O dia em que Sarney foi acusado de ter um castelo em Portugal e depois negou ser o proprietário
O ex-presidente José Sarney acompanhou o presidente Michel Temer em visita a Portugal. Lá, os dois já se reuniram com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. Ambos foram recebidos no Palácio de Belém, sede do governo português. Do encontro, eles seguiram para o funeral do ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal, Mário Soares, que morreu aos 92 anos no último sábado (7).
Em Portugal, José Sarney certamente deve ter lembrado da história em que lhe acusaram de ser dono de um castelo na cidade de Sintra (a 20 km de Lisboa). A reportagem foi publicada pelo Jornal Pequeno. Dias depois, Sarney enviou carta ao JP negando veementemente que era proprietário do castelo.
Abaixo, a matéria do Jornal Pequeno publicada no dia 24 de maio de 2009 e a carta de Sarney negando a história.
POR OSWALDO VIVIANI
De Sintra, Portugal
Chamado pela revista inglesa “The Economist”, em fevereiro passado, de representante do semifeudalismo na política brasileira, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB), adquiriu, no final de sua Presidência, em 1990, um castelo em estilo que lembra o período medieval, na cidade de Sintra, em Portugal (a 20 km de Lisboa). Trata-se da Quinta dos Lagos – imóvel de 23.400 metros quadrados de área total, avaliado atualmente em R$ 30 milhões (10 milhões de euros), sem contar o valor histórico -, que teria pertencido a Sarney por pelo menos 4 anos. A propriedade nunca foi declarada à Justiça Eleitoral nem à Receita brasileira.
De acordo com uma reportagem investigativa publicada na ocasião pela revista portuguesa “Olá”, Sarney comprou a Quinta dos Lagos por meio da Almonde Securities S.A., uma offshore com sede no Panamá, mas que tem os fundos geridos na Suíça. Os dois países – Panamá e Suíça – são “paraísos fiscais” (locais que gente endinheirada busca para abrir empresas quando pretende driblar o Fisco).
A reportagem do Jornal Pequeno esteve em Sintra e Lisboa, de 14 a 22 de abril, e teve acesso, embora restrito, ao registro da transação imobiliária na 1ª e na 2ª Conservatórias (Cartórios) de Registro Predial de Sintra. A Quinta dos Lagos teria sido comprada por José Sarney/Almonde de representantes legais de uma certa família Sibourg.
Não foi possível localizar nos dois cartórios de Sintra a data em que Sarney se desfez do imóvel. O JP apurou, no entanto, que o castelo segue em nome de alguém ligado à Almonde Securities, cujos endereço e telefone em Sintra são da Quinta dos Lagos. Vizinhos e comerciantes antigos, instalados nos arredores do castelo, garantiram ao JP que pelo menos até 1993 “uns brasileiros da família de um ex-presidente da República” passavam parte do verão europeu na Quinta dos Lagos.
Assunto tabu – O “caso do castelo” é um assunto tabu para o senador José Sarney, que sempre evitou, de todas as formas, comentá-lo. O JP encaminhou ao assessor da Presidência do Senado, Chico Mendonça, dois e-mails com várias perguntas a Sarney, além de ter feito com o assessor dois contatos telefônicos.
Na única e ligeira resposta dirigida ao JP, Mendonça afirmou apenas, num e-mail, que “a informação não é verdadeira” e que “quando surgiu pela primeira vez, à época do governo Sarney, foi cabalmente desmentida”. O assessor não informou ao JP os termos desse desmentido “cabal” e, certamente por orientação do senador Sarney, fez um pedido estranho, no final do e-mail: “A declaração deve ser atribuída a mim”.
Reportagem investigativa – A compra da Quinta dos Lagos e a ligação da Almonde Securities com José Sarney foram divulgadas pela primeira vez numa reportagem de autoria da jornalista Maria do Rosário Lopes, publicada, pouco tempo depois da aquisição do castelo, pela revista portuguesa “Olá”, um suplemento do jornal “Semanário”. O JP teve acesso à publicação na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa.
A matéria é intitulada – como o romance policial de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão – “O mistério da estrada de Sintra”. Nela, a repórter Maria do Rosário informa que o procurador da Almonde Securities em Portugal, na época, Carlos Aguiar, embora não tenha negado a compra da Quinta dos Lagos por José Sarney, “recusou-se a prestar maiores esclarecimentos”.
A aquisição do castelo por Sarney – concretizada quando ele ainda era presidente da República – foi confirmada à repórter Maria do Rosário pela vizinhança da propriedade e por uma caseira, identificada como Maria José. Esta afirmou à jornalista que o negócio envolveu “uns brasileiros, gente importante, parece que era o Sarney”.
Além da reportagem da revista “Olá”, o blog http://riodasmacas.blogspot.com, que descreve lugares e curiosidades de Sintra, posta há bastante tempo a informação de que José Sarney foi um dos donos da Quinta dos Lagos (buscar no google “quinta dos lagos rio das maçãs”). “Comprada [depois da morte do primeiro dono, Fernando Formigal de Morais] por um tal senhor Andersen, cônsul geral da Dinamarca, a quinta [dos Lagos] também teve como proprietários a família Sibourg e o ex-presidente do Brasil José Sarney”, diz o blog.
O que se pergunta é: se Sarney já negou “cabalmente” ter sido algum dia dono do castelo, por que não exigiu até hoje que a informação fosse excluída do blog? Isso para ele não representaria nenhuma dificuldade, pois já conseguiu até que a Justiça retirasse um blog do ar, no Amapá (http://alcinea-cavalcante.blogspot.com).
Cercas elétricas e cão – Para checar as informações difundidas pela revista “Olá” e pelo site “Rio das Maçãs”, a reportagem do JP esteve, no dia 16 de abril, na Quinta dos Lagos, que se estende pela rua Francisco dos Santos, mas cujo portão principal fica no largo Fernando Formigal de Morais, 9. O nome do largo é uma homenagem ao primeiro proprietário do castelo (saiba mais na página 6).
O lugar é todo rodeado por muros altíssimos, onde estão instaladas cercas elétricas. Um grande cão preto também vigia o castelo.
A reportagem tocou o interfone instalado ao lado de um pequeno portão que dá acesso ao castelo pela rua Francisco dos Santos. Um empregado atendeu, porém não permitiu o acesso à área interna. Ele não quis se identificar, mas admitiu que José Sarney foi dono da Quinta dos Lagos, garantindo que atualmente não era mais. Perguntado sobre quem era o atual proprietário, respondeu com um seco e desconfiado “Não te interessa”, fechando o portão na cara do repórter.
Um dia depois, numa consulta à lista telefônica portuguesa, a reportagem do JP descobriu que o número do telefone da offshore Almonde Securities em Portugal era de Sintra: 219 231 589.
Ao ligar para esse número, outra surpresa: atendeu uma funcionária da Quinta dos Lagos, que se identificou como Armandina Fernandes e confirmou que o ex-presidente José Sarney foi um dos proprietários do castelo. Depois, passou o telefone para o empregado com o qual a reportagem havia conversado um dia antes. Ele recusou-se a prestar novas informações e pediu que o repórter não insistisse.
Confirmou-se, assim, que a Almonde Securities S.A. não tem sede, nem escritório, nem funcionários em Portugal. Seu telefone e endereço atuais são da própria Quinta dos Lagos.
Mulheres e ‘miúdos’ – Em Sintra, é notório que José Sarney foi dono da Quinta dos Lagos. Um morador e dois comerciantes da Estefânia de Sintra, onde se localiza o castelo, afirmaram ao JP que no início dos anos 90 “uns brasileiros da família de um ex-presidente da República” eram vistos nas épocas do verão europeu (junho a agosto) entrando e saindo de carro na propriedade e frequentando o comércio local.
Os três entrevistados – cujos nomes a reportagem prefere preservar – disseram que conheceram “algumas mulheres e os ‘miúdos’ [crianças]”, mas não se lembram de alguma vez terem visto o próprio José Sarney na propriedade.
No entanto, coincidência ou não, o atual presidente do Senado era figurinha fácil em terras portuguesas entre 1990 e 1993. Jornais e revistas da época registraram várias dessas visitas à nossa ex-metrópole ultramar. Nessas ocasiões, Sarney nunca deixava de se encontrar com seu amigo Mário Soares, do Partido Socialista, então presidente da República portuguesa. A dupla jantava quase sempre no luxuoso restaurante lisboeta Gambrinus, na rua das Portas de Santo Antão, perto da bela praça do Rossio.
Sarney nega, em carta ao JP, ter sido dono de castelo em Portugal
Pela primeira vez, nos 44 anos em que o Jornal Pequeno faz oposição à política antiética por ele representada, José Sarney – atual presidente do Senado – responde por escrito a uma denúncia que o envolve: a aquisição de um castelo em Sintra (Portugal), em 1990, por meio de uma offshore com sede num paraíso fiscal (Panamá). Reportagem sobre o assunto foi publicada pelo JP no domingo passado. Sarney disse que a história, quando surgiu pela primeira vez, há vinte anos, “foi contestada com documento do Cartório Imobiliário de Lisboa”, mas não apresentou o documento. A íntegra da carta de Sarney ao JP e os argumentos da tréplica do jornal são apresentados a seguir.
Cópia da carta-resposta de Sarney, enviada ao JP
A CARTA DE SARNEY
Brasília, maio de 2009
Ao Senhor
LOURIVAL MARQUES BOGÉA
Diretor-Geral, Jornal Pequeno
Prezado senhor,
A respeito da matéria publicada por esse jornal, afirmando haver tido eu a propriedade de uma quinta, castelo ou seja lá o que for, quero desmentir essa divulgação. Aliás, essa notícia, agora reproduzida com o objetivo de atingir a minha honra, surgiu há vinte anos, quando eu era Presidente da República, foi por mim contestada com documento do Cartório Imobiliário de Lisboa, certificando não ter nem haver tido eu nenhuma propriedade naquela cidade. Repito: não tenho e nunca tive nenhum imóvel ou o que quer que seja em Lisboa. Por Lisboa sempre tive amor, de suas cores, de sua história.
2. Mas, para que não paire qualquer dúvida sobre o meu hipotético imóvel, que nunca existiu, quero doá-lo à empresa editora do Jornal Pequeno, que tem como presidente sua progenitora, Hilda Bogéa, e seus filhos, para dele usufruírem todo o seu valor, podendo usá-lo, vendê-lo e transmiti-lo a seus herdeiros.
3. Assim, esse castelo que não existe passará a pertencer à família Bogéa, que há 50 anos insulta-me, desrespeita, injuria e difama a minha pessoa.
4. Desfrutem de mais essa patranha.
Saudações,
JOSÉ SARNEY
RESPOSTA DO JP
Como o senador José Sarney gosta de numerar parágrafos, o JP vai acompanhá-lo em mais essa sua mania:
1. Nem a reportagem sobre o castelo de Sintra nem qualquer outra que envolva o senhor Sarney e seu clã são feitas pelo JP com o objetivo de atingir sua honra, como acusa o senador, e sim o que ele representa: um coronelismo político, econômico e midiático antiético, que oprime e mantém sob seu jugo uma legião de miseráveis num dos estados mais pobres do país. O senhor Sarney diz que um documento do Cartório Imobiliário de Lisboa certifica que ele não tem nem nunca teve “nenhuma propriedade naquela cidade”. “Repito: não tenho e nunca tive nenhum imóvel ou o que quer que seja em Lisboa”, complementou o senador. Vale esclarecer que a reportagem do JP diz que ele teve, por pelo menos 4 anos (1990 a 1993), a Quinta dos Lagos, em Sintra, e não em Lisboa. Por que o senador não nos envia uma cópia do documento fornecido pelo Cartório de Lisboa?
2. Em resposta à chacota do senador, “doando” a Quinta dos Lagos à família Bogéa, proprietária do JP, agradecemos mas rejeitamos o oferecimento. Primeiro porque nenhum dos Bogéa compartilha com o senhor Sarney o gosto por imóveis que lembram os senhores feudais da Idade Média (a Era das Trevas). Segundo porque o castelo não é mais do senador, portanto ele não pode doá-lo. Mas se o senhor Sarney abandonar o sarcasmo e quiser exercitar seriamente sua generosidade, pode doar aos desabrigados pelas enchentes do Maranhão uma de suas mansões de Curupu ou toda a dinheirama que recebeu ilegalmente – sem saber, é claro… – de auxílio-moradia do Senado. Aliás, essa é a sugestão da jornalista Ruth de Aquino, da revista Época. No mais, em contrapartida à boa ação do senhor Sarney, a família Bogéa e seu JP aceitam doar a ele e seu império de Comunicação um pouco de credibilidade e dignidade, que nos sobram e faltam à mídia sarneysista.
3. A família Bogéa não insulta, desrespeita, injuria e difama o senhor José Sarney há 50 anos. Como já foi dito no início, combatemos (há 44 anos, e não 50) o que ele representa: um modo antiético e imoral de fazer política, responsável pela perpetuação da miséria do Maranhão e que recentemente se estendeu ao Congresso Nacional, conforme o JP e todos os veículos sérios da imprensa nacional vêm mostrando à exaustão. Insulto, desrespeito, injúria e difamação tivemos a oportunidade de ver correndo solto no Sistema Mirante na campanha sem tréguas que resultou no golpe, via judicial (segundo o renomado jurista Francisco Rezek), que tirou do cargo um governador legitimamente eleito pelo povo e colocou em seu lugar a filha do senhor Sarney, derrotada nas urnas.
4. Traduzindo o vocabulário arcaico do senador, “patranha” quer dizer mentira. Vide “caso Reis Pacheco”, farsa da encomenda de morte do prefeito de Imperatriz Ildon Marques por parte do deputado Sebastião Madeira, as oito versões para a “bufunfa” de 1,34 milhão encontrada na Lunus etc. etc.
A Direção do JP
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