O silêncio dos inocentes
José Roberto de Toledo
Michel Temer é refém de Eduardo Cunha. Sinal óbvio foi a declaração do vice sobre o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados pelo Supremo Tribunal Federal. Qual declaração? Pois é. Poucos silêncios foram tão eloquentes na história da República. Em decisão inédita, o Judiciário afasta chefe do Legislativo, e o virtual comandante do outro Poder – um declarado constitucionalista que dá entrevista a todo microfone que vê – não se pronuncia. Não falou porque não podia.
Se, como a imensa maioria da população, saudasse a decisão do STF, Temer criaria um conflito insuperável com o principal artífice de sua ascensão à Presidência da República. Mas não é por gratidão que o futuro ex-vice calou-se publicamente. Cunha, mesmo afastado formalmente, não está morto. Resta-lhe munição para bombardear adversários e aliados. Principalmente aliados que o abandonarem publicamente quando ele mais precisa.
Quem duvida da resiliência do presidente afastado da Câmara deve lembrar que faz 25 anos que ele ouviu “Fora Cunha” pela primeira vez. Foi no governo Collor. Desde então, a maioria de seus colegas ficou pela caminho. Só dois expoentes daquela breve e notória gestão prosperaram e ascenderam na escada do poder: Cunha e Renan Calheiros. Deve-se respeitar a seleção natural, até quando o selecionado se diz criacionista e rejeita Darwin.
Mesmo sem chance de retornar ao cargo que o consagrou, Cunha esforça-se para manter o protagonismo. Tenta influenciar as decisões da Câmara, sabendo que delas dependerão todas as chances de Temer ser bem sucedido no seu plano de estabilização. Para tanto, Cunha tornou-se operador de um drone político.
Waldir Maranhão (PP-MA) não virou vice-presidente da Câmara por acaso. Entre 512 deputados que poderia escolher, Cunha selecionou o que tinha menos capacidade de enfrentá-lo. Também nesse aspecto, mostrou-se mais previdente do que Dilma Rousseff. Se o político maranhense Vitorino Freire estivesse vivo, diria que cágado não sobe em árvore. Se um está trepado numa forquilha, é porque alguém o colocou lá. Na atual conjuntura, as tartarugas arboristas parecem mancas e sem casco.
Chamou a atenção como Cunha defendeu Maranhão durante a votação do impeachment de Dilma na Câmara. Na véspera, o maranhense recebera oferta mais vantajosa e pulara para o barco do governo. Discursava para justificar-se. Cunha silenciou os que esboçaram vaiá-lo. No dia seguinte, Maranhão tomou medidas que emascularam o Conselho de Ética na ação contra Cunha. Mutuamente fiéis.
Na quinta-feira, logo após assumir o lugar de Cunha, Maranhão foi assediado por deputados que queriam reabrir a sessão do plenário para comemorar o afastamento do presidente da Casa. Constrangido, Maranhão pediu três minutos para “conversar com Deus”. Cunha mudara de nome.
Após a inviabilização do governo Dilma e a subsequente aprovação do impeachment, a presidência da Câmara provou-se o segundo cargo mais importante da Esplanada – equivalendo às vezes ao de presidente da República, a depender de quem ocupa cada cadeira. Não há loteamento de ministério que compense um presidente da Câmara hostil. Logo, é condição indispensável ao sucesso de qualquer governo manter um aliado no lugar de Cunha.
L’armata Temer tentou primeiro derrubar Maranhão. O plano era declarar vaga a presidência da Câmara e convocar eleição para o cargo. Não pegou bem com Cunha e seu arsenal. Recuo tático e plano B: a ideia agora é cooptar o maranhense, por bem ou não. Todas as denúncias esquecidas – e não são poucas – contra o deputado do PP ressurgem revigoradas.
A operação é um passeio em campo minado, porém. Pisar em Cunha é arriscar-se a uma delação mais explosiva que a de qualquer empreiteiro. Do silêncio de Temer depende o silêncio de Cunha.
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