‘Je vous salue, Marie’, o filme de Godard, que morreu nesta terça, censurado por Sarney
Morreu nesta terça-feira, aos 91 anos, o cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard, segundo o jornal Libération. Conhecido pelo seu estilo iconoclasta de filmar, que parecia quase improvisado, Godard deixou a sua marca na história do cinema com uma série de filmes politizados ao longo da década de 1960, aclamado por obras obras como “O Acossado” e “Alphaville”.
Em 1986, um dos filmes mais marcantes da carreira de Godard, “Je vous salue, Marie”, teve sua exibição proibida no Brasil pelo então presidente José Sarney. A censura foi feita a pedido da igreja, “para assegurar o direito de respeito à fé da maioria da população brasileira”.
No filme, Godard reconta a história de Maria, mãe de Jesus, transpondo a trama para o século XX. Maria vira uma estudante que trabalha num posto de gasolina e namora um taxista, chamado José. Um estranho chamado Tio Gabriel revela que ela ficará grávida, mesmo sendo virgem. Além da trama, as cenas de sexo também revoltaram católicos na época.
Lançado em 1985 na França, o filme chegou ao Brasil no ano seguinte. Sarney na época disse que vetaria o filme no país com “base na Constituição”. O presidente afirmou ainda que levou em consideração as orientações do Papa João Paulo II e da CNBB, que condenaram o filme por afrontar “temas fundamentais da fé cristã, deturpando e vilipendiando a figura sagrada da Virgem Maria”.
A decisão foi elogiada pelo presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Ivo Lorscheiter, e pelo cardeal arcebispo do Rio, dom Eugênio Salles. Mas contrariou artistas, intelectuais e juristas, como o próprio ministro da Justiça, Fernando Lyra, e o diretor da Censura, Coriolano de Loiola de Cabral Fagundes.
Na ocasião, O GLOBO noticiou que a cineasta Tizuka Yamazaki disse achar “um absurdo que a Censura, declarada extinta pelo ministro da Justiça, tenha se manifestado mais uma vez contra uma obra que não tem apelo popular” e seria, segundo ela, “assistida por meia dúzia de intelectuais”.
A previsão de Yamazaki se confirmou. No fim, o filme estrearia no Rio de Janeiro no dia 17 de novembro de 1988, sem causar a mesma badalação que antecipou a sua chegada ao Brasil. A estreia no Rio reuniu menos de cem pessoas em quatro cinemas sem registros de incidentes.
Godard tem uma carreira premiada, que vai desde o prêmio de melhor direção, no Festvial de Berlim, por “O Acossado”, até um Óscar honorário, entregue em 2010 em uma cerimônia à qual não compareceu.
Ele também foi autor de obras influentes para várias gerações diretores, como “O Desprezo” (1963), com Brigitte Bardot, “Bando à Parte” (1964), “Pedro, o Louco” (1965) ou os mais recentes “Filme Socialismo” (2010) e “Adeus à Linguagem” (2014).
Em 1987, ele recebeu um César d’honneur por sua carreira como um todo, e a Academia do Oscar fez o mesmo em 2010. O Festival de Cinema de Cannes também lhe concedeu uma Palma de Ouro especial em 2018. (O Globo)
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