Luta de meio século contra grilagem explica violência na disputa por terras no MA
Em 1759, a então Coroa Portuguesa concedeu 14,5 mil hectares de terra ao povo gamela, na parte amazônica do Maranhão. Foi nessas terras que, no domingo (30), índios foram atacados por fazendeiros e jagunços, num confronto que terminou com pelo menos 13 feridos, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio).
Apesar da doação, o povo gamela nunca viveu em paz e continua enfrentando a expansão de fazendeiros para fincar sua posse da terra. Hoje, o grupo tem acesso a apenas cerca de 500 hectares dessas terras, ou seja, menos de 5% do total original.
O primeiro levante contra as ocupações em suas terras remonta a 1810, numa disputa com fazendeiros que durou até 1822.
A partir daquela expulsão dos invasores, os povos começaram a viver um período de relativa paz, que durou um século e meio. “Em 1969, o cartório de Viana [a 220 km de São Luís] fez uma fraude na escritura dessa terra, que gerou um inventário. Depois disso a terra foi sendo grilada, cercada e, em 1971, começou um novo levante contra o cercamento que dura até agora”, conta Inaldo Gamela, um dos líderes da tribo.
Segundo ele, desde aquela época houve momentos tensos, disputas, mas esse é o pior deles. “Alguns momentos foram mais acirrados, mas nunca teve um dia sem luta”, conta.
Retomada à força e por conta própria
A ação de fazendeiros nesse domingo foi uma reação a uma nova retomada de terra, que começou ainda em 2015.
O líder indígena conta que o grupo percebeu a demora no processo de demarcação da terra e, com as perdas de mais áreas, resolveu iniciar uma retomada por conta própria. De lá para cá já foram oito fazendas reocupadas.
“O povo tomou conhecimento, foi perdendo muita terra. Havia um consórcio de policiais, juízes, advogado, dono de cartório, e a grilagem foi crescendo, invadindo”, afirma.
No domingo, após perceberem que estavam em minoria, deixaram as terras, mas dizem que foram atacados ao deixarem o local.
Terras ‘100% griladas’
Inaldo diz que as terras gamelas estão hoje “100% griladas”. “Não há nada em nosso nome. E há terras que [de tanta grilagem] têm dois, três donos [fazendeiros]”, relata.
Atualmente existem em torno de 1.500 indígenas gamelas vivendo predominantemente em margens de rodovias nas terras da etnia. A beira da pista, porém, não foi uma escolha. “Por trás das casas há cercas e são terras que foram tomadas e hoje são propriedades privadas”, conta.
Segundo o padre Clemir Batista, da CPT (Comissão Pastoral da Terra), a demora em iniciar o processo de demarcação das terras ocorreu porque os índios apenas procuraram a entidade em 2014 para dar início ao pedido.
“Quando ficaram sem espaço para plantar, correram para pedir ajuda para demarcar, aí começamos a apoiar o povo”, afirma.
Segundo Batista, todos na região sabem que os gamelas são índios e praticam rituais indígenas. “Os fazendeiros expulsaram não só índios, mas também muitas comunidades quilombolas. Eles compravam posses pequenas e iam aumentando o terreno. Os gamelas foram ficando esmagados”, afirma.
Funai sem mão de obra
Segundo o presidente da Funai, Antônio da Costa, o processo de pedido de remarcação é recente.
“É um processo novo, que entrou efetivamente no ano de 2016 e faz parte de um rol de vários processo de demarcação. Devido à quantidade de processos que a Funai tem e a mão de obra escassa, nos impossibilita de poder acompanhar todas as solicitações”, disse, em entrevista coletiva.
Segundo ele, o problema é grave e requer ações maiores. “A questão agrária requer um estudo do Estado brasileiro para que seja amenizada ao longo dos anos. Isso envolve não só o governo federal, mas Estados e prefeituras”, afirmou.
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