Ex-médicos da Prevent Senior dizem ter sido obrigados a prescrever “kit covid” sem avisar pacientes
Médicos que trabalharam na Prevent Senior, uma das maiores operadoras de saúde do Brasil, relatam que sofriam pressão e assédio para prescrever medicações do chamado “kit covid”, como cloroquina, azitromicina, ivermectina e a flutamida. Os medicamentos não tem eficácia comprovada no tratamento da covid-19. A empresa negou qualquer irregularidade.
As informações são da GloboNews.
A reportagem da emissora conversou com 5 médicos que trabalhavam na linha de frente do combate à covid-19 em hospitais da operadora. Dois declararam que fizeram plantão quando estavam infectados com coronavírus.
“Aconteceu algumas vezes, inclusive comigo. Eu estava com covid, tive o diagnóstico, enviei a mensagem para o meu coordenador, avisando que estava com covid, mandei o exame pra ele, ele pediu que eu fosse para o plantão mesmo assim para repetir esse exame lá [na Prevent Senior]”, contou um dos profissionais ouvidos.
“O exame foi feito lá também, confirmou novamente que estava com covid, mas ele pediu para eu continuar trabalhando mesmo assim. Não tinha escolha de poder ir para casa e continuei realmente trabalhando com covid”.
Por meio de conversas em aplicativos de mensagens, obtidas pela GloboNews, um diretor escreveu que os subordinados deveriam receitar hidroxicloroquina e azitromicina a todos os pacientes com problemas respiratórios.
Em uma conversa de março de 2020, um membro da administração da empresa comunicou o início do protocolo com hidroxicloroquina e azitromicina. Ele orientou os profissionais a “não informar o paciente ou familiar sobre a medicação e nem sobre o programa”.
A Prevent Senior disse à GloboNews que nunca coagiu funcionários nem os obrigou a trabalhar doentes (leia íntegra abaixo).
Não é o que mostram os relatos ouvidos pela reportagem.
“Eu deixei de prescrever por um único dia acreditando nisso e acabei sendo chamado à diretoria com orientações bem claras de que eu deveria prescrever a medicação e o que ficava implícito era que se não prescrevesse a medicação você estaria fora do hospital. Voltei a prescrever a medicação por ter sido obrigado a prescrever. A autonomia, na verdade, é zero, você não tem escolha de deixar de prescrever. Se você não prescreve, você vai ser demitido”, afirmou um dos médicos.
Outra médica relatou que a prescrição do “kit covid” é orientação padrão.
“Ao menor sinal de síndrome gripal, a orientação era que prescrevesse. Se o paciente teve uma coriza, você tinha que prescrever o kit. Bastava ter um único dia de evolução, algumas horas de evolução, paciente chegou, descreveu os sintomas, você tinha que entregar o kit. Eles contabilizavam o número de kits”, disse.
Uma 3ª médica ouvida pela GloboNews confirmou o relato da colega.
“Todo plantão que eu ia lá sempre tem alguém que dizia, ‘olha, eu tenho que prescrever, qualquer sintoma gripal eu tenho que passar para o paciente. Então, não tem escolha, não. É diário mesmo. Então se tinha um paciente internado, aí eu deixava uma prescrição, aí vinha alguém de cima e falava ‘não, faltou tal coisa’. Ia lá, mexia na minha prescrição e colocava outra.”
A profissional declarou que pediu demissão por não concordar com as práticas.
A emissora teve acesso a prontuários médicos e outros documentos que mostram que os profissionais da operadora praticavam procedimentos vetados pelo CFM (Conselho Federal de Medicina). Entre eles, a ozonioterapia.
Segundo resolução do órgão, a ozonioterapia só pode ser feita “de acordo com as normas do sistema CEP/Conep”, Comitês de Ética em Pesquisa que autorizam experimentações em humanos, e em instituições credenciadas, o que não é o caso da Prevent Senior.
Os relatos dos médicos confirmam o que o Poder360 havia revelado: a distribuição do chamado “kit covid” se tornou o procedimento comum de atendimento em ao menos 3 planos de saúde. Além do Prevent Senior, a prática ocorre na Unimed Rio e na Hapvida.
O Poder360 conversou com 12 médicos, pacientes ou familiares de pacientes que receberam uma receita ou o “kit covid” das operadoras de saúde. Todos relataram que os medicamentos foram oferecidos antes da realização do teste.
Leia os relatos aqui.
O chamado “tratamento precoce” contra a covid-19 é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. “Não desistam do tratamento precoce, não desistam. A vacina é para quem não pegou [covid-19] ainda”, disse o chefe do Executivo federal em 18 de janeiro. “Por que não pode ter um tratamento imediato? Olha a questão do ‘off label’, fora da bula. Isso é um direito, dever do médico. Ele tem que buscar uma alternativa”, reforçou Bolsonaro na última 4ª feira (7.abr).
Eis a íntegra da nota da Prevent Senior à GloboNews:
“A Prevent Senior jamais coagiu médicos a trabalhar doentes, o que foi atestado recentemente por vistorias de conselhos de classe. Todos os profissionais prestadores de serviço afastados, aliás, continuaram a receber salários. Sobre os tratamentos, a empresa dá aos médicos a prerrogativa de adotar os procedimentos que julgarem necessários, com toda a segurança e eficiência e sempre de acordo com os marcos legais, notadamente seguindo as diretrizes do Conselho Federal de Medicina. Entretanto, como a Prevent Senior não teve acesso aos supostos documentos obtidos pela GloboNews, não pode esclarecer detalhadamente os questionamentos“ (Do Poder 360)
O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.