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Governo tenta barrar compensação de R$ 72 bi a usinas por perdas no governo Sarney

Em um momento de desequilíbrio nas contas públicas, o governo tenta barrar um impacto de mais de R$ 72,4 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional com um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute se a atuação protecionista do extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) provocou danos ao setor sucroalcooleiro.

O entendimento da Corte deve afetar os pedidos de indenização de mais de 290 usinas sucroalcooleiras, que alegam que os preços fixados pelo governo federal para o setor, entre as décadas de 1980 e 1990, seriam inferiores aos custos médios de produção levantados pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

Se a União for obrigada a compensar as perdas do setor, o valor será superior aos R$ 58 bilhões que a equipe econômica prevê gastar para recompor parte dos salários nos casos de redução da jornada ou suspensão do contrato motivados pela crise da pandemia da covid-19. O pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 a 54 milhões de informais, autônomos e desempregados terá impacto de R$ 98 bilhões.

Criado em 1933, o Instituto do Açúcar e do Álcool tinha entre suas funções regular a produção das safras anuais de cana, determinar a proporção de álcool a ser desnaturado e fixar os preços de venda do álcool anidro destinados às misturas carburantes.

O caso começou a ser julgado nesta sexta-feira, 10, no plenário virtual do Supremo e deve ser concluído às 23h59 do dia 17 – as sessões na plataforma online duram uma semana e ocorrem longe dos holofotes da TV Justiça e dos olhos da opinião pública. O relator, ministro Edson Fachin, já votou e ficou do lado dos interesses da União. Para Fachin, é imprescindível uma perícia técnica para comprovar prejuízo em cada caso concreto.

No ambiente digital não há espaço para as discussões acaloradas que muitas vezes tomam conta do plenário físico. Os ministros apenas “clicam” para informar se acompanham ou não o relator do processo. Alguns gabinetes divulgam em outro momento a íntegra dos votos dos magistrados.

Cálculo
Em memorial obtido pelo Estado e distribuído aos ministros do STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumenta que a narrativa construída pelas empresas do setor “não guarda qualquer conexão com a realidade”. O órgão sustenta que eventuais prejuízos sofridos pelas usinas sucroalcooleiras não possuem “relação de causa e efeito direta e imediata com a intervenção protecionista realizada governo” naquela época. “A forma de cálculo abstrata e genérica defendida pelas usinas não passa de uma simulação de danos hipotéticos, amparada em uma expectativa irreal de lucros bilionários”, afirma a AGU.

O processo examinado pelo Supremo foi movido pela Usina Matary, produtora de açúcar e álcool no Estado de Pernambuco, que recorreu à Corte depois de um revés no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A empresa alega que, de abril de 1986 a janeiro de 1997, sofreu danos patrimoniais provocados pela política de fixação de preços do governo, que não teria considerado fatores de custo de produção levantados pela FGV. Como o caso ganhou repercussão geral, o entendimento firmado pela Corte deverá ser aplicado em processos similares que tramitam em todo o País.

O impacto de R$ 72,4 bilhões calculado pela equipe jurídica do governo considera somente as ações judiciais em curso no TRF-1. Para a AGU, os valores exigidos pelas empresas “beiram o absurdo, não guardando proporcionalidade/razoabilidade com a realidade financeira do Estado brasileiro”. “Além disso, no julgamento desta ação, não se pode perder de vista que as indenizações são cobradas por empresas que historicamente foram beneficiadas pelas políticas econômicas protecionistas dispensadas ao setor sucroalcooleiro”, sustenta o órgão.

Contratado pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega fez um parecer sobre o caso favorável às empresas. No documento, ele afirma que, em 1989, as usinas obtiveram liminar obrigando o governo a fixar preços conforme as recomendações da FGV. Essa decisão judicial levou à assinatura de um acordo com o setor, em que o governo se comprometeu, a partir de 1º de fevereiro de 1990, a voltar a aplicar critérios técnicos para definir o preço do açúcar e do álcool. Já no primeiro mês, no entanto, o compromisso teria sido descumprido.

O relato de Maílson é fiel ao que ocorreu na época por uma razão: ele era o ministro da Fazenda do governo Sarney e, por isso, coube a ele mesmo assinar o acordo com o setor sucroalcooleiro. “Era um momento em que o governo estava terminando, a inflação acelerando e o sistema de preços não estava funcionando como deveria”, relembra.

O ex-ministro diz que não sabia que o acordo havia sido descumprido pelo governo. “Eu só soube agora. Era fim de governo, já se sabia quem era o presidente. Tudo ocorreu menos de 40 dias antes da posse”, afirma. Em 15 de março, o então presidente eleito Fernando Collor de Mello assumiu o cargo.

Em seu parecer, Maílson destaca que a posição da AGU não tem racionalidade. Para o ex-ministro, não só cabe indenização, como ela deve ser paga a todas as prejudicadas, mesmo aquelas que não registraram prejuízo contábil à época. “O custo do governo é decorrente de uma realidade inescapável: o efeito negativo que o controle de preços produziu sobre o setor privado”, diz.

Segundo ele, adotar o critério de prejuízo contábil favoreceria as empresas ineficientes e até quem fraudou balanços para não pagar impostos. O correto, na avaliação do ex-ministro, é considerar a perda econômica de todas as empresas afetadas, por produto, comparando o preço praticado e o custo de produção, e incluir entre os que indenizados quem, a despeito da política, teve lucro no período. “O que o governo defende é um absurdo completo. Fere a lógica do sistema de controle de preços, que é por produto e serviço, e não por produtor”, afirmou.

Na época membro de um governo que defendia a política de congelamento de preços, o ex-ministro destaca que a crença era de que se estava fazendo o melhor pelo País. “É uma demonstração adicional de como o controle de preços gera distorções. Todos queriam controlar a inflação, mas aprendemos duramente que inflação nenhuma se controla com controle de preços”, afirma. Estadão

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