campanha sua ligação com o Palácio do Planalto, a exemplo do que Sarney sempre fez. Para conter a estratégia adversária, Dino preparou seu arroz de cuxá, seguindo a mesma receita de um Sarney ou um Lobão. E serviu o arroz na convenção: uma aliança que reúne nove partidos e apoia os três principais candidatos à Presidência – Aécio Neves, do PSDB, Eduardo Campos, do PSB, e, sim, ainda que informalmente, Dilma. Para os devotos de São Tomé, fotos dos três presidenciáveis decoravam a convenção do PCdoB maranhense. Dino tem dito que não pedirá votos a nenhum dos três, embora tenha conclamado dissidentes do PT a colocar nas ruas a chapa Dilma-Dino e ciceroneado Campos pelas ruas de São Luís tão logo a eleição começou.
O arroz de cuxá mostra que Dino, como tantos outros, é o novo somente no nome. É um arroz requentado, ainda que possa ser mais palatável que Sarney. O Maranhão, terra natal de Sarney, e o Amapá, seu puxadinho eleitoral há 24 anos, marcham para as eleições de outubro sob o impacto da aposentadoria e do enfraquecimento do grupo político liderado por ele. Aos 84 anos de idade e 60 de vida pública, Sarney não conseguiu agregar apoio suficiente para montar um palanque único, que lhe garantisse uma eleição sossegada. Mediu os riscos e preferiu não corrê-los. Oficialmente, capitulou para cuidar da mulher, Marly, com problemas de saúde. Na verdade, seu clã se desintegra politicamente.
No Amapá, alguns de seus aliados estão enrolados com a Justiça. No Maranhão, a má avaliação da administração fez sua filha e herdeira política, a governadora Roseana, desistir da política. A gestão de Roseana atingiu o ponto mais baixo com a grave crise na Segurança Pública, marcada pelas rebeliões e mortes no pavoroso presídio de Pedrinhas. A construção de uma refinaria da Petrobras, obra anunciada ainda no governo Lula como redenção dos problemas maranhenses, não aconteceu. Os indicadores socioeconômicos são desoladores. O PIB per capita do Maranhão, divisão da riqueza do Estado pelo tamanho de sua população, é de R$ 7.800, cerca de um terço da média nacional, à frente apenas do Piauí. O Maranhão tem um IDH, índice que mede o grau de desenvolvimento humano, comparável a níveis do Brasil de 1980. O Bolsa Família no Estado atinge 56% da população, a maior cobertura no país. Dentro da família Sarney, ninguém sabe como enfrentar a onda do novo que abala seu domínio. A saída foi recorrer à velha aliada família Lobão.
Dino recebeu a reportagem de ÉPOCA em seu escritório político, no centro histórico de São Luís, horas depois da convenção do PCdoB. Chegou 20 minutos atrasado, metido numa camisa da Seleção Brasileira e revigorado após banho e almoço. “Sarney sempre usou o poder nacional para nos dividir”, diz. A fórmula encontrada por ele para enfrentar Sarney foi uma pretensa neutralidade em relação aos candidatos a presidente da República. “Não peço voto para nenhum deles”, afirma Dino, embora peça. Seu pragmatismo tem a marca do velho. Não faltam ex-aliados de Sarney a apoiá-lo. Estão com ele Roberto Rocha, candidato ao Senado na chapa de Dino pelo PSB e filho de Luiz Rocha; José Reinaldo, também do PSB e um dos principais articuladores de sua campanha; e João Castelo, do PSDB. Todos ex-governadores que estiveram com Sarney. Dino tem um aliado de Sarney na própria família – seu pai, Sálvio Dino, amigo de Sarney. “Sempre fui de esquerda. Meu pai nunca tentou impedir isso”, diz Dino.
Politicamente, o Amapá é um anexo do Maranhão. Lá, quem manda – ou mandava até há pouco – é a família Sarney. Os políticos locais aceitavam a submissão ao político mais forte em Brasília, de onde sai o dinheiro. São políticos como a família Alcolumbre. Salomão Alcolumbre foi primeiro suplente do senador Sarney. Seu irmão Alberto dá nome ao Aeroporto Internacional de Macapá. Aeroporto, não: esqueleto de aeroporto. Esqueleto porque a estrutura do novo terminal de passageiros foi abandonada em 2007, quando a Polícia Federal prendeu o empreiteiro Zuleido Veras, ligado ao PMDB. A Gautama, construtora de Zuleido, foi acusada de desviar mais de R$ 100 milhões da obra.
O sobrinho de Salomão e Alberto é o deputado federal Davi Alcolumbre, do DEM. Foi por um projeto de lei de Davi, de 37 anos, que o aeroporto passou a carregar o sobrenome Alcolumbre. Alberto e Salomão já morreram. Mas a família Alcolumbre tem um futuro político promissor. Davi lidera a eleição para o Senado. Ele sempre foi um aliado de Sarney, mas quer se sentar na cadeira ocupada por ele há 24 anos. Em seu terceiro mandato na Câmara, Davi lançou-se pré-candidato no ano passado, quando percebeu que o outono de Sarney chegara. “Houve um esforço do PMDB para que minha candidatura não fosse viável”, afirma. A Davi foi oferecida a primeira suplência de Sarney. Ele não aceitou.
Na capital Macapá, o endereço de Sarney é o número 920 da Avenida Carlos Gomes. Quem cuida da casa de três quartos, cercada de muros altos, é Maria de Nazaré, de 54 anos, mãe de nove filhos. Dona Maria, assim Sarney a chama, trabalha há sete anos lá. No portão da casa, disse estar triste com a aposentadoria de Sarney, embora não saiba dizer como ele contribuiu para o desenvolvimento do Estado. Ela se ressente de raras vezes ter cozinhado para Sarney. “Ele adora peixe”, afirma. “Mas é um homem muito ocupado.” Após o término do mandato em 31 de dezembro, Sarney poderá descansar sossegado. Candidatos como Dino e Davi terão a chance de mostrar aos eleitores o real valor do novo e do velho na política.
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