A nova delação do fim do mundo de Cunha: Temer, Maia e deputados encrencados
Por razões óbvias, a parte relativa ao presidente Michel Temer é considerada a mais vistosa da proposta de delação do ex-deputado Eduardo Cunha. Nos dez capítulos dedicados exclusivamente ao presidente, há acusações das mais diversas. Nas palavras de um interlocutor com quem tem conversado frequentemente, Cunha pretende demonstrar que o presidente da República é o “verdadeiro chefe” da organização criminosa formada pelo chamado “PMDB da Câmara”. Ele se dispõe a revelar negociações de propinas ocorridas na presença de Temer.
No rascunho da delação, Cunha relacionou Michel Temer a negócios escusos na Petrobras, especialmente na área internacional da estatal, onde foram alojados executivos indicados pelo presidente. Ele também liga o Temer a propinas pagas por empresas que atuam no setor de aeroportos e no Porto de Santos, ambos comandados, durante anos, por aliados do presidente – ao analisar arquivos encontrados no material apreendido com Cunha, por sinal, os investigadores da Lava-Jato encontraram um dossiê com informações sobre a atuação de Temer no porto do litoral paulista. “Tudo indica que, apesar de aliado, ele sempre desconfiou de Temer e guardava informações que poderiam ser usadas contra ele no futuro”, disse a VEJA um dos encarregados da investigação.
Integram ainda o cardápio da delação encontros entre o presidente e empreiteiros para discutir doações eleitorais ao PMDB atreladas à liberação de recursos do FI-FGTS, o fundo administrado pela Caixa que investe dinheiro dos trabalhadores em projetos de infraestrutura e cujas decisões cabiam, em grande medida, a apadrinhados do partido. Temer teria se reunido, por exemplo, com Benedicto Junior, executivo da Odebrecht, e com Léo Pinheiro, da OAS, para acertar doações em troca de aportes. Outro episódio que o ex-deputado prometeu relatar envolve um investimento na concessionária Via Rondon, uma das empresas da família Constantino, fundadora da companhia aérea Gol. Segundo Cunha, Temer deu o aval para que a empresa financiasse campanhas de políticos do PMDB como contrapartida à liberação do dinheiro. “O objetivo é provar que ele [Cunha] desempenhava apenas uma função dentro de uma organização criminosa, composta por líderes do PMDB da Câmara e comandada por Michel Temer”, diz outra fonte envolvida na negociação do acordo.
Além dos capítulos ofertados por Cunha, os procuradores já preparam uma lista de assuntos sobre os quais exigirão que o ex-deputado fale. Um deles envolve um emaranhado de empresas abertas pelo grupo de Cunha para receber propinas em paraísos fiscais. A Lava-Jato tem indicações de que essa é a ponta de um novelo que pode ligar Temer a contas secretas no exterior.
Cunha citará Rodrigo Maia em delação premiada
Aliados de Michel Temer admitem, em privado, que as revelações contidas na delação premiada do ex-deputado Eduardo Cunha devem agravar ainda mais a situação do presidente no Congresso e ampliar as chances de a Câmara autorizar o Supremo Tribunal Federal a processá-lo. Seria uma injeção extra de ânimo nos que, na surdina, trabalham para que Rodrigo Maia ascenda ao Planalto. O problema é que o horizonte para Maia é igualmente sombrio: assim como Temer, o atual presidente da Câmara também é citado na delação de Eduardo Cunha – ele aparece, segundo pessoas próximas ao ex-deputado, como intermediário de interesses empresariais na máquina pública e destinatário de recursos de origem ilícita.
Na semana passada, o próprio Cunha, da cadeia em Curitiba, fez questão de mandar o recado para o ex-colega. Por meio de um interlocutor que foi visitá-lo, Cunha pediu que um amigo em comum dissesse a Maia que ele estrelará um dos capítulos de sua delação. “Avisa que ele [Maia] também será lembrado”, pediu Cunha, segundo relatou o interlocutor a VEJA.
Na noite de quarta-feira, enquanto o presidente da Câmara preparava as malas para embarcar na manhã seguinte para uma viagem oficial de dois dias à Argentina, um grupo de advogados escalado por Cunha para auxiliá-lo na negociação da delação dividia a mesa de jantar em Brasília e repassava, um a um, os principais pontos da proposta de colaboração do ex-deputado. Foi durante o encontro que um dos presentes recebeu a incumbência de transmitir o recado. Rodrigo Maia entrou para o caderno de inimigos de Eduardo Cunha durante o processo que resultou na cassação do peemedebista – ele considerou que o colega nada fez para ajudá-lo.
Acusações contra 50 deputados
No acordo que negocia com a Lava-Jato, o ex-deputado Eduardo Cunha promete contar histórias desabonadoras que envolvem pelo menos meia centena de parlamentares – a maioria ,destinatária de propinas de esquemas montados em estatais e fundos de pensão. Entre os relatos, há também casos de deputados que o procuraram às vésperas de sua cassação, em setembro de 2016, para oferecer o voto em troca de pagamento – um deles pediu 1 milhão de reais para ajudar a livrá-lo no Conselho de Ética.
Tão logo entregue os capítulos da proposta de delação premiada, o que é esperado para esta semana entre os auxiliares de Janot, o ex-deputado será cobrado a apresentar provas do que diz. A negociação, diz um auxiliar do procurador, será dura: “Ele vai ter que apresentar provas. Não basta só falar”. Entre os investigadores, é consenso que Cunha terá de ficar mais um tempo atrás das grades, a exemplo do empreiteiro Marcelo Odebrecht. As chances de ele receber um perdão judicial, como ocorreu com os donos da JBS, são próximas de zero. (Veja)
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