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O tríplex, o sítio e a fortuna

CONDUZIDO - Por segurança, a força-tarefa da Lava-Jato ouviu o depoimento de Lula no Aeroporto de Congonhas

Durante anos, o ex-presidente Lula esforçou-se para manter viva a imagem do homem comum, do político honesto que exerceu o poder em sua plenitude e permaneceu impermeável às tentações. Para os incautos, ele morava até hoje no mesmo apartamento modesto em São Bernardo do Campo (SP) e conservava hábitos simples, como carregar na cabeça uma caixa de isopor cheia de cerveja. Longe dos holofotes, Lula se acostumou com a vida faustosa. Longe dos holofotes, o petista cultivava hábitos sofisticados. Longe dos holofotes, o petista se tornou milionário. E a origem do dinheiro que ele acumulou, em boa parte, está nas empreiteiras acusadas de participar do bilionário esquema de desvio de dinheiro da Petrobras, criado em seu governo. O mito começou a desabar quando as investigações da Lava-Jato revelaram os primeiros sinais de que o ex-presidente, seus filhos, parentes, amigos e aliados estavam todos esparramados de alguma forma na gigantesca bacia da corrupção.

Para além do apartamento de São Bernardo, o Lula mais próximo da realidade havia comprado um apartamento tríplex de frente para o mar do Guarujá, no litoral paulista, e um sítio nas montanhas de Atibaia, no interior do estado. As duas propriedades, porém, nunca estiveram em nome dele. Ambas foram reformadas e equipadas por empreiteiras do petrolão. O sítio, para o qual Lula enviou parte de sua mudança logo após deixar o Planalto, está até hoje em nome de dois sócios de Fábio Luís da Silva, o Lulinha, o filho mais velho do ex-presidente. E o tríplex nunca saiu do nome da OAS, uma das maiores companhias acusadas de distribuir propinas a partidos e políticos em troca de contratos na Petrobras. Em 2015, reportagens de VEJA abriram caminho para o que resultaria na mais constrangedora cena da vida de um político.

Até a semana passada, o ex-presidente continuava negando peremptoriamente ser o dono do sítio e do tríplex. Os policiais e procuradores, porém, não têm dúvidas de que saiu dos cofres das empreiteiras do petrolão o dinheiro usado para comprar o sítio em 2010, meses antes de Lula deixar o Planalto. Um presente que, suspeitam os investigadores, Lula teria recebido quando ainda era presidente, o que configuraria crime de corrupção e improbidade administrativa. As empreiteiras também cuidaram dos detalhes para que a propriedade ficasse ao gosto de Lula e de sua família. Bancaram as obras no sítio, como a construção de uma nova sede com quatro confortáveis suítes e de um tanque para pescaria. Pagaram até a mobília. Os móveis da cozinha foram encomendados pela OAS em uma loja de luxo.

A história do tríplex enreda Lula ainda mais nas tramoias das empreiteiras do petrolão. Como VEJA revelou, foi o ex-presidente quem convenceu a OAS a assumir as obras deixadas para trás pela Bancoop, cooperativa que foi à bancarrota após desviar o dinheiro de milhares de associados para os cofres do PT. Pedido de Lula, sabe-se agora, era ordem, e a OAS topou. Um dos projetos assumidos pela empreiteira foi justamente o do Edifício Solaris, no Guarujá, onde o ex-presidente teria uma unidade. A OAS não só evitou o prejuízo a Lula, tirando o projeto do prédio do papel, como aproveitou a oportunidade para afagar o petista. Reservou para ele um tríplex, na cobertura do edifício – e cuidou para que, a exemplo do sítio, o apartamento ficasse ao gosto da família. A empreiteira investiu quase 800 000 reais apenas numa reforma, que deixou o imóvel com um elevador privativo e equipamentos de lazer de primeiríssima qualidade. Sem constrangimento, Lula e a ex-primeira-dama Marisa visitaram as obras na companhia de Léo Pinheiro, o ex-­presidente da OAS. Tudo estava ajustado para que a família logo começasse a desfrutar o apartamento. Mas veio a Lava-Jato e os planos mudaram. Lula, então, passou a dizer que tinha apenas uma opção de compra do apartamento – e que desistira do negócio. O argumento não convenceu a polícia.

Paralelamente, a Lava-Jato também mapeou as transações financeiras do ex-­presidente. No ano passado, VEJA revelou que a LILS, empresa de palestras aberta por Lula logo após deixar o Planalto, recebera 10 milhões de reais só das empreiteiras do petrolão. Agora, as transações foram anexadas à investigação como indício de que os pagamentos, na verdade, serviram para maquiar vantagens indevidas que o presidente recebeu por “serviços” prestados às empreiteiras. Executivos da OAS ouvidos pela Lava-Jato, por exemplo, disseram à polícia que não se recordavam de palestras do ex-presidente na empreiteira – no papel, a OAS pagou 1,2 milhão de reais à LILS. A empresa de palestras não era a única fonte dos repasses milionários a Lula, que teve seus sigilos fiscal e bancário quebrados pelo juiz Sergio Moro. O Instituto Lula, entidade sem fins lucrativos criada pelo petista com o propósito altruísta de acabar com a fome na África e desenvolver a América Latina, também era destinatário de repasses milionários das companhias que fraudaram a Petrobras. Dos 34,9 milhões de reais recebidos pelo instituto entre 2011 e 2014 a título de doações, 20,7 milhões foram repassados pela Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez, todas investigadas. A farra acabou. Disse o Ministério Público Federal no pedido que resultou na condução coercitiva do ex-­presidente: “Há elementos de prova de que Lula tinha ciência do esquema criminoso engendrado em desfavor da Petrobras, e também de que recebeu, direta e indiretamente, vantagens indevidas decorrentes dessa estrutura delituosa”. (Veja)

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