Aliado de Bolsonaro diz que havia rachadinha nos gabinetes dele e dos filhos Flávio e Carlos, diz revista
Amigo de Jair Bolsonaro, a quem assessorou na campanha presidencial de 2018, Waldir Ferraz afirmou à revista “Veja” que a advogada Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente, comandou um esquema de rachadinha que incluía os gabinetes do ex-marido, então deputado federal, do senador Flávio Bolsonaro (à época, deputado estadual) e do vereador Carlos Bolsonaro.
Conselheiro e próximo ao presidente desde a época do Exército, Ferraz disse ainda que Ana Cristina chantageia Bolsonaro, com pedidos de dinheiro, em troca de seu silêncio. À revista, o ex-assessor afirmou que o presidente não tinha conhecimento do esquema enquanto estava em prática e só tomou conhecimento do assunto em 2018, quando as primeiras reportagens foram veiculadas na imprensa.
— Ela fez nos três gabinetes. Em Brasília (na Câmara dos Deputados), aqui no Flávio (na Assembleia Legislativa do Rio) e no Carlos. O Bolsonaro deixou tudo na mão dela para ela resolver. Ela fez a festa. É isso. Ela que fazia, mas quem é que assinava? Quem assinava era ele. Ele vai dizer que não sabe? É batom na cueca. Como é que você vai explicar? Ele está administrando. Não tem muito o que fazer — contou.
De acordo com o ex-assessor, o papel de Ana Cristina no esquema de recolhimento de parte dos salários dos funcionários dos gabinetes, prática enquadrada como peculato, era de contratar pessoas dispostas a devolver parte do dinheiro recebido. Ela recolhia documentos de algumas pessoas, abria contas bancárias em nome delas e retirava parte dos salários.
— Ela é muito perigosa. É uma mulher que quer dinheiro a todo custo. Às vezes, ela vai ao cercadinho, frequenta o cercadinho. É uma forma de chantagem. A gente nem toca nesse assunto pra não deixar o cara (Bolsonaro) de cabeça quente — diz Waldir.
Ele ressaltou que Bolsonaro e os filhos não sabiam dos esquemas montados pela ex-mulher.
— Ele, quando soube, ficou desesperado, era uma fria. O cara foi traído. Ela começou tudo. Bolsonaro nunca esteve ligado em nada dessas coisas. O cara tinha visão do que estava acontecendo por trás no gabinete. Às vezes o chefe de gabinete faz merda, o próprio deputado não sabe. Mesmo o deputado vagabundo não sabe, só vem a saber depois.
Segundo o ex-assessor, Ana Cristina exige dinheiro e outras vantagens para não contar o que sabe. De acordo com ele, ela teria ido algumas vezes ao cercadinho do Palácio da Alvorada para ser vista por Bolsonaro, como uma forma de pressioná-lo.
À “Veja”, Ana Cristina negou que tenha comandado esquemas de rachadinha, que chantageie Bolsonaro e disse que as acusações partem de inimigos que que querem atingir Flávio e Carlos.
— Se eu tiver que falar com o presidente, acha que eu vou para o cercadinho para todo mundo ficar vendo, para jornalista ficar vendo? Sou discreta — afirmou.
Procurado pelo GLOBO, Ferraz, em um primeiro momento, negou que tenha feito as acusações:
— Não, eu não falei nada disso. Não falei isso, negativo. Como é que eu ia falar um negócio desse?
Pouco tempo depois, em uma segunda ligação, ele admitiu ter falado sobre “esses assuntos” com a revista:
— O que eu disse para ela (repórter) é o que todo mundo sabe. É o que está nos jornais. Mas eu não participei nem tenho conhecimento de nada.
Indícios de peculato
Waldir não é o primeiro envolvido nos gabinetes da família Bolsonaro a admitir a existência do esquema. A ex-cunhada do presidente, a fisiculturista Andrea Siqueira Valle, disse que o mandatário demitiu seu irmão, André Siqueira Valle, porque ele se recusou a entregar a maior parte de seu salário a Bolsonaro, que na época era deputado federal.
Áudios de Andrea obtidos pelo site “UOL” mostram que a fisiculturista diz ainda que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e denunciado pelo Ministério Público no esquema de “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), não foi o único a recolher os salários dos funcionários do atual senador. Ela aponta que a maior parte do salário que recebia do gabinete do filho mais velho do presidente era recolhida pelo coronel da reserva do Exército Guilherme dos Santos Hudson.
Outra ex-assessora de Flávio, Luiz Sousa Paesa admitiu, em depoimento ao MP-RJ, que nunca atuou como funcionária do filho do presidente Jair Bolsonaro e também era obrigada a devolver mais de 90% do salário.
Luiza relatou ainda que conheceu outras pessoas que viviam situação semelhante a dela: nomeadas sem trabalhar. Citou as duas filhas mais velhas de Fabrício Queiroz, Nathália e Evelyn, e Sheila Vasconcellos, amiga da família do policial. Os dados financeiros das três, obtidos na investigação, já identificavam que elas tinham devolvido para Queiroz R$ 878,4 mil.
Em 2019, Fabrício Queiroz, investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf), que apontou “movimentações atípicas” em suas contas, admitiu, em depoimento por escrito ao Ministério Público do Rio, que fazia o “gerenciamento” de valores recebidos por servidores do gabinete do então deputado, assim como coordenava “os trabalhos e demandas” para expandir as redes de contato e de colaboradores do parlamentar.
Queiroz afirmou ainda que, por ter a confiança e autonomia dadas por Flávio Bolsonaro, nomeava assistentes no gabinete por julgar certo que era a melhor maneira de “intensificar a atuação política seria a multiplicação dos assessores da base eleitoral”, gerenciando os valores que cada um destes recebia mensalmente, sem precisar dar satisfações a Flávio sobre a “arquitetura interna do mecanismo que criou”. E que seus superiores não tinham qualquer conhecimento de sua atuação.
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