Afinal, o que é o Centrão? Começou no governo Sarney…
Você cansou de ler sobre ele, mas não entende o que é, afinal, o Centrão? Fique tranquilo: até cientistas políticos divergem sobre ele. Mas, então, por que ele está sempre nas manchetes da política nacional? Por que parece envolvido em todo escândalo e toda votação? Vem com a gente pra entender esse personagem polêmico e difuso que habita o Congresso Nacional.
A história teria começado ainda no governo José Sarney (1985-1990), o primeiro após a redemocratização (lembremos que, de 1964 a 1985, o Brasil foi uma ditadura militar). O partido do presidente, o PMDB (hoje MDB), conseguiu eleger mais da metade dos deputados federais em 1986. Isso significa que Sarney tinha amplo apoio para suas pautas na Câmara, certo? Mas não foi bem assim…
Isso porque, embora o PMDB tivesse a maioria dos parlamentares, reunia vários grupos diferentes. O que a ala de Sarney queria, nem sempre o pessoal ligado a Ulysses Guimarães – o poderoso presidente da Câmara – topava. E, para conseguir aprovar seus projetos, o Poder Executivo desenhou uma estratégia com ajuda do seu então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães.
Sarney e ACM, como era conhecido o político baiano, decidiram distribuir concessões de rádio e TV para parlamentares em troca de apoio em votações. Por votos, eles também deram cargos no governo. Na década de 1990, o Poder Executivo começou a usar um novo instrumento criado pela Constituição de 1988: as famosas emendas parlamentares ao orçamento – dinheiro do orçamento que os congressistas podem destinar a projetos em suas bases eleitorais.
Os políticos favorecidos pela estratégia ficaram conhecidos como o hoje famigerado Centrão. Eram de várias legendas e não se importavam em votar com o governo, desde que mantivessem seus benefícios. Estava instalado o “toma lá (esse recurso) dá cá (esse voto)”.
Essa foi a forma encontrada para que o Executivo conseguisse levar a cabo sua agenda de políticas públicas. Em 1988, o contexto de dificuldade levou o cientista político Sérgio Abranches a falar que, no Brasil, seria quase impossível governar. Seria necessária a construção da lógica de um “presidencialismo de coalizão”. O que ele quis dizer com isso? Que a única maneira de governar por aqui é ter uma base de apoio no Congresso formada por partidos que vão muito além da legenda do Presidente – e que vote com ele não importando muito qual seja o projeto, qual seu partido.
Qual a diferença entre parlamentarismo e presidencialismo?
A falta de uma base forte no Congresso – e desgaste junto à população – foi determinante para os processos de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff. Afinal, a destituição passa, necessariamente, por votações no Congresso. Mais hábil em construir a tal coalizão, Michel Temer conseguiu se manter no cargo mesmo sendo tão impopular quanto suas poesias (duvida? leia aqui!).
Mas foram Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, durante seus respectivos oito anos no poder, que governaram de forma mais estável o país, contando com ampla coalizão no Congresso Nacional. Isso fez com que os cientistas políticos Fernando Limongi e Argelina Figueiredo mostrassem que o país era, sim, governável. E que a lógica de coalizão tinha um preço.
E parece ser um custo alto e ilícito. A prática de compra de apoio político se tornou literal, e ganhou contornos criminosos na votação da reeleição de FHC, no escândalo do mensalão de Lula e foi um dos focos da Operação Lava Jato. Ou por que você acha que havia tantos indicados políticos dentro de uma estatal de petróleo?
Pode parecer estranho – e é! –, mas o PTB de Roberto Jefferson, o PL de Waldemar Costa Neto e o PP de Arthur Lira foram base de apoio de praticamente todos os governos, durante quase o tempo todo. Ou, na verdade, pelo tempo que lhes foi conveniente. E, agora, negociam benefícios no governo Jair Bolsonaro, pressionado por investigações envolvendo seus filhos.
Apesar dos exemplos, nem sempre é fácil identificar quem compõe o Centrão e por que está nesse grupo. “O pessoal da ciência política tem refutado essa ideia porque é muito genérico e muda de tempos em tempos”, diz o cientista político Humberto Dantas, head de Educação do CLP – Liderança Pública.
Os partidos são variados, as ideologias também. O Centrão é, na verdade, um balaio de gatos, que, quando o jogo político aperta, se reúne para exigir mais. Isso não quer dizer que esses parlamentares não alterem projetos enviados pelo governo. Muita coisa muda ao passar pelo Congresso. Por isso, a cientista política Andréa Freitas batizou o modo de governo brasileiro de “presidencialismo dA coalizão”. É uma sutileza que faz toda a diferença, por revelar o poder dos parlamentares e, sobretudo, dos partidos políticos organizados na Câmara.
Se você chegou até aqui, pode estar deprimido com a maneira de governar brasileira. Não pense, porém, que a saída é acabar com o Congresso, como sugeriram alguns manifestantes. Se isso acontecesse, a concentração de poder aproximaria o país de uma ditadura.
Mas acertou quem acha que parte da solução está nos deputados e senadores. E, mais ainda quem disse que está nos partidos. “Precisamos de uma agenda clara dos partidos para o Brasil”, afirma Humberto Dantas. “Assim as pessoas poderão cobrar uma postura coerente dos parlamentares”. Mas que fique claro: quando falamos de “pessoas” estamos falando de cada um de nós, eleitores conscientes.
Com mais de 30 partidos, muitos com siglas mutantes que nada querem dizer, é um desafio para o eleitor brasileiro conseguir se orientar na eleição. Mas é o caminho para termos representantes mais alinhados com nossos anseios – e menos com as próprias vantagens. Por Letícia Sorg
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