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Desembargador federal destaca coerência de Flávio Dino

O preço da coerência

Ney Bello

Desembargador federal, pós-doutor em Direito e professor universitário.

O sistema social da política – com suas regras autoreferentes e sua lógica endógena – possui uma moralidade própria que às vezes se choca com outros saberes. Maquiavel ao analisar César Bórgia descreve o discurso do poder político muito bem: os fins justificam os meios; faça sempre o mal de uma só vez; é melhor ser temido do que amado… e segue o mestre de Florença.

Em terras tupiniquins e de Upaon-açu Vitorino já dizia que o feio em política é perder. Pensar em eleições e em votos permite ao político ser fisiológico e oportunista. Permite virar a folha, mudar de camisa e se proteger na margem mais segura. Esta não é uma análise de como deveria ser, mas um retrato da vida como ela é, e que me perdoe Nelson Rodrigues.

Sob aplausos de 80% da sociedade as esquerdas foram crucificadas – não sem culpa, sua máxima culpa – e avizinhou-se um cataclisma.

Muitos políticos aproximaram-se de Judas. Outros se omitiram. Ladrões de sempre mostraram-se revoltados com o furto novo. Os manobristas das garagens dos bordéis ficaram indignados com a manobra do poder. E pior, quebrou-se o ovo da serpente e de lá saíram racismos, sexismos, homofobismos, fascismos e outras intolerâncias.

A política permaneceu na sua lógica e na sua moral peculiar. As instituições de Justiça é que em algum momento correram o risco de se apoiarem na moralidade política, e virarem apenso. O Judiciário deve permanecer prestando um relevante serviço ao país: aplicando a lei sem contornos ideológicos.

O Governador Flávio Dino fez o movimento inverso. Ele não abraçou a lógica dos políticos. Não se valeu da moralidade do sistema ao qual agora pertence. Não se abraçou ao fácil trair de suas próprias convicções e ao gosto do eleitorado.

Agiu como juiz, no momento em que alguns juizes agem como políticos. Flávio  reafirmou seu passado de magistrado e não festejou a ilegalidade sob a justificativa do politicamente correto e da moralidade superior. Não fez coro à histeria de seus próprios eleitores.

Não o vi defendendo crimes. Mas o vi condenando um ato que ele próprio entendeu ilegal. A  transformação de magistrado em ator político – com inserção ideológica – ao revés de se manter como árbitro de um jogo no qual ele não pode ter um time do coração é, de fato, condenável. Os bons resultados dependem da imparcialidade do magistrado, não de suas paixões.

Hoje invadem ilegalmente  um partido. Amanhã destroem absurdamente o partido opositor. Depois entrarão em seu condomínio e pisarão nas suas flores. Hoje divulgam gravações de uma presidente e um ex-presidente, registradas após o fim das escutas legalizadas.

Amanhã gravarão você! Sua esposa. Seus filhos. Sua família.

A Casa Tomada, de Julio Cortázar bem demonstra o risco. Bertholt  Brecht também lembra dos jardins invadidos. Não é à toa que a Suprema Corte americana proibiu a quebra do sigilo dos i-phones até mesmo para obtenção de informações sobre atentados: “Cría cuervos y te sacarán los ojos”.

Flávio não seria o mesmo que eu conheci em 1980, se houvesse aplaudido ato que considera uma ilegalidade – ainda que cometida por um juiz com a melhor das intenções. Não seria quem é se tivesse negado seu fundamento de esquerda, e seu desejo de honestidade e igualdade, para abraçar qualquer causa, que entendesse baseada numa ilegalidade, apenas por que é popular. Se houvesse esquecido do seu modo de pensar, desprotegendo a legalidade e negando a constituição, não seria ele. Não me daria qualquer sentimento de pertinência se tivesse entoado coro aos seus próprios eleitores, contrariando o que acha justo e correto.

Óbvio que há custo político. Natural que lhe cobrem o momentâneo custo da definição. Mas a história saberá julgar os coerentes e os insanos…. E os oportunistas.

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