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Em artigo, Flávio Dino rememora convivência com o pai, lembra dos últimos instantes e faz homenagem emocionante

Meu pai

por Flávio Dino, governador do Maranhão

Conheço o luto. Todos nós conhecemos ou somos destinados a conhecer. Eu conheci do pior modo para um pai: a perda de um filho tão amado, brutalmente arrancado de mim por graves imperícias profissionais em um hospital. Dor que rasga a alma e que não tem passado, só presente, traduzida em lágrimas diárias na face e no coração. Este último agosto me trouxe mais um motivo de luto. O coronavírus, esse causador de terrível doença, levou meu pai, aos 88 anos.

Sálvio Dino teve uma longa vida, cheia de sonhos, marcada por vitórias e frustrações, como é o destino humano. Muito jovem se fez político e escritor. E assim foi até os momentos finais. Como político, muitas passagens poderiam ser lembradas. Escolho três. A primeira, a violenta cassação do seu mandato parlamentar em abril de 1964, logo nos atos iniciais das trevas ditatoriais que caíram sobre a nossa Pátria por mais de 20 anos. Como registro da história, Sálvio Dino deixa o seu corajoso discurso no dia da sua degola política, denominado “Oração da Despedida”. Nela, confirma sua crença na reforma agrária e na justiça social. Da tribuna da Assembleia foi levado para o arbitrário cárcere, sem ter cometido qualquer crime, apenas por suas ideias.

Na minha memória, tenho também a sua preocupação em ser um eficiente legislador, empenhado em propor boas leis. Muitas se tornaram realidade, como o projeto que pioneiramente determinava a criação de uma Universidade Estadual sediada em Imperatriz, proposta que tive a alegria de concretizar com a criação da UEMASUL, já no nosso mandato governamental. Mas, sobretudo, sublinho o caráter inovador dos projetos que Sálvio Dino propôs sobre a temática ambiental ainda nos anos 80, como a lei que protege as nossas palmeiras de babaçu.

Quanto à atuação política do meu pai, há outro ensinamento que muito me marcou. Ele foi prefeito da cidade de João Lisboa, por duas vezes. Não fez fortuna, sequer deixou bens materiais em herança. Morava na mesma casa, em João Lisboa, sempre mantendo-a de portões abertos até sua derradeira saída para o hospital, de onde não voltou.

O Sálvio Dino escritor amava a literatura. Nos últimos anos, dedicou-se a semear e apoiar Academias de Letras. Lembro a sua alegria quando inauguramos uma biblioteca pública em João Lisboa e a sede da Academia Grajauense de Letras. Meu pai escreveu contos, artigos jornalísticos, poesias, estudos históricos. Escreveu muito e tinha muito orgulho de pertencer à Academia Maranhense de Letras, guardiã maior da cultura do nosso Estado. Mas, acima de tudo, Sálvio Dino amava a oratória. Foi um dos maiores oradores que conheci. Voz firme, belas imagens, variedade de técnicas, largueza de gestos. Quando eu discursava na sua presença, ao finalizar sempre buscava seu olhar para ler a sua avaliação silenciosa, fruto de uma intimidade que não pode ser traduzida em palavras, só alcançável pelo amor que une pais e filhos. E como eu me empenhava para impressioná-lo e para ele ter a certeza de que eu tinha sido um atento e dedicado aluno.

Meu pai me apresentou o mar. O mar que tanto amo e onde nada eternamente o meu Marcelo, chamado carinhosamente pelos seus amigos de “peixinho”. Naquele recinto onde guardamos as recordações mais longínquas, está um passeio dominical com meu pai e meu avô Nicolau para ver o mar. E foram muitas idas à praia, quando meu pai fazia longas caminhadas. Mas Sálvio Dino me apresentou um oceano maior do que o Atlântico: os livros. “Leia os clássicos” – certamente foi o que mais ouvi dele quando criança e adolescente. Ele aconselhava e dava o exemplo, pois não me lembro de um único dia em que ele não tivesse um livro nas mãos. Foi assim até no hospital, já doente.

A doença que o levou permitiu que ele me desse a sua derradeira lição neste plano existencial: o profundo amor pela vida. Dela não desistiu em nenhum momento e lutou contra o coronavírus, com coragem e humildade. Na nossa última conversa, ele já no leito hospitalar, falamos sobre literatura, política e futebol. E ele me disse que tinha um livro para terminar de escrever. Pode haver melhor síntese e maior lição?

Deus sabe o quanto tem sido difícil esse período em que me cabe liderar a prevenção e o combate ao coronavírus no Maranhão. O que já era difícil ficou ainda pior, com tantas lembranças. A aliviar este peso, de quando em quando ouço a voz do meu pai declamando Gonçalves Dias para mim, horas antes de morrer: “Não chores, meu filho; Não chores, que a vida
É luta renhida: Viver é lutar.”

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