A Comissão da Verdade e o mausoléu da mentira
Por Franklin Douglas
Por unanimidade, o Senado Federal aprovou projeto de lei 88/2011, da Câmara dos Deputados, que cria a Comissão Nacional da Verdade. Pelo que está proposto no projeto, a comissão deverá examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 1946 até a promulgação da Constituição de 1988. O objetivo é “garantir o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. A nova lei aguarda a sanção da presidente Dilma Roussef.
Ainda segundo o projeto, a Comissão da Verdade tem prazo de dois anos para a conclusão dos trabalhos. Terá uma equipe e dotação orçamentárias próprias. Entre suas prerrogativas, está a solicitação de informações, dados e documentos de quaisquer órgãos e entidades do poder público, mesmo se classificados com o mais alto grau de sigilo, além de poder determinar a realização de perícias e diligências para coleta ou recuperação de informações, documentos e dados.
A Comissão será composta por sete membros, designados pela Presidência da República, dentre brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e com o respeito aos direitos humanos. Esses membros não poderão ter cargos executivos em agremiações partidárias ou cargo em comissão ou função de confiança em quaisquer esferas do poder público. Receberão remuneração mensal de R$ 11.179,36.
Comissões da Verdade espalham-se pela América Latina, especialmente nos países onde ditaduras militares foram instaladas e sufocaram o processo democrático, como na Argentina, Chile, Peru, Equador. Como analisa o professor da Escola de Psicologia da Universidade da Costa Rica, Ignacio Dobles Oropeza, autor do livro “Memórias da dor: Considerações acerca das Comissões da Verdade na América Latina”, a instituição dessas comissões consolida a ideia de que não enfrentar a verdade é liquidar o passado, pois “o problema é que as feridas não vão se fechar nunca para as vítimas”.
A comissão da Verdade é um importante passo rumo à memória da luta do povo brasileiro, especialmente no período no qual a Ditadura Militar (1964-1985) usou todo o aparelho do Estado para reprimir, torturar e aniquilar a oposição – armada ou não – ao regime dos generais, apoiado amplamente também por civis, como José Sarney no Maranhão. Enquanto se nutria do apoio das oligarquias locais, a Ditadura massacrava e perseguia seus opositores, a exemplo do líder camponês Manoel da Conceição, ainda vivo para contar a tortura que sofreu no pau-de-arara.
Em audiência pública na Assembleia Legislativa, os deputados Bira do Pindaré e Domingos Dutra propuseram a constituição de um Comitê da Verdade maranhense, que auxilie a Comissão Nacional da Verdade a recontar também a história de maranhenses que foram perseguidos nesse período, como Augusto Marques, Maria Aragão, William Moreira Lima, Manoel da Conceição, Dom Xavier, Wagner Baldez e tanto outros.
É uma iniciativa correta e coerente com a luta do povo maranhense. Precisa ser aprimorada, com a criação, por lei, de uma Comissão da Verdade do Maranhão, para que, assim, saibamos se a governadora Roseana permitirá que a verdade venha à tona sobre o período que seu pai dizia reinar a paz no Maranhão… seja pelo comitê, seja pela Comissão da Verdade maranhense, o povo do Maranhão ficará sabendo que essa é mais uma lorota da oligarquia, tal como a “estatização” da Fundação José Sarney, proposta exatamente por aquela que já foi musa do neoliberalismo nos tempos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002, ele presidente da República; ela, governadora do Maranhão). A mesma “neoliberal” que impôs gerências, Plano de Demissão “Voluntária” de servidores públicos e a privatização da CEMAR, do BEM (Bando do Estado do Maranhão), da COPEMA, implantando o neoliberalismo do Estado Mínimo. Agora se vê: é estado mínimo para o povo, e máximo para custear a fundação do próprio pai…
A aprovação do projeto de 259/2011 pela Assembleia Legislativa do Maranhão, em regime de urgência, promovendo uma série de alterações na natureza jurídica da Fundação José Sarney e a criação da Fundação da Memória Republicana Brasileira, nada mais é do que instituir uma fundação, com o dinheiro público, dos impostos pagos por nós, para passar uma mentira às próximas gerações, a de que o Maranhão possuiu um estadista, um promotor da democracia, um homem público republicano, do tudo pelo social, e não um oligarca, a serviço do governo (qualquer que o seja de plantão: (de generais a operário), apegado ao mandonismo, ao clientelismo e ao poder a ponto de, mesmo perdendo as eleições nas urnas, tomá-la de seu adversário via golpe judiciário, incapaz de retirar, em quase 50 anos de controle político, o povo de seu estado do analfabetismo, da miséria, da fome, da morte por falta de hospitais: nada pelo social!
Estarrece saber, por exemplo, que, como patrono e tutor da fundação, Sarney terá sua vaga preenchida no conselho da fundação por seus herdeiros, patrimonialismo típico das monarquias e das leis da Constituição do Império, de 1824. Kadaffi é fichinha perto do “nosso ditador”…
Como bem anota o jornalista Emílio Azevedo, editor do jornal Vias de Fato, se o Brasil avança ao criar sua Comissão Nacional da Verdade, o Maranhão regride ao criar o mausoléu da mentira para José Sarney.
*Franklin Douglas, jornalista e professor, escreve para o Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente
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