Os valores contemporâneos e a busca por novos sentidos da vida

RUY PALHANO
Psiquiatra, Membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).
Nos últimos anos, a sociedade mundial passou por transformações profundas em seus valores sociais, culturais e comportamentais. Vivemos uma época marcada por contradições: por um lado, avanços tecnológicos e maior visibilidade das diversidades; por outro, crescente descrença nas instituições, aumento do cinismo e fragilização dos laços humanos. Esse contexto reflete uma crise de valores cujas raízes são necessárias para que possamos enfrentar os desafios do presente e construir um futuro mais humano.
O individualismo crescente é, talvez, o fator mais central dessa transformação. A ênfase excessiva no eu, na realização pessoal e na liberdade individual tem como contraponto o enfraquecimento dos vínculos comunitários e da responsabilidade coletiva. Quando as pessoas priorizam apenas seus interesses, há menos cooperação e solidariedade, o que afeta tanto a vida social quanto a política. A solidão, a depressão e a dificuldade de convivência tornam as consequências visíveis desse modelo cultural, reforçadas pela lógica do capitalismo contemporâneo e pelas redes sociais.
Paralelamente, uma polarização política e ideológica se intensifica, dividindo a sociedade em blocos opostos e frequentemente intransigentes. Essa divisão não se limita ao campo político, mas invade escolas, famílias e espaços de trabalho.
As plataformas digitais amplificam narrativas extremadas, promovendo a intolerância e a hostilidade entre grupos diferentes. Em vez de incentivos ao diálogo e à construção de consensos, a polarização paralisa a sociedade e alimenta o medo do “outro”, minando a própria base da convivência democrática.
Esse cenário é agravado pela descredibilidade das pessoas e das instituições. Escândalos políticos, falhas educacionais, crises religiosas e manipulações midiáticas corroeram a confiança em figuras públicas e sistemas essenciais. Quando as pessoas veem que as autoridades agem com hipocrisia ou negligência, elas tendem a duvidar até mesmo das relações interpessoais. Isso gera ceticismo, apatia e uma busca por alternativas radicais, muitas vezes sem base sólida.
Outro aspecto relevante é o oportunismo crescente em diferentes esferas da vida. Políticas mudam de posição de acordo com o interesse eleitoral, os profissionais utilizam causas sociais para obter visibilidade e aproveitamento de situações de crise individuais para obter vantagens.
Esse tipo de comportamento se fortalece em contextos de instabilidade, onde as regras aparentemente flexíveis e a fiscalização são fracas. O oportunismo corrói a ética pública e privada, prejudicando a construção de projetos sérios e duradouros.
Já o cinismo crescente surge como resposta emocional à frustração diante da hipocrisia e da falta de resultados concretos. Muitas pessoas adotam uma postura irônica ou resignada diante da injustiça, achando que “todo mundo faz isso” ou “nada vai mudar mesmo”. Embora possa parecer crítico, o cinismo, na verdade, normaliza práticas antiéticas e impede mobilizações sociais, contribuindo para a perpetuação de problemas estruturais.
Essa cultura de aparência e conveniência também se manifesta na falta de honradez e insinceridade nas relações humanas. Com a pressão pelo sucesso e pela acessibilidade social, muitos assumem papéis que não envolvem à sua realidade, gerando interações superficiais e distantes. Quando a honestidade é punida ou ridicularizada, ela passa a ser vista como fraqueza, enquanto a mentira se torna estratégia de defesa ou avanço social.
As mudanças no papel da tecnologia e das redes sociais também merecem destaque. Elas moldaram novos padrões de comunicação, atenção e autoestima, especialmente entre os jovens. A exposição constante, a comparação com vidas idealizadas e a violência digital afeta diretamente a saúde mental, criando um ambiente de ansiedade e dependência. Além disso, a disseminação de informações falsas e o discurso de ódio amplificam divisões sociais e culturais.
Por outro lado, a mudança nos valores familiares e nas relações interpessoais reflete maior acessibilidade da diversidade e conquistas importantes em termos de liberdade. No entanto, também traz desafios: crianças e adolescentes podem passar por situações de insegurança emocional em contextos familiares instáveis. A família, antes do principal espaço de formação moral, perde influência, exigindo que outros ambientes — como a escola — assumam esse papel.
O aumento da diversidade cultural e identitária representa um avanço civilizatório, com maior reconhecimento de direitos e representatividade. No entanto, essa visibilidade também gera resistências conservadoras e conflitos ideológicos. É preciso equilibrar a luta por justiça social com o respeito ao diálogo e à pluralidade de visões.
Também notamos uma redefinição do conceito de sucesso e felicidade, com ênfase em propósito e bem-estar. Embora positiva, essa mudança cria pressões diferentes: a exigência de ser feliz constantemente pode levar à frustração e ao esgotamento. Além disso, modelos de vida idealizados nas redes sociais distorcem expectativas, dificultando a acessibilidade de trajetórias mais realistas.
O aumento da violência simbólica e real é outro reflexo dessas transformações. Discriminação, preconceito e discurso de ódio legítimo a excluído e excluído para ciclos de violência física. Ambas interligadas: enquanto a violência simbólica é marginalizada, a real exclusão concreta, especialmente em contextos vulneráveis.
A mudança nos papéis de gênero é uma revolução importante, com homens e mulheres assumindo funções mais flexíveis na sociedade. Apesar dos avanços, persistem resistências culturais e estruturais, como a dupla jornada feminina e a pressão sobre homens que assumem papéis considerados “femininos”.
Em suma, vivemos uma fase de transição marcada por rupturas e reconstruções de valores. Fenômenos como o individualismo, a polarização, a descrição institucional e o cinismo refletem uma sociedade em busca de novos sentidos e referências.
Para superar esses desafios, é fundamental investir em educação crítica, diálogo intergeracional e fortalecimento de valores como empatia, honestidade e solidariedade. A proteção do tecido social não é fácil, mas é possível — e necessária — se quisermos construir um mundo mais justo, ético e humano.
O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.