Dona Graça, presente!
Por Flávio Dino
“Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida….”
Os versos e acordes de Fernando Brant e Milton Nascimento retratam o exemplo de milhões de mulheres neste nosso Brasil que, com sua vida, mostram que é possível e preciso “ter gana sempre” para construirmos uma sociedade melhor. No município de Passagem Franca, nasceu um dos exemplos mais luminosos dessas brasileiras retratadas na canção dos músicos mineiros.
É Dona Graça Saraiva Barroso, professora, mulher, militante, mãe e lutadora incansável por um Maranhão melhor. Hoje completam-se sete dias que ela deixou nosso convívio para permanecer na memória de todos como exemplo de vida e como amostra singular do que é a garra e a vontade de mudança do povo maranhense.
Formada em magistério pela Escola Normal de Colinas, com graduação e pós-graduação em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Dona Graça sempre foi atacada por um desassossego que atinge os que se indignam com a situação de desigualdade em nosso país e em nosso estado. Foi essa inquietação que fez com que ela colaborasse com uma das experiências educacionais mais interessantes do Maranhão, o Centro Integrado de Educação de Colinas (Cinec), fundado pelo professor José Manuel de Macedo Costa. Também atuou como professora nas escolas João Pessoa e Maria José Macedo.
Além da licenciatura, Dona Graça seguiu vida acadêmica, com suas monografias apresentadas à UEMA. A primeira foi “A passagem da Coluna Prestes pelo Alto Itapecuru”, que narra trecho da saga da grande liderança de nosso partido Luís Carlos Prestes quando, em seus 25 mil quilômetros percorridos, passou pelo nosso estado.
Sua dissertação mais recente, de 2006 – “A Escravidão e a Crise do Escravismo no Antigo Município de Picos (MA)” –, mostra o movimento que Dona Graça seguia, nos últimos anos, de buscar identidade negra de nosso povo. Seu foco principal na pesquisa sobre a história do nosso estado e da sua região em particular passa a ser a origem da população negra maranhense, que chegou a representar mais da metade dos moradores da então província do Maranhão (50,9%), na época vivendo sob regime da escravidão.
Dona Graça estudou a migração forçada dos negros escravizados para a região da antiga Picos, hoje Colinas, contando a saga de formação da cidade desde a resistência dos índios Timbiras à colonização portuguesa, no início do século XIX; passando pela Balaiada em Caxias, em 1838; até o declínio da escravidão no Maranhão.
Mas para Dona Graça não bastavam a licenciatura e a vida acadêmica e suas descobertas. Quis buscar também na militância política a forma de mudar a sociedade em que vivia. Por isso, foi uma das fundadoras do núcleo do Sindicato dos Educadores do Maranhão (Sinproessema) em Colinas e presidente por três mandatos do diretório municipal do PT, além de candidata a vice-prefeita nas eleições de 1996 e secretária de Cultura da cidade.
A luta pela melhoria de vida de quem estava a seu redor não tolheu de Dona Graça Saraiva o tempo para que fosse uma mãe dedicada de nove filhos e avó de 21 netos. Todos lutam em seu cotidiano por um mundo melhor, como meu querido amigo e companheiro de mais de 25 anos de lutas Márcio Jerry, atual presidente do PCdoB em São Luís.
Na sala de aula, na política e em casa, sempre nos deu seu exemplo de perseverança. E Dona Graça Saraiva também foi uma batalhadora pela vida, lutando esses últimos dois meses contra o câncer que nos privou de seu convívio no dia 30 de outubro.
Enfim, Dona Graça é exemplo da fé e indignação de quem vive em um país que melhorou suas condições de vida nos últimos anos, mas ainda ocupa a posição número 84 do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e tem muito a melhorar. Sua vida seguirá na memória não como uma recordação do passado, mas como uma luz para guiar nosso futuro, de todos que lutamos por um Maranhão de todos nós. Meu abraço solidário ao companheiro João Francisco Barroso e toda sua família.
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