Crônica para uma bela (música) balzaquiana
Francisco Junior*
Há pessoas que são indesistiveis, existem canções inesquecíveis e também existem datas especiais como por exemplo o aniversário de 30 anos. E por falar em pessoas indesistiveis, canções inesquecíveis e datas especiais, é inevitável não me sentir imediatamente abraçado por uma canção que em 2019 celebra o aniversário de 30 anos: “Cada tempo em seu lugar”, composta em 1989 por Gilberto Gil.
E o reencontro com esta canção, cujo um dos versos em tom de reflexão e serenidade afirma: “Não vou mudar o mundo louco, dando socos pelo ar”, ocorreu justamente quando conversava com uma pessoa por quem nutro grande estima, a respeito do aniversário de 30 anos de alguém muito especial.
No emblemático maio de 1968, uma das palavras de ordem que ecoava pelas ruas do planeta era a desconfiança em relação a quem tinha mais de 30 anos. Vinte e um anos depois em 1989, Gilberto Gil, contemporâneo daquela geração ponderou que a maturidade, cujo início cronológico é simbolicamente vinculado ao aniversario de 30 anos, nos permite vislumbrar qual o momento propício para cada atitude: “A bondade, quando for bom ser bom / A justiça, quando for melhor / O perdão: Se for preciso perdoar”.
Nascida exatamente há três décadas, “Cada tempo em seu lugar”, é uma das canções integrantes do álbum, denominado “ O Eterno Deus Mu Dança” , o mesmo que traz também outra cativante música deste ícone da MPB, intitulada “Do Japão” na qual, o poeta baiano ressalta que a tecnologia (por mais avançada que seja, e hoje inclusive temos os smartphones como um exemplo disto) é incapaz de produzir, uma “máquina de filmar sonhos”.
Compositor de extrema sensibilidade, Gilberto Gil incluiu uma melodia serena para embalar os versos de uma música, que nos leva a pensar sobre a imensidão do universo a nossa volta e nos faz perceber o quanto é inútil tanta pressa e ansiedade, pois é impossível escaparmos às tramas do destino. Afinal, como diz outro verso incisivo desta canção tão fascinante: “Não posso me esquecer que um dia/ Houve em que eu nem estava aqui”.
Ouvir esta canção nos faz ponderar sobre o quão é importante valorizar aquilo que vale realmente a pena na vida, pois não precisamos sempre andar o tempo todo a jato. Cada momento é único: “A velocidade quando for bom/ A saudade quando for melhor”.Como frisei no início desta crônica, o reencontro com a bela canção balzaquiana de Gilberto Gil, ocorreu justamente durante uma conversa cujo tema era o aniversário de 30 anos.
Ao ser lembrado no meio desta prosa, de que alguém que tanto eu, quanto quem dividia comigo este diálogo, conhecemos muito bem, completaria em breve 30 anos, ponderei que como não poderia presentear esta pessoa com uma “máquina de filmar sonhos”, e por conta de não encontrá-la “ao vivo e a cores” há bastante tempo, tão pouco poderia abraçá-la e quem sabe até aparecer em algumas das fotos e stories produzidas por estas máquinas de “fazer selfies”.
Entretanto, ponderei que poderia enviar por estas máquinas de fazer “selfies”, chamadas de smartphonse, (e que hoje fazem quase tudo, inclusive ligações telefônicas), um áudio com a canção de Gilberto Gil, mencionada durante toda esta crônica.
Para um aniversário de 30 anos, um abraço em forma de canção, ainda mais nestes tempos, em que canções e poemas parecem não ter tanta importância ( na lógica materialista, aniversários e presentes sempre rimam com cifrões), talvez isto não um presente dos mais esperados.
Porém, é o presente que eu não hesitaria em enviar, pois vai muito além da embalagem. E arrisco dizer mais: Com certeza, qualquer pessoa presenteada com esta canção de Gilberto Gil em uma data tão especial como o aniversário de 30 anos, talvez até lembre de outra canção e de outros versos, também feitos por um baiano, Caetano Veloso: “ Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
* Jornalista e advogado
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