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Acordo perdoa 2 mil anos de prisão para delatores da JBS

A delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista lhes valeram o perdão de crimes cujas penas somadas individualmente poderiam alcançar de 400 a até 2 mil anos de prisão. Os relatos dos irmãos e dos diretores do Grupo J&F Investimentos feitos à Procuradoria-Geral da República descrevem 240 condutas criminosas reunidas nos depoimentos dos delatores e em 42 anexos entregues pelo órgão ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Levantamento feito pelo Estado mostra que foram relacionados oito tipos de crimes, entre eles 124 casos de corrupção e 96 de lavagem praticados por mais de uma organização criminosa. Especialistas em Direito Penal indicam que, em tese, muitas das condutas delatadas, apesar de autônomas, foram praticadas de forma continuada, como se fossem desdobramentos de um mesmo crime.

É o caso da lavagem de partes de uma mesma propina por meio de ações diferentes para dissimular o dinheiro, tais como o uso de notas frias para encenar relações comerciais, o superfaturamento da compra de imóveis ou o uso de contratos fictícios de honorários advocatícios. Assim, as penas pelos delitos poderiam cair para algo em torno de 230 anos no mínimo e 1,3 mil anos no máximo.

A análise desses dados reacende a polêmica em torno das vantagens concedidas aos Batista nos termos do acordo de delação assinado com o Ministério Público Federal (MPF) – eles não poderão ser processados por nenhuma dessas 240 condutas criminosas, recebendo ainda imunidade em outras investigações em andamento e o perdão judicial caso sejam denunciados em outros processos.

Os empresários pagaram ainda multa de R$ 110 milhões, valor considerado insuficiente por juristas diante das condutas praticadas. Por fim, o grupo é suspeito de usar o acordo com o MPF para lucrar com operações de venda de dólares dias antes da divulgação das delações, suspeita que levou a Justiça federal a decretar o bloqueio de R$ 800 milhões do Grupo J&F.

“São (os Batista) criminosos antigos, reiterados e sem nenhum escrúpulo. A delação premiada não pode ser transformada em um instrumento de impunidade”, disse o criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que defende um dos 1.829 políticos delatados pelos Batista: o presidente Michel Temer.

Além de corrupção e lavagem, os delatores da holding J&F Investimentos relataram financiamentos por meio de caixa 2 de campanhas eleitorais de partidos políticos – o PT e seus integrantes lideram o ranking dos destinatários da propina, concentrando R$ 616 milhões dos cerca de R$ 1,4 bilhão que os Batista confessaram ter pago.

Especialista em combate à lavagem de dinheiro, o promotor de Justiça Arthur Pinto de Lemos Junior, do Grupo de Atuação Especial Contra Delitos Econômicos (Gedec), afirma que tanto a extensão quanto a qualidade da delação fortalecem a decisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de conceder os benefícios dados aos Batista. “Os ilícitos revelados são todos inéditos, eram desconhecidos até então, e o Ministério Público Federal não ia descobri-los se não fosse a iniciativa dos colaboradores.”

Defesa. O argumento é semelhante ao usado pela defesa dos Batista para justificar os termos do acordo de delação. O criminalista Pierpaolo Bottini, que defende os irmãos, diz que “parcela grande das penas que pode ser aplicada aos políticos jamais existiria sem os colaboradores”. “Além disso, é necessário verificar a qualidade da prova e a situação processual dos delatores. Ao contrário de muitos outros colaboradores, eles não haviam sido denunciados nem estavam presos quando decidiram colaborar.”

Para Mariz de Oliveira, os números alertam para o desequilíbrio do princípio da igualdade no processo criminal entre as partes – acusação e defesa. De acordo com a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a forma de o magistrado enfrentar o desafio criado pelas delações para garantir a igualdade entre as partes no processos criminais é permitir aos advogados dos demais acusados o acesso pleno a todos os documentos e provas produzidos pelos colaboradores. “A delação é também um instrumento de defesa”, afirmou a magistrada.

Pode a delação fazer o crime compensar?

Roberto Podval, criminalista

Sim. A delação deve trazer benefício ao delator, que seja algo melhor do que a pena de prisão, mas não pode se transformar em um bom negócio. Se o resultado compensar o crime praticado, a delação perde o sentido. Um réu poderia praticar um crime, alavancar-se financeiramente e, depois, devolver o valor obtido com o delito. Mas, se o produto do crime permitiu ao acusado construir um império, não basta multar o delator e deixar que ele mantenha o patrimônio. Nesse caso, o crime compensou. Enfim, o colaborador deve receber uma pena menor, mas esta não pode e não deve transformar o crime em um bom negócio.

Márcio Sérgio Cristino, procurador de justiça

Não. A polêmica sobre a transação penal é antiga. Quando a promotoria nos Estados Unidos fez nos anos 1990 um acordo com Sammy Bull Gravano, acusado de 18 homicídios, para que testemunhasse contra o chefão da máfia John Gotti, chegou-se à conclusão de que, embora o benefício ao réu fosse amplo, sem ele não se conseguiria pôr Gotti na cadeia. O que compensa nesse caso são as informações e as provas que permitem à Justiça elucidar crimes em uma proporção que seria impossível sem a ajuda dos colaboradores. Esse é o caso dos irmãos Batista. (Estadão)

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