Flávio Dino: unidade exige ‘baixar a bola’ e ampliar o leque político, não estreitar
“Antes de falarmos em 2022, temos 2021”, disse o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), logo no início do terceiro programa do projeto República e Democracia, que foi ao ar ontem à noite. Ou seja, antes de pensar em eleição, é preciso pensar em caminho para atravessar o que ele chamou de “via-crúcis” procurando saídas para três desafios urgentes: democracia, fome e pandemia. “Não haverá unidade se não soubermos hierarquizar as questões”, afirmou o governador Flávio Dino.
O projeto, que já trouxe Ciro Gomes e José Dirceu, terá no total 12 convidados, representando diversos campos do pensamento político. O programa de ontem foi mediado pelo ex-ministro e ex-governador gaúcho Tarso Genro, presidente do Instituto Novos Paradigmas (INP), e pelo secretário maranhense de Comunicação, Ricardo Cappelli. A apresentação coube à jornalista Sandra Bitencourt, diretora de Comunicação do INP, entidade organizadora, ao lado do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra). A TVT e a Rádio Brasil Atual transmitiram.
Nova direção
A conversa se deu sob o impacto da eleição no Congresso. Tarso quis saber de Dino como preparar uma unidade formal que dê “nova direção política ao Brasil, tenhamos ou não um só candidato, dois candidatos, três candidatos à Presidência da República”. Esta é uma questão posterior, observou.
Antes de chegar a 2022, é preciso atravessar a “via-crúcis”, que para Dino se origina do “inconstitucional” impeachment de Dilma Rousseff. Até para dar sentido a uma agenda política para o ano que vem. Sem unidade, não teria havido vacina, exemplificou. E a eleição no parlamento, que mostra o Centrão em direção ao bolsonarismo, não pode ser motivo para estreitar o espectro político e optar pelo sectarismo.
Bandeiras certas
“É justamente o contrário”, ressalta o governador. “Temos de perseverar nesse caminho. (A eleição no Congresso) não significa que a tática está errada. Devemos perseguir essa amplitude, e para isso precisamos encontrar as bandeiras corretas”, acrescenta. Respondendo a questões de Cappelli e Tarso, ele observou que essa unidade, em certa medida, já existiu até 2012/13, pelo menos.
A partir daí, e por motivos diversos, houve afastamentos, aprofundamento de divergências e “quebra de laços interpessoais”, como Dino define. “Isso resultou em derrotas estratégicas.” Assim, o governador e líder do PCdoB prega atitudes mais compreensivas e menos beligerantes.
“Como se diz na linguagem corrente, é preciso baixar a bola, calçar as sandálias da humildade”, afirma. “O segundo aspecto é termos um olhar mais prospectivo e menos retrospectivo.” Em outras palavras, olhar mais para frente e menos para trás, em busca de um programa mínimo, dentro do que ele apresentou como “metodologia da unidade”.
Democracia, desigualdade, Estado
Assim, é preciso buscar pontos programáticos capazes de unir em vez de “colocarmos 50 temas sobre a mesa”, o que travaria qualquer entendimento. Ele fala em três pontos que considera básicos: instituições/democracia; desigualdade, questão social, políticas públicas; economia, papel do Estado, serviços públicos, economia verde, política industrial. “De um modo geral, creio que o cardápio é esse, o cardápio da união”, diz o governador.
Ele refuta o repetido argumento de que o auxílio emergencial, por exemplo, “quebraria” o Brasil. Com ironia, disse nunca ter visto na história mundial uma guerra ser precedida por um encontro de economistas para discutir como financiá-la. “Tempos excepcionais exigem soluções excepcionais, porque senão vira uma falácia e uma perversidade à milésima potência, que é o que estamos vivendo”, reage.
Ele admite que é preciso pensar em meios de sustentação da economia. E diz que há formas de financiamento que podem ser pensadas. Cita algumas: empréstimo compulsório sobre os bancos, sobre as grandes fortunas (artigo 148 da Constituição), mudanças tributária (artigo 145). “Isso está na Constituição, não é nenhuma tese revolucionária”, diz Dino, referindo-se à necessidade de um “fundo de salvação da vida, de pessoas que estão sem comer”.
Teto de gastos
O governador maranhense chamou de “hipocrisia” o chamado teto de gastos (Emenda Constitucional 95, de 2016). “Não é à toa que nós estamos em fevereiro e não temos sequer orçamento em 2021. Não temos Orçamento Geral da União. É impossível cumprir o teto de gastos e cumprir o orçamento sem cortes gigantescos nas políticas públicas”, afirma.
Tarso sugere uma “campanha cívica” de combate à fome, em contraponto a Bolsonaro. Cappelli lembra que o presidente sempre insistiu, no discurso, em suposta contradição entre saúde e economia. Para Dino, dificilmente haverá retomada da confiança enquanto a pandemia não for superada. Lembra de ações solidárias como o movimento contra a carestia, ainda na ditadura, até a campanha de combate à fome liderada nos anos 1990 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e pelo bispo Mauro Morelli.
Esperança mobiliza
“Isso fala para além do nosso campo”, observa Dino, “e é algo que não é despolitizador”. Ele acredita, inclusive, que o próprio dom Mauro “poderia ser convidado para liderar essa campanha cívico-patriótica”. Ao final, citando o exemplo da Frente Ampla do Uruguai e a clássica imagem comunista da foice e do martelo, o governador argumenta que “é preciso atualizar o programa e a simbologia para dialogar com outros segmentos da classe trabalhadora”, como os precarizados.
A esperança mobiliza, o medo e o desespero paralisam ou levam a falsas saídas. “O nazismo, o fascismo se nutrem do pânico. Tem sido assim desde sempre”, conclui Dino, propondo uma “nova autenticidade da esquerda”, sem negar identidades. “O desafio histórico transcende ao Bolsonaro.” (RBA)
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