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Congresso manobra e usa R$ 287 mi de emenda Pix durante campanha eleitoral

O Congresso destinou R$ 286,7 milhões em emendas Pix de forma irregular no ano passado, período de campanha eleitoral. As verbas foram enviadas a Estados e municípios sem bancar investimentos públicos para a população, descumprindo uma regra da Constituição. O Estadão identificou que o recurso foi usado para abastecer veículos, realizar festas e patrocinar eventos esportivos, despesas que não representam investimentos. A maior parte caiu em um limbo, no qual as prefeituras não informaram o que fizeram com o dinheiro, driblando os órgãos de fiscalização.

Uma boa parte das verbas foi paga pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) antes da eleição de 2022 e o restante foi executado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva no mês passado, em um movimento para acalmar os ânimos de parlamentares e prefeitos, que pressionavam pelo depósito. Lula quer ter mais espaço para realizar investimentos e escolher quais municípios e obras serão contemplados com o Orçamento da União. Com a emenda Pix, no entanto, também chamada de transferência especial, o parlamentar é quem define o destino do dinheiro e o recurso sai do controle federal.

O alto risco de fraude é mais um problema verificado na emenda Pix, além da falta de transparência. Com a verba concentrada em custeio, é mais difícil verificar o que foi feito com o dinheiro, pois não há nenhuma obra construída nem equipamento público entregue. Pela Constituição, 70% das emendas devem ser destinadas a investimentos – compra de equipamentos, construção de escolas, postos de saúde e outras obras. Somente o restante, ou seja 30%, pode ser usado para o custeio e a manutenção dos órgãos públicos, como pagamento de conta de luz, gasolina e realização de eventos.

Irregular
No ano passado, 162 parlamentares não respeitaram a regra ao indicar as emendas para prefeituras e governos estaduais, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop). A manobra foi concentrar custeio em alguns municípios, deixando os investimentos para outros. Se um município compra um carro, por exemplo, a despesa entra no rol de investimentos e os órgãos de controle podem facilmente verificar se o veículo foi entregue. Se o dinheiro foi para gasolina, o gasto é classificado como custeio e é mais difícil averiguar se de fato cumpriu essa finalidade.

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, usou o mandato de deputado federal para indicar R$ 2,3 milhões em emendas Pix de forma irregular para três municípios do Maranhão no ano passado, incluindo Vitorino Freire (MA), cidade onde a irmã, Luanna Rezende, é prefeita. Lá, ele indicou R$ 671,8 mil para custeio e R$ 265,6 mil para investimentos, descumprindo a proporção exigida pela Constituição.

Em Magalhães de Almeida (MA) e Altamira do Maranhão (MA), a manobra foi ainda maior, pois Juscelino enviou todo o recurso (R$ 1,35 milhão) somente para o custeio das prefeituras, sem bancar investimentos. Por meio de sua assessoria, o ministro afirmou que cumpriu todas as normas legais e que a execução das emendas é de responsabilidade dos municípios, não do parlamentar.

‘Campeões’
O município que mais recebeu emenda Pix de maneira irregular em 2022, sem o direcionamento para investimentos, foi Macapá, com R$ 4 milhões indicados por três parlamentares: André Abdon (PP-AP), Leda Sadala (PP-AP) e Professora Marcivania (PCdoB-AP). A prefeitura não apresentou informações sobre onde aplicou o dinheiro.

Em seguida, está o município de Tauá (CE). O deputado Domingos Neto (PSD-CE) indicou R$ 2,6 milhões para a prefeitura governada por sua mãe, Patrícia Aguiar (PSD), com toda a verba para custeio. Ao Estadão, ele alegou que atendeu ao pedido do município e que as emendas para outras cidades foram para investimentos, de modo a cumprir a regra constitucional na soma das indicações.

Segundo especialistas, porém, a manobra desvirtua o princípio constitucional e descumpre a norma, que é fazer com que as prefeituras priorizem melhorias com obras e equipamentos e tenham uma parte menor de recursos para manter serviços. Na mesma cidade cearense, há uma emenda de R$ 1,2 milhão do deputado Célio Studart (PSC-CE), ligado ao grupo político de Neto; 80% do valor foi para custeio.

Proporção
Recentemente, o TCU decidiu que a fiscalização da emenda Pix ocorra na ponta, ou seja, o controle do que está sendo feito com o dinheiro é de responsabilidade dos tribunais locais. Mas a Corte entendeu que cabe a ela verificar se a proporção de 70% para investimentos foi respeitada. O que o levantamento revela agora é que a regra foi descumprida em 767 casos, envolvendo parlamentares de diferentes partidos em todo o País. O TCU afirma que está elaborando uma regulamentação para definir a atuação dos fiscais em relação a esse tipo de ocorrência.

Para 2023, uma portaria do governo Lula estabelece que a proporção de 70% em investimentos passe a ser respeitada em cada indicação, e não só nas emendas totais. A Secretaria de Relações Institucionais, comandada pelo ministro Alexandre Padilha, afirmou ao Estadão que o formato de pagamento “está em processo de atualização pela atual gestão” e que, ao pagar recursos indicados em 2022, respeitou as normas anteriores.

A mudança, porém, é rejeitada pelo Congresso. “Não é eficiente que se coloque custeio para quem só precisa de investimento, ou investimento para quem só precisa de custeio”, disse Domingos Neto.

Entenda as indicações de verbas por parlamentares

  • Emenda individual

Todo deputado e senador têm direito – seja da base, seja da oposição –, e a execução é obrigatória. Até 2022, o valor era de R$ 19,7 milhões. Com o veto às emendas de relator, foi a R$ 32,1 milhões para deputados e R$ 59 milhões para senadores

  • Emenda de bancada

São indicações feitas em conjunto pelas bancadas dos Estados, com pagamento obrigatório de cerca de R$ 8 bilhões

  • Transferência especial (conhecida como Emenda Pix)

Mecanismo de transferência de emendas individuais sem que o parlamentar defina como deve ser usado o dinheiro, numa espécie de cheque em branco. Assim, prefeituras e governos estaduais têm liberdade para gastar a verba. O pagamento pelo Executivo não é obrigatório

  • Emenda de relator

É o orçamento secreto, revelado pelo Estadão e declarado inconstitucional pelo STF

  • Emenda de comissão

Recurso indicado por comissões do Congresso para os ministérios correspondentes, como Saúde e Educação, com abrangência nacional. Conforme o Estadão revelou, porém, o Congresso driblou a regra para abrigar parte das verbas do orçamento secreto (Estadão)

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