Congresso reage à Lava Jato com série de propostas para blindar políticos
Aumento de verbas para campanha eleitoral, anistia ao caixa 2, voto em lista fechada, mudança lei de abuso de autoridade para magistrados, procuradores e promotores. Em meio aos escândalos denunciados por executivos da Odebrecht em suas delações, e com as investigações da Operação Lava Jato se afunilando, o Congresso tem uma série propostas para armar um “contra-ataque” à crise política.
As ideias que estão em debate podem dificultar as investigações, ao prever punições a investigadores e julgadores, anistiar crimes eleitorais, aumentar repasses públicos a candidatos e garantir uma reforma política que dê aos partidos o poder de definir, em lista fechada, os nomes que serão eleitos pela sigla.
Uma das medidas que vem sendo debatida há tempos é a anistia ao caixa 2. Em fevereiro, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse que o projeto não está na pauta da Casa.
Mas, um mês depois, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) virou réu e vai responder por ter recebido supostamente como propina doações oficiais não contabilizadas. A decisão fez com líderes partidários acelerassem debates com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o do Senado para aprovação de um pacotão não só para perdoar o caixa 2, como também doações legais por fontes ilícitas.
No ano passado, por duas vezes, o Congresso tentou votar a anistia ao caixa 2, mas acabou abortando em meio a um bombardeio de críticas.
Reforma política e mais verba
Com a proibição de doações de empresas desde as eleições de 2016, a Câmara também se articula para dar uma ajuda ao caixa dos partidos para 2018.
Com o cerco ao caixa 2 e dificuldade em receber doações de pessoas físicas, a ideia seria garantir um bom volume de recursos públicos para buscar votos do eleitor.
Segundo proposta defendida pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da comissão de reforma política na Câmara, o fundo público iria destinar R$ 3,9 bilhões em 2018 –podendo saltar em caso da mudança no sistema de votação.
Em 2014, esse valor foi de R$ 1,4 bilhão (verba referente ao fundo partidário do ano e da renúncia fiscal pela veiculação da propaganda eleitoral).
Mas, apesar do crescimento da verba, nem todos comeriam fatias iguais desse bolo. Isso porque outra proposta –que já teve parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara– é a cláusula de barreira, que tenta reduzir a força e a verba dos partidos nanicos.
As mudanças estão na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 282/2016. A medida deveria ser votada na comissão da Câmara no último dia 11, mas acabou sendo barrada pelos pequenos partidos –que obstruíram a apreciação por serem contra.
Outra proposta na reforma política que tem ganhado força para 2018 é o voto em lista. Nessa modalidade, os partidos decidem previamente a ordem de nomes da sigla, e quantidade de eleitos dependeria dos votos no partido. O eleitor deixa de votar em candidatos e vota no número da sigla. O número de eleitos de cada uma delas dependerá da quantidade de votos.
Apesar de defendida por alguns especialistas e adotada em 29 países, a lista fechada passou a ser encarada como uma garantia de reeleição em meio à baixa popularidade com o eleitorado por conta das denúncias. Isso ocorreria porque os deputados federais, na maioria dos casos, controlam as siglas em seus Estados e garantiriam, assim, a posição no topo das listas partidárias.
Abuso de autoridade à vista
E entre os projetos quem não lembra do pacote anticorrupção enviado pelo MPF (Ministério Público Federal) e que foi desconfigurado na madrugada do dia 30 de novembro de 2016? No projeto foram retirados pontos como a punição a enriquecimento ilícito de servidores e responsabilização de partidos. Em contrapartida, foi inserida a punição dura a magistrados e membros do MP por abuso de autoridade. O projeto chegou a ser enviado ao Senado, mas o ministro Luiz Fux determinou nova votação na Câmara — o que ainda não ocorreu.
A emenda de proposta de punição por abuso de autoridade foi apresentada pelo PDT e duramente criticada por procuradores da Lava Jato, pelo juiz Sergio Moro e pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Eles alegam que a ideia central do projeto é dificultar o andamento de processos e coagir autoridades.
Na proposta aprovada, os magistrados podem ser inseridos em oito tipos de abuso, como pena de prisão por declarações públicas sobre um caso. No caso de procuradores e promotores, há previsão de pagamento de danos morais a um investigado caso uma denúncia não seja julgada procedente.
Também há um projeto que atualiza o abuso de autoridade em tramitação no Senado. O relator, Roberto Requião (PMDB-PR), apresentou o relatório, no final de março, com previsão punições a ações como: dar início a investigações sem indícios de crime; decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem sua prévia intimação; e deixar de avisar o investigado de seu direito ao silêncio ou de ser assistido por um advogado.
Em contrapartida, o Janot apresentou, também no fim de março, um anteprojeto contra o abuso de autoridade que retira a punição a magistrados e membros do MP por interpretação e aplicação da lei nos processos.
Cientistas políticos ouvidos pelo UOL afirmam que o cerco aos políticos deve instigar votações de projetos que beneficiem nomes de suspeitos na Lava Jato. “Claro que haverá essa tentativa. Eles querem encobrir o rabo”, diz o pós-doutor David Fleischer, do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília).
Ele conta que duas ideias chamam mais sua atenção: a descriminalização do caixa 2 e a lei do abuso da autoridade. Para ele, nem mesmo mobilizações nas ruas impediria os congressistas de lutarem para salvar as peles. A maior esperança, acredita, é que o Supremo Tribunal Federal reduza o foro privilegiado dos políticos já agora em maio –como está previsto julgamento que vai decidir o alcance do foro dos políticos.
“O que está pintando –e que será desastroso para esses políticos– é o processo do ministro Barroso. Se for decidido a favor, vai alterar drasticamente o foro e será o fim de muitos desses políticos”, conta, citando que a judicialização da política é importante neste momento.
“É extremamente importante. A única maneira de punir um parlamentar é via judiciário, e o STF quer se desafogar; ele não é um tribunal penal. Ou seja, com essa decisão, cairia de 500 para 10 ou 12 processos. Ou seja, as ações andariam”, afirma.
O cientista político Ricardo Ismael, da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), acredita que de todos os projetos, o voto em lista é o que mais pode beneficiar os políticos por se tornar uma garantia de eleição em 2018.
“Ele é o mais danoso porque ele vai impedir e renovação da política. Esses deputados vão ser indicados pelos partidos para as primeiras posições, o que vai impedir novos nomes”, acredita.
E quando o assunto é proteção a políticos alvos de operações policiais, a situação italiana é sempre lembrada por conta da Operação Mãos Limpas –que prendeu políticos e fez com que leis fossem mudadas para os proteger.
Segundo o pós-doutor em direito penal pela Universidade de Paiva, na Itália, Welton Roberto, as mudanças na lei levaram a uma disputa entre poderes que dura até hoje no país. “Quando [Silvio] Berlusconi assumiu como primeiro-ministro da Itália [em 2001], começou a fazer leis para se beneficiar e se sair do alcance da Justiça. Foi uma forma deles [políticos] se protegerem. Depois que rompe essa barreira, com operações pegando políticos corruptos, eles tentam criar mecanismo de autoproteção. Tanto que até hoje existe uma briga grande entre Legislativo e Judiciário por conta do Berlusconi, não por causa da operação Mãos Limpas”, diz. (UOL)
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