As lições da greve
Por: Oswaldo Viviani (JP)
A greve dos policiais e bombeiros militares do Maranhão, que acabou na sexta-feira (2), depois de nove tensos dias, deixou lições que devem ser aprendidas pelo governo, sob pena de, a cada movimento paredista – fato normal nas democracias –, ser instalado o caos no estado.
A primeira das lições é de que truculência e inflexibilidade não resolvem nada nesses momentos. O problema da paralisação só começou a ser efetivamente solucionado depois que o governo sentou-se à mesa com os grevistas, recuando em sua postura inicial de não negociar enquanto PMs e bombeiros estivessem de braços cruzados e ocupando a sede do Legislativo estadual.
Em três dias de diálogo (quarta, quinta e sexta), conseguiu-se fechar um acordo e acabar com a paralisação. Isso jamais seria obtido com as medidas punitivas e intimidatórias propaladas nos seis dias iniciais da greve, como ameaça de exoneração por deserção e cobrança de multa de R$ 200 por dia dos grevistas – sendo esta última punição com o aval de um Tribunal de Justiça insensível e distante do perfil conciliador que o moderno Judiciário deve ter.
A greve histórica dos PMs e bombeiros também ensinou que negociação não é imposição. Numa negociação, ambas as partes têm de ser flexíveis, saber ceder. Desacostumado com o diálogo de igual para igual, o representante do governo, o secretário João Alberto de Souza (Projetos Especiais), quase pôs tudo a perder quando ‘cismou’ com um dos líderes do movimento, um policial baiano presidente de uma entidade nacional de praças.
Conhecido com ‘Carcará’, o secretário disse que não ia mais sentar-se à mesa de negociação, na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), se o baiano – qualificado como ‘intransigente’ – permanecesse na comissão de negociação. Felizmente, os grevistas foram suficientemente lúcidos para entender que a causa pela qual lutavam era maior do que teimar em ter na mesa o líder rejeitado, e trocaram o negociador.
Por fim, a greve que causou a maior crise já vivida no Maranhão, na área de Segurança Pública – justamente a mais criticada pelo grupo da governadora Roseana Sarney (PMDB) no governo Jackson Lago –, deixou a lição de que uma entidade ou instituição só tem razão de ser quando serve aos interesses da sociedade, não aos de grupos políticos.
No primeiro caso, a OAB poderia receber menção honrosa no episódio da greve, com a mediação equilibrada e imparcial do presidente da entidade, Mário Macieira. No segundo, a Assembléia Legislativa – com algumas raras exceções, como os deputados Bira do Pindaré e Zé Carlos, ambos do PT – fez o contraponto negativo.
O fechamento do plenário e o desligamento da energia elétrica nos dias da greve, medidas tomadas pelo presidente da Casa, Arnaldo Melo (do PMDB, partido da governadora), serviram para desnudar o atual divórcio entre a AL e a sociedade.
A persistir esse distanciamento, os moradores da Casa do Povo estão fadados a trancar as portas e abandonar a residência sempre que segmentos sociais – que, afinal, os parlamentares representam – acamparem em seu quintal.
O fim da greve
Essa manhã de domingo, esse sol imponente traz a notícia de que venceu o bom senso e o movimento paredista dos militares e bombeiros cessou. Foi-se o temor de uma escaramuça e o prédio do Poder Legislativo, agora desocupado, recebe de volta os parlamentares na segunda-feira para debater também que razões serviram de razões para a mais grave crise institucional que o Maranhão já viveu.
É mais uma lição da História a demonstrar que o poder deve ser exercido com parcimônia e sensatez, e que o homem, em sendo um animal social, conforme afirmou Aristóteles, deve usar a política para se resguardar de atitudes extremistas e resolver as diferenças em passos de conciliação.
Estão de parabéns todos os deputados que suaram a camisa para evitar um confronto que mancharia definitivamente esse Estado; a OAB-MA, o Tribunal de Justiça, as lideranças dos policiais e bombeiros, o Governo do Estado e a parte da imprensa que cumpriu o dever profissional de informar com isenção os acontecimentos desses dias à opinião pública.
Este domingo de sol que cala as baionetas deve servir, entretanto, para que se reflita sobre o que é a lei e o que é a Justiça, e para que se evite a aplicação de códigos retrógados contra aqueles que lideraram uma categoria, que, afinal, é responsável pela segurança dos cidadãos. Se houve um acordo, que ele seja preenchido também pela anistia e que se esqueça de uma vez por todas a deserção.
Informa o jornalista Manoel Santos Neto que o governo, que inicialmente se recusava a negociar com os grevistas, concedeu um reajuste de 10,9% a partir de janeiro de 2012 e mais 7% a cada ano, chegando a um total de cerca de 24%, inferior aos 30% pedidos pela categoria. Importante, também, é que conseguiram a anistia dos grevistas e o fim da aplicação do regulamento disciplinar do Exército sobre policiais e bombeiros, um velho sonho acalentado por categorias que ficaram sujeitas a esse Código a partir da ditadura militar de 1964.
Não houve excessos dos insurgentes nos dias de greve e as tentativas de violência verificadas puderam ser contidas pelos militares do Exército e da Força Nacional. Só não houve jeito de conter o pânico que se instalou em São Luís nesses 10 dias em que a insegurança na capital maranhense quadruplicou.
Há que se comemorar essa vitória das instituições públicas, embora ainda com esse gosto amargo de medo na boca, a nos dizer da fragilidade do estado de direito e da democracia que tantos lutaram para construir.
Em alguns momentos os fuzis e metralhadoras nas ruas, os revólveres nos coldres e nas mãos nos remeteram a um passado de discricionariedade e exceção. Que sirva de exemplo para que possamos cultuar como atributos divinos a força da liberdade e o valor da paz. (Editorial do JP)
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