Flávio Dino defende a formação de federações de partidos de esquerda
Modelo foi bem-sucedido em países como Portugal, Uruguai e Chile, segundo o governador, e pode ser uma saída para enfrentar o fim das coligações proporcionais
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), afirmou, em entrevista a Inácio Carvalho, editor do Vermelho, que defende o modelo de federações partidárias para responder tanto à “alta fragmentação” quanto às restrições “do campo político e jurídico”. Esse modelo, segundo ele, já se revelou bem-sucedido em países como Portugal, Uruguai e Chile.
“Com o fim das coligações proporcionais, as eleições deste ano serão um teste prático. Em São Luís (MA), por exemplo, haverá mais de dez candidatos”, diz. “O bolsonarismo chegará muito fragilizado à disputa, mas isso não quer dizer que a esquerda chegará forte e conseguirá traduzir o desencanto na criação de alternativas progressistas.”
Dino vislumbra que, passado o “teste”, emergirá uma “nova configuração partidária” a partir de 2021. É nesse cenário que ele projeta a formação de federações partidárias. Em sua opinião, caso as coligações proporcionais sigam proibidas, é inevitável uma reorganização dos partidos brasileiros. “É uma questão prática. A esquerda terá de adequar sua atuação à realidade, dentro das múltiplas determinações do campo político e jurídico.”
Embora preveja fusões e incorporações entre partidos no Brasil, o governador afirma que defende outro modelo. Nas federações partidárias, as legendas se unem em um “agrupamento eleitoral”, preservando suas identidades. “Em Portugal, a CDU (Coligação Democrática Unitária) reúne o Partido Comunista (PCP) e os Verdes (Partido Ecologista)”, afirma Dino. Outro exemplo nesse sentido é o da Concertación de Partidos por la Democracia, que, após o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), chegou a se manter na presidência do Chile por 20 anos (1990-2010).
O governador também garantiu, na entrevista, que seu estado começa a vencer a pandemia do novo coronavírus. “O quadro ainda é desafiador. Mas, no caso do Maranhão, temos uma tendência clara de estabilidade, com viés de declínio”, declarou. Os hospitais estaduais tinham 1.700 leitos ocupados no auge da crise da Covid-19, em maio. “Ontem (20), tínhamos 500. Há mais indicadores de sucesso do que de problemas”, comemorou Dino. “Pudemos retomar procedimentos e cirurgias eletivas que haviam sido adiadas.”
Ainda assim, ele ponderou que o enfrentamento à pandemia foi dificultado por dois fatores. Um deles, “de natureza estrutural”, remete ao histórico de desigualdades do Maranhão. “É um empecilho concreto.” O outro, mais geral, é a postura errática e criminosa do próprio presidente Jair Bolsonaro. “É cedo para prognosticar o fim da pandemia. A crise vai se alongar por falta de uma ação uniforme, convergente, em face do negacionismo irresponsável do governo federal.”
Dino afirmou que, além da omissão bolsonarista em questões sanitárias, o governo erra na economia. “O discurso ultraliberal se choca com as exigências do tempo presente. Em todos os sistemas econômicos, vimos a proeminência do papel do Estado (no combate aos impactos do novo coronavírus).”
Para o governador, a ineficiência do governo Bolsonaro é traduzida, entre outros exemplos, na falta de apoio mais concreto às micro e pequenas empresas. Ele defendeu o empréstimo compulsório sobre os bancos e a aquisição de títulos do Tesouro Nacional pelo Banco Central – duas medidas previstas, segundo ele, na Constituição.
Em sua opinião, a crise econômica e social – que foi agravada pela crise sanitária – emparedou a “agenda de Bolsonaro”. Além de negar o protagonismo estatal, o presidente aposta em mais precarização do trabalho, sem proteger “os mais vulneráveis socialmente”. A resposta a tantos descalabros foi a afirmação da frente ampla, manifestada, conforme o governador, em diversos momentos nos últimos meses, como a aprovação do auxílio emergencial.
Numa evidência de que, para derrotar Bolsonaro, não pode haver protagonismo a priori de tal ou qual partido, Dino lembrou que legendas de todos os espectros se uniram na aprovação da Lei Aldir Blanc, relatada pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Mas também se unem agora para viabilizar o novo Fundeb (Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais da Educação), cuja relatora é uma deputada do DEM, Professora Dorinha Seabra Rezende (TO).
Para Dino, esse espírito unitário foi o que levou 20 governadores a assinarem uma carta conjunta ao Congresso, manifestando apoio ao projeto da parlamentar, que prevê uma participação maior da União no financiamento da área. “Hoje, 90% da educação básica é financiada por estados e municípios”, lembrou o governador. A proposta em debate amplia gradualmente o percentual do governo federal de 10% para 20%, até 2026.
“O governo não tem políticas paras as escolas, para as universidades. Esses temas estão fora da agenda e do discurso do governo”, afirma Dino. Não à toa, segundo ele, a gestão Bolsonaro “entrou tardiamente no debate” sobre o Fundeb – e ainda tentou uma “artimanha” para desviar recursos da Educação.
Na visão do governador, a frente ampla teve outra vitória contundente: conter a escalada autoritária de Bolsonaro, que vinha promovendo uma espécie de “golpe permanente contra as instituições democráticas”. Sobravam provocações. “Estavam ensaiando (um golpe de Estado) com marchas dominicais cada vez mais agressivas, deslegitimação das lideranças e das instituições da democracia, chamamento obscenamente explícito à intervenção militar. A frente ampla impediu o golpe”, analisa Dino.
A frente, explica, “não é um cartório, um momento solene em que se lavra uma ata. É um movimento em que você leva suas teses para além da esquerda”. O desafio para partidos como o PCdoB é “produzir a frente ampla também na economia”, ganhando adeptos para o “papel mais destacado do Estado na solução da crise” brasileira. “Os desdobramentos eleitorais pertencem ao futuro – e, se forem improváveis, não diminuem as virtudes” da frente, conclui Dino.
Veja a entrevista completa:
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