‘Meu caso é mais um, é banal’, diz Santos Cruz sobre saída do governo Bolsonaro
O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz deu não apenas um sorriso, algo raro em suas aparições, mas uma discreta gargalhada ao citar o cantor Reginaldo Rossi para falar, durante um evento em São Paulo, de sua saída do governo Jair Bolsonaro (PSL).
“Como diria Reginaldo Rossi: meu caso é mais um, é banal”, afirmou o ex-titular da Secretaria de Governo à plateia do congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), nesta quinta-feira (27), em uma universidade na zona sul da capital.
“É da música ‘Garçom’”, completou após declamar o verso, para risos do auditório. “Eu gosto de música também.”
O militar disse que não sabe o motivo pelo qual foi afastado e que Bolsonaro ”não falou nada” ao dispensá-lo, mas “é direito dele” fazer mudanças na equipe. “Não vou criticar a forma [da demissão] para não ser antiético, mas trocar ministros ou técnicos do governo é absolutamente normal.”
Ele relatou que, quando encontrou o presidente no dia da exoneração, já tinha ouvido do ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) que seria dispensado. Decidiu então poupar o antigo chefe de “situação constrangedora” e não inquiri-lo sobre as razões.
Bolsonaro demitiu Santos Cruz no dia 13 de junho. Foi a terceira queda de membro do primeiro escalão do governo em menos de seis meses de mandato.
A saída foi atribuída a uma série de crises com os filhos do presidente, além de um embate com o escritor Olavo de Carvalho, guru dos bolsonaristas. Santos Cruz afirmou desconhecer os porquês da demissão.
O ex-ministro evitou responder diretamente sobre filhos do presidente e minimizou o embate com o ideólogo. Indagado sobre Olavo, preferiu o silêncio. “Não vou discutir sobre essas personalidades públicas, porque senão eu teria que baixar muito aqui o nível do meu palavreado”, provocou, aludindo aos palavrões comumente usados pelo escritor.
Na saída, questionado por repórteres, voltou a criticar os conflitos provocados pelo uso intenso de redes sociais no atual governo. “Existe uma periferia de fofocagem que às vezes faz uma fumaceira que você não consegue enxergar aquelas coisas boas que estão sendo feitas.”
“Precisa tuitar menos?”, questionou uma jornalista. “Falar menos, tuitar menos, tudo… Não é bem ‘menos’. Talvez de maneira mais positiva, né?”, respondeu o general.
Há alguns dias, ele lamentou, durante uma entrevista, a “fofocagem desgraçada” na gestão Bolsonaro e falou que as “besteiras” impedem os brasileiros de “enxergar as coisas boas”.
“Se você fizer uma análise das bobagens que se tem vivido, é um negócio impressionante. É um show de besteiras. Isso tira o foco daquilo que é importante”, disse à revista Época.
No evento desta quinta, ele estendeu a crítica a membros e apoiadores do governo que amplificam conflitos nas redes sociais. Disse, sem citar nomes, que “um monte de gente usa o Twitter como motivo de briga” e que o mau uso de mídias sociais “cria tumulto para a governabilidade e para a sociedade”.
Chamou de “coisa medíocre” o “comportamento de gangue” de quem espalha fake news e reiterou que foi vítima do problema: uma suposta mensagem de WhatsApp com ataques aBolsonaro acabou sendo apontada como fator que pesou em sua demissão. “Aquilo é fake, montagem”, rebateu.
Ainda no terreno virtual, o militar da reserva reprovou durante o seminário o episódio das postagens do presidente sobre golden shower no Carnaval. “Foi evidente que você podia fazer um negócio muito mais nobre do que aquilo ali”, comentou.
Indagado sobre temas da ordem do dia, Santos Cruz só foi incisivo ao falar do caso do militar da equipe de apoio à comitiva de Bolsonaro preso com 39 kg de cocaína na Espanha. Ele se referiu ao sargento como traficante e reivindicou “processo e punição exemplar”.
Sobre o esquema de candidatas laranjas, que teve nesta quinta um novo capítulo, com a prisão de assessores do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, o ex-ministro afirmou que não conhece a fundo detalhes da história e falou que cabe à Justiça “ver quem é que tem culpa e quem não tem”.
A respeito do vazamento de mensagens do ministro da Justiça, Sergio Moro, Santos Cruz disse que não viu “nada de escabroso” nas conversas do ex-juiz, embora não esteja acompanhando o assunto detidamente. “Ele [Moro] fez um trabalho histórico, em termos de revelar a corrupção”, elogiou.
IMPRENSA
O militar disse durante sua participação que aceitou comparecer ao evento para retribuir o respeito com que foi tratado por jornalistas ao longo da passagem pelo ministério.
Ele defendeu o papel da imprensa em uma sociedade democrática e disse ser contra generalizações, após uma pergunta sobre a relação de Bolsonaro com veículos de comunicação.
“Você tem que fazer distinção entre aquilo que você acha válido e aquilo que não acha válido, e não entre o veículo A, B ou C”, disse, acrescentando que a vasta circulação de mentiras aumenta a responsabilidade do jornalismo.
“O jornalismo hoje está competindo com uma massa de irresponsáveis que estão fazendo a festa, achando que podem criar coisas falsas, inventar notícias.”
Santos Cruz substituiu na programação do seminário o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que cancelou a ida ao evento há cerca de dez dias. O ex-ministro foi entrevistado pelos jornalistas Julia Duailibi e Daniel Bramatti.
O 14º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo também teria a participação de Sergio Moro. Ele, no entanto, cancelou sua presença em meio à pressão após os vazamentos de mensagens pelo site The Intercept Brasil.
O ministro da Justiça comunicou os organizadores na quarta-feira (19), horas depois de a Abraji divulgar uma nota com críticas a ele por ter se referido ao Intercept como “site aliado a hackers criminosos”.
“Trata-se de uma manifestação preocupante de um ministro que já deu diversas declarações públicas de respeito ao papel da imprensa e à liberdade de expressão”, escreveu a entidade.
O ex-juiz disse à associação que, por “motivo de agenda”, não poderia mais participar da entrevista durante o congresso, marcada para esta sexta-feira (28). Folha de SP
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