A vitória de Donald Trump provocou fortes emoções. Analistas normalmente sóbrios atribuíram o triunfo à estupidez de eleitores brancos menos escolarizados. Seu eleitor é estúpido?
Trump ofereceu três explicações para a decadência: os acordos comerciais desvantajosos e o comércio predatório chinês provocam a perda de empregos industriais; os impostos e a burocracia “exportam” empregos; e os imigrantes roubam empregos dos americanos.
As soluções são fáceis de entender. Renegociar acordos como o Nafta e aumentar as tarifas de importações da China, dificultar a entrada de imigrantes (e expulsar os ilegais) e induzir as empresas a não “mandar os empregos para o México”, diminuindo impostos.
A ideais econômicas do candidato Trump são para lá de frágeis. O declínio do “rust belt” começou nos anos 1960, muito antes do Nafta e da emergência da China.
Trump propõe um corte de impostos e austeridade fiscal. Não diz como. Não seria cortando despesas militares. O alívio tributário produziria tanta riqueza que se pagaria.
Não é claro que a imigração diminua muito o salário do trabalhador menos educado (“blue-collar”). Certamente não é culpada pela estagnação do “rust belt”.
Sem outro lugar para cortar, o alívio tributário pode colocar em risco o sistema de seguridade social, o que talvez prejudique exatamente os menos escolarizados do “rust belt”. O eleitor das áreas industriais de Ohio talvez ainda não seja elegível para o Medicaid, seguro médico público para a baixa renda. Mas, a julgar pela evolução de sua renda, não seria surpreendente votar em quem propunha expandir o Medicaid.
Trump culpa fantasmas e oferece voluntarismo: um caça-fantasmas. Não muito diferente do populismo latino-americano de esquerda, para quem os fantasmas são “as elites” e o imperialismo ianque.
Daí a conclusão de que seu eleitor seja estúpido. Acredita em fantasmas e vota contra os próprios interesses.
Atribuir o êxito de Trump à estupidez do eleitor é preguiça analítica. O eleitor no “rust belt” vê sua renda parada há décadas, enquanto a prosperidade aumenta. Trump oferece explicações e soluções bem erradas, mas críveis.
O eleitor não acompanha o debate acadêmico sobre imigrantes e salários. Tampouco conhece a literatura especializada nas causas do declínio do “rust belt”. Com um conjunto limitado de informações, a Pensilvânia industrial decidiu racionalmente. Assim como o fez o eleitor nordestino ao reeleger presidentes petistas durante a bonança, fosse ela real ou aparente.
O comércio globalizado e o progresso técnico trouxeram enorme riqueza, mas os ganhos se distribuíram desigualmente. O “rust belt” não está entre os vencedores. A vitória de Trump e o “brexit” nos lembram que um dos desafios mais importantes da democracia liberal é conseguir compensar os perdedores. Eles falaram alto neste ano.
Por João Manoel Pinho de Mello