Flávio Dino defende que governo Temer vá até o fim
El País – Enquanto Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul enfrentam problemas para pagar seus funcionários públicos, o Governo do Maranhão segue rigorosamente seu cronograma de pagamentos, entregando a segunda parcela do décimo terceiro nesta sexta-feira. Do alto de uma gestão que conseguiu nas municipais de 2016 eleger 150 das 217 prefeituras do Estado, o governador Flávio Dino (PCdoB) desponta como liderança nacional em um momento de crise para a esquerda, mas descarta uma candidatura presidencial. Na entrevista abaixo, o comunista, que está entre os políticos que passam ilesos pela Operação Lava Jato, defende um pacto nacional para que o Governo Temer chegue até 2018, mas alerta que iniciativas como a reforma da Previdência podem desestabilizar ainda mais um país já conflagrado.
Pergunta. No final do ano passado, você dizia que o dinheiro do Estado só seria suficiente para honrar os compromissos até o fim de 2016. Como será 2017?
Resposta. A situação se deteriorou muito do ano passado para cá. Eu prognosticava que haveria queda de receita dos repasses constitucionais federais. O dado positivo é que recuperamos parcialmente isso com medidas estaduais. A arrecadação própria compensou mais ou menos 50% da perda das transferências federais. Isso nos permitiu sobreviver, associado a receitas extras, marcadamente a repatriação. Por isso, vamos fechar as contas básicas, como servidores — incluindo o décimo terceiro —, saúde, que é manter as unidades funcionando, pagamento das dívidas interna a externa e o repasse dos poderes. Essa cesta de obrigações fundamentais vai ser mantida até o final do ano.
P. Que medidas estaduais são essas? Aumento de impostos?
R. Foi a soma de duas coisas. Modernizamos os procedimentos de fiscalização. Por exemplo: passamos a fazer cruzamento das guias de trânsito animal com as guias de pagamento do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. No setor da pecuária, havia infelizmente uma inadimplência grande. Na hora em que se cruza duas informações do Governo, é possível identificar que muita gente comercializava animais e não pagava. Somando a isso, tivemos um reajuste de alíquotas de ICMS no ano passado. Um terceiro elemento foi a revisão de benefícios fiscais de empresas em setores que a gente considerava que não se justificavam, como aqueles onde há monopólio.
P. E 2017?
R. Para 2017, infelizmente o prognóstico em relação às receitas federais não é diferente. A gente não está com expectativa de recuperação da arrecadação e das transferências federais. A recessão é muita aguda e profunda, e não há sinal de retomada. Por isso mesmo, continuamos no mesmo caminho: enviando projetos para a Assembleia e reajustando alguns aspectos legais do ICMS para poder atravessar o ano que vem. Se a gente conseguir aprovar tudo, vamos conseguir atravessar o ano. Vamos repetir a receita, e só vamos conseguir porque tínhamos feito apenas metade daquilo que todos os Estados já fizeram. Ainda não fizemos reajuste de alíquota de ICMS de comunicação e de energia elétrica, porque tínhamos expectativa de retomada da economia. Agora, vamos fazer como medida preventiva.
P. São medidas feitas no contexto da PEC do Teto de Gastos, como solicitado pelo Governo federal?
R. Tem muito pouco a ver. A gente já fez teto de gasto no ano passado. Já fiz corte de 300 milhões de reais. A gente já vinha fazendo controle de custeio, por conta da realidade econômica. Isso que está sendo debatido nacionalmente, os Estados do Nordeste, sobretudo, já demonstraram [na prática]: se pegarmos o crescimento das despesas dos nove Estados neste ano, já foi embaixo da inflação. A despesa cresceu 3% para uma inflação de 7%. É apenas a continuidade de uma visão de equilíbrio fiscal que é essencial e vai nos permitir pagar o décimo terceiro nesta semana. Não concordo é com o exagero.
P. Qual é o exagero?
R. Sobre a PEC, tenho muita restrição ao prazo e ao fato de estar na Constituição. No caso do prazo, é uma restrição política. O Brasil, pelas suas características, de uma sociedade de formação relativamente recente e muito dinâmica, é difícil prognosticar cenários por 20 anos. Não consigo imaginar a viabilidade prática disso. Minha segunda restrição é de índole jurídica. Não conheço outro país que coloque limite de gasto na Constituição.
P. E quais seriam as alternativas?
R. Já há instrumentos, como a LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal], desde que bem fiscalizada, que cria uma série de restrições, inclusive com sanções graves. E o Programa de Ajuste Fiscal [PAF]. O Maranhão tem um PAF e é avaliado por um rating da Secretaria do Tesouro Nacional anualmente. Equilíbrio fiscal é um conceito importante, mas há um excesso. Sou amante das inovações, mas quando se faz algo que ninguém pensou, nenhuma nação em nenhum momento, pode ser que a nossa inovação esteja errada.
P. A PEC não pode ter um efeito positivo?
R. É uma tentativa de moldar o futuro, de transformar a conjuntura em algo estrutural. Isso é inócuo. Uma dada correlação de forças políticas na sociedade é dinâmica. Ter a ilusão de que se vai congelar o futuro por 20 anos a partir de uma correlação de forças instável, precaríssima, dada a conjuntura brasileira, além de ser errado conceitualmente… Em 2019, com outra correlação de forças políticas, isso vai ser revisto. Limite de dois ou três anos, tudo bem. Mas por 20? Achar que você vai controlar a visão de macroeconomia por duas décadas? Só ditaduras conseguem fazer isso.
P. Você foi uma das vozes mais fortes contra o impeachment de Dilma Rousseff. Agora que já foi consumado, quais são os caminhos possíveis para a política nacional?
R. Não consigo ver outra saída prática que não seja esse Governo chegar até o fim. Agora, pra ele chegar até o fim, tem de ser em outros termos. Dada a precariedade da situação política e econômica do país, o nível de deslegitimação institucional… Acho que nem no fim da ditadura. Porque no fim da ditadura não havia um Judiciário tão questionado e exposto, e havia um Congresso e a política muito respeitados pela sociedade. Contraditoriamente, ninguém sabe onde está a trave, quais são as regras, quem é o juiz do jogo. E está todo mundo chutando a bola pra cima. Acho que o papel de quem exerce uma função pública de relevância nos três Poderes tem de ser mais ou menos o de tentar acalmar o jogo e estabelecer as regras. E não causar mais beligerância. E é o que ao meu ver equivocadamente o Governo esta fazendo. E até me surpreende, porque, como eu conheço muito o presidente Michel Temer, eu achava que ele ia buscar um dialogo mais amplo para formatar propostas de modo mais pactuado. Ao contrário, ele está tentando imprimir um ritmo incompatível com a crise institucional que o Brasil vive. Mandar, neste momento, uma proposta de reforma da Previdência que desperta conflitos gigantescos, pra mim não tem lógica, porque vai aprofundar a ilegitimidade do sistema institucional e político aos olhos do povo. Acho que o melhor é tentar uma espécie de transição mais pactuada na política que leve o país até 2018.
P. Como se faz pactuação em meio a delações de executivos da Odebrecht que alcançam quase todo o meio político?
R. É preciso isolar um pouco os fatos policiais e judiciais da política. Criar uma relativa autonomia. Houve uma contaminação generalizada, e com um problema de tempo. O tempo da Justiça é muito lento. Ainda é preciso homologar, comprovar se a delação é verdadeira, fazer inquérito, a ação, colher as provas, julgamento, recursos. Estamos falando de cinco, seis, sete anos. O país vai ficar nessa guerra durante esse período todo? É impossível e insustentável aos olhos da sociedade. Na Itália, deu no [ex-primeiro-ministro Silvio] Berlusconi. Quando se esgarça muito, a sociedade acha um caminho para estabilizar o jogo político. Na Itália, optaram por um magnata da comunicação. O debate político não pode ser pautado ao longo de cinco ou sete anos por uma operação policial. A operação policial deve continuar, porque é impossível que ela pare. A Lava Jatotem muito mais méritos que problemas, mas como fato jurídico e processual que vai se desenvolver no ritmo próprio da Justiça.
P. Apesar da polêmica, a lei de abuso de autoridade poderia normalizar de alguma forma essa relações?
R. Talvez. Mas o melhor caminho seria uma espécie de autocontenção, de autocontrole. O Supremo teria um papel muito forte nisso. E a própria Procuradoria Geral da República. Não no sentido do conteúdo, de quem vai ser julgado ou de que modo, mas dos procedimentos. Se os Poderes embaralham suas funções, que é o que está acontecendo em larga medida, os conflitos vão se perenizar. E isso é um desserviço à nação, leva à paralisia completa do país. E há elementos de calamidade, Estados em situação gravíssima. O Governo federal está lá em cima, mas na hora que o lixo não é coletado, que o hospital fecha e que a viatura não circula, você está gerando um caos na vida das pessoas, e é o que pode acontecer em 2017 se não houver uma compreensão o melhor do lugar próprio da política independentemente da Operação Lava Jato.
P. A classe política está acuada. Há alguém com condições de liderar esse processo?
R. O [ex-presidente] Lula continua sendo a principal liderança do país, com imenso desgaste, óbvio, mas é a principal liderança popular da história do país. Então não é possível achar qualquer tipo de saída prescindindo dele. Como também acho que não se pode prescindir do Michel Temer, que, por vias com as quais eu não concordo, se tornou o presidente da República. Também não se pode prescindir do PSDB, de [ex-presidente] Fernando Henrique e Aécio [Neves, senador]. Com algum tipo de interlocução com Supremo e PGR, não no sentido de parar a Lava Jato, que deve seguir, mas para a política se organizar. O Judiciário e o Ministério Publico ajudam não atrapalhando, respeitando o desenho da tripartição funcional do Estado e não intervindo tão agudamente na política. Antes, quem teria de tomar a iniciativa era a Dilma. Hoje, é o Michel Temer, porque é o presidente da República, com 10% [de popularidade], mas é. Ele tem uma função formal que o legitima, autoriza e impõe esse dever de tentar arrumar o jogo institucional do país, senão vamos de guerra de todos contra todos em 2017. Acho que Michel Temer tinha o dever de não acirrar. Se eu estivesse no jogo nacional, no qual não estou, é o que faria.
P. Seu nome tem sido colocado por analistas entre os presidenciáveis.
R. Sou candidato à reeleição se Deus me der vida e saúde. Porque nós temos uma tarefa inconclusa no Estado. Seria muito frustrante até [não seguir no Governo], porque a gente tem um monte de programas iniciados, programas que me motivam e que exigem um tempo de maturação. Não será em três anos que vamos fazer. Venho intervindo muito pouco no debate nacional desde o impeachment, até para não ficar na posição do chato do “eu avisei”. Prefiro cuidar dos meus problemas, que já são gigantescos.
P. Quem está no páreo presidencial para 2018?
R. Hoje há um único candidato bem posicionado para a disputa presidencial, que é o Lula. O resto vai buscar se posicionar. E há um outro candidato sem rosto, que é a antipolítica. Ela vai procurar alguém. Quem vai ser esse rosto?
P. O ex-presidente já responde a três processos como réu. O Supremo tirou um presidente da Câmara e um do Senado da linha sucessória presidencial por ambos serem réus. Lula pode se candidatar?
R. É uma pergunta para o Supremo. Esse é o problema de judicializar muito os temas políticos, porque acaba levando a incongruências. Há uma diferença de essência. A interferência do Judiciário é ad hoc, casuística. Porque se está julgando um caso. A política exige regras gerais. Na hora em que se faz intervenções ad hoc no terreno da política, você acaba levando a contradições, como essa que você identifica com precisão. É uma bela pergunta. Outro exemplo é o da infidelidade partidária, que o Supremo criou. O subproduto foi a multiplicação de partidos, porque o cidadão não podia deixar o partido e decidia criar outro. Aí veio a janela partidária para tentar resolver o problema. Agora, nos termos da legislação, o Lula só pode ser impedido de ser candidato se tiver condenação em segunda instância. Creio que não terá, pelo ritmo das coisas, até 2018.
P. As delações da Odebrecht servirão como nota de corte para 2018?
R. Não vou alterar minha conduta a partir desse fato. A gente tem de depurar isso, separar o joio do trigo. Porque houve casos de delações que resultaram em arquivamento. Houve retificação, contradição entre delações. Não vou pautar minha relação e visão política com base nisso. Tanto que sustento que Michel Temer, Lula e Aécio, todos citados em delações, não devem ser tratados como cartas fora do baralho. Como a sociedade vai reagir a isso é realmente mais um ponto de interrogação. O histórico do Brasil e do mundo permite que a gente diga que isso tem uma importância, mas não é determinante. Lula é multiplamente denunciado e delatado, e continua liderando a pesquisa presidencial. [O senador e ex-presidente Fernando] Collor viveu o impeachment e foi eleito várias vezes. Não será propriamente um ponto de corte. Não será o fim do mundo. É uma tempestade, um terremoto. Mas é preciso tentar reconstruir a política com o que nos temos, porque se não for assim, você acaba entrando em aventuras.
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