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“Alcântara é uma pedra preciosa, mas falta lapidar”

por Roberto Maltchik

Integrante da missão Rosetta, capitaneada pela Agência Espacial Europeia (ESA) e que obteve a façanha de pousar um módulo fabricado pelo Homem na superfície de um cometa, o cientista brasileiro Lucas Fonseca acompanha de perto as negociações para o que Brasil assine um acordo com os Estados Unidos com o objetivo de lançar foguetes da base de Alcântara.

Ele está na lista daqueles que estão empolgados com a oportunidade, mas que seguem cautelosos sobre a capacidade do Brasil aproveitá-la. “Não só o governo, mas as empresas precisam fazer sua parte. Não há evolução sem risco. Isso vale para todos os setores, imagine na área de tecnologia de ponta”, observa o engenheiro espacial.

À frente da missão Garatéa, uma união de esforços para desenvolver o setor no Brasil por meio de ações educacionais e empresariais, Fonseca avalia que há espaço para Alcântara no mercado, cada vez mais direcionado às missões de órbita baixa e voos suborbitais – os especialistas afirmam que este é o filão preferencial para a base brasileira. O cientista conversou com ÉPOCA sobre o plano de exploração de Alcântara e as oportunidades que se abrem com a exploração espacial.

Na sua opinião, qual seria a primeira coisa a ser feita hoje em Alcântara, em caso de aprovação do Acordo de Salvaguarda Tecnológica com os Estados Unidos?

Um plano diretor para indicar o que deve ser feito ali nos próximos 30 anos. Essa é a primeira coisa. Depois, é preciso chegar a um consenso com os quilombolas e com seus representantes. Você deve desenvolver atividades nas áreas que já existem em Alcântara, mas a base deve se expandir para atingir seu potencial. Para expandir, é preciso negociar com os quilombolas. É preciso ser justo. Além disso, são precisas soluções de infraestrutura. Não é fácil montar nem uma casa em Alcântara. É mais caro que em São Luís, que está a 40 minutos de barca. É preciso criar condições para a construção de coisas novas, com um custo acessível. Há problemas de saneamento básico, falta de escolas, que precisam ser resolvidos. A população que será afetada por essa atividade necessita de serviços básicos.

Esse grande investimento na região é possível sem a premissa de ampliação do Centro de Lançamento para as áreas onde hoje estão as comunidades quilombolas?

A possibilidade de investimento existe, mas, sem ampliação do centro de lançamento, ela fica reduzida. Se você imagina a atividade ocorrendo na sua plenitude, precisa ampliar o centro.

Você imagina o centro de Alcântara funcionando para lançamentos de satélites em quanto tempo?

Você pode ter os primeiros lançamentos a partir de Alcântara dentro de cinco anos. Agora, para estabelecer esse centro, com exploração completa tal como eu imagino que possa existir, você precisa de, no mínimo, 15 anos.  São precisos de 15 a 20 anos para inserir o Brasil em um mercado crescente, que é o da economia espacial.

Existe o risco de aprovação do acordo de salvaguardas e o país não estar preparado para fazer os investimentos necessários para tornar o centro viável comercialmente?

Vejo muitos discursos imediatistas, com retornos bilionários previstos em cinco anos. Ali existe um mercado potencial muito grande, mas em 30 anos. Essas promessas soltas não fazem muito sentido para fechar essa equação. Há, por exemplo, uma questão a ser resolvida com os quilombolas que já dura 20 anos, que pode resultar em um desenvolvimento muito maior da região se for bem equacionada. Há a capacidade de desenvolvimento de uma economia plena na região. Então, não dá para se falar da base de lançamento sem se falar do entorno e de um plano estratégico de longo prazo que envolva toda a economia daquela região. E, principalmente, que todos os atores envolvidos assumam suas responsabilidades na execução do projeto.

É difícil para um investidor acreditar nesse nível de comprometimento, considerando o históricos do Brasil para investimentos estatais com planejamento de longo prazo.

Se o empresário brasileiro ficar esperando para ver o que o governo vai fazer, vai ser um grande fracasso. Agora, se o empresário resolver empreender, desbravar a oportunidade e criar um modelo de negócios considerando este potencial grande, acho que o cenário é diferente. A responsabilidade não é só do governo. Deve ocorrer sinergia entre governo e empreendedores ao ponto de trazer novos setores para a região. Precisamos chegar a um ponto onde a sociedade civil participe ativamente nesses assuntos. É preciso de um ambiente de legislação onde o governo também não atrapalhe o ambiente de negócios. Mas o próprio empresariado brasileiro tem de entender o potencial disso. E deve arriscar. É preciso assumir o risco, desde que tenha um norte claro do que vai ocorrer.

Apesar dessas vantagens, Alcântara precisa de pesados investimentos para se tornar viável. No mundo, há vários centros de lançamento já estabelecidos. Para a indústria, essas vantagens justificam o tamanho do esforço financeiro e politico para levantar essa base?

Você não tem a dependência de Alcântara para estabelecer um mercado ou não. O que existe é a possibilidade potencial de ter uma base de lançamento, em um lugar específico, onde pode se gerar economia. Agora, essa economia precisa ser confrontada com o custo Brasil, custo logístico, de mobilização de Alcântara, que tem um acesso difícil. Alcântara é uma pedra preciosa, mas falta lapidar ainda. Se eu quero estabelecer um centro competitivo em relação ao mercado já estabelecido, o governo ficou com a responsabilidade de lapidar essa pedra para receber o interesse de empresas. O que se mostra hoje é que empresas de pequeno porte, startups que estão desenvolvendo pequenos foguetes, encontram maior facilidade de fazer lançamentos a partir de Alcântara. Mas grandes empresas teriam de fazer um investimento muito grande para fazer lançamentos de lá.

Imagem registrada no projeto Rosetta, de que Lucas Fonseca fez parte Foto: ESA/Rosetta/MPS for OSIRIS Team MPS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA
Imagem registrada no projeto Rosetta, de que Lucas Fonseca fez parte Foto: ESA/Rosetta/MPS for OSIRIS Team MPS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA

Neste caso, o governo e seus poucos recursos precisa assumir um risco?

A responsabilidade não é só da União. A União precisa fazer um documento com uma visão de futuro para Alcântara e trazer junto dela investidores nacionais e internacionais. Esses investidores não precisam estar ligados ao mercado espacial. Há investimentos importantes em estradas, em ferrovias, em rede hoteleira.

Qual é a utilidade do espaço para setores que atuam no nosso cotidiano, como a indústria farmacêutica ou de cosméticos?

Existem várias frentes dentro do que a gente chama de microgravidade que geram situações que não se obtêm em uma bancada de testes na Terra, por conta do próprio efeito da gravidade. Entre várias situações, destaco a capacidade de você observar estruturas de moléculas, especialmente proteínas, onde se têm um entendimento muito maior do que está acontecendo com aquela determinada molécula.

No espaço, a proteína cresce de forma muito mais geométrica. Você tem uma capacidade de compreensão muito superior. Nós temos cerca de 100 mil proteínas dentro do organismo, que são usadas para a produção de fármacos. Conhecer melhor as proteínas permite uma ação mais assertiva para o desenvolvimento de novos fármacos. Além disso, no espaço, que é um ambiente extremamente agressivo, você tem um envelhecimento de células muito mais rápido. Então, no caso da indústria de cosméticos, eu consigo obter resultados de pesquisa em um período muito menor. Isso tudo se reverte em uma economia muito grande.

Hoje, há muitas empresas fazendo esses testes?

No Brasil e até no exterior são poucas empresas. Mas, algumas grande do setor farmacêutico, levam até cinco experimentos para a estação espacial, por ano.

A questão principal é lidar com os custos de tais experimentos?

Quando falamos em acessar o espaço é preciso levar em conta três pilares: custo, que vem reduzindo ao longo das últimas décadas; a disponibilidade de janelas de lançamento, que também aumenta significativamente — basta ver a quantidade de lançamentos anuais para a Estação Espacial Iternacional [ISS, na sigla em inglês] —, e o risco, que também tem melhorado significativamente. Hoje, a principal atividade comercial da ISS já é a cristalização de proteínas.

E, nesse mercado, como o Brasil pode se inserir?

O Brasil já é um grande player em voos suborbitais, é o principal player no mundo. A gente já atende um mercado. Só que, nesse segmento, você só consegue fazer experimentos de curta duração. Já, com estações espaciais, você faz experimentos contínuos, durante meses ou até anos. No caso da construção de uma nova estação espacial em órbita equatorial, Alcântara passa a ter papel importante. Mas, mesmo sem uma nova estação, várias aspectos técnicos são favoráveis à Alcântara. Não só a economia de combustível, mas você pode ter um aumento significativo de janelas de lançamentos de voo em órbita equatorial. Sem contar que você tem, no mesmo centro, condições para lançamentos equatoriais e também em direção ao norte, o que é outra vantagem.

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