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Envelhecer (Parte II)

JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Corregedor Geral da Justiça
E-mail: [email protected]

Que seria de mim se não tivesse a capacidade de pensar, de atender, enfim, às expectativas da minha imaginação, e de, no mesmo passo, reviver o tempo passado?

Os cabelos brancos, a pele flácida, a saudade inquietante em face do que vivi e do pouco (?) que usufruí, dão a exata dimensão do que o tempo é capaz de fazer. Tempo que só tem relevância se formos capazes de compreender, com Mario Quintana, que a vida é dever que trouxemos para fazer em casa, e que, depois de algum tempo, se não formos capazes de cumprir bem o que nos propusemos a fazer, será tarde demais, porque aí já teremos sido reprovados.

O tempo passa sem fazer concessões. E “quando se vê, já é Natal, quando se vê, já terminou o ano, quando se vê já se passaram 50 anos…” (Mário Quintana, ibidem), sendo que, no meu caso, já se passaram mais de setenta e dois.

Digo, a propósito, que insano é quem não se dá conta dessa realidade e desperdiça o melhor da vida complicando as coisas simples, daí que, se tivesse me dado conta antes, não teria, em determinados momentos, como tolamente o fiz, disparado a minha “metralhadora cheia de mágoas”, destruindo pontes e galvanizando, desnecessariamente, inimizades e antipatias (Cazuza).

Consciente de ter envelhecido, quero agora conduzir a minha vida em paz, até onde o tempo me premiar com sua generosidade.

Velhinho capeta, mal-humorado, criador de caso não sou – não quero ser.

Não sei ser assim; se fui um dia, disso não me ufano.

Velhinho simpático?

Também não sou.

Se não fui simpático na juventude, é muito pouco provável que o seja na velhice.

Mas eu tenho arroubos de simpatia, sim; espasmos de simpatia, admito.

O que fica de lição, depois de tudo, é que, se não podemos parar o tempo, devemos, ao menos, com o tempo vivido e com o tempo que nos resta viver para amar o próximo, para respeitar as diferenças, para afagar quem precisa de afago, para ajudar a minimizar a dor de quem sente dor, dar carinho a quem dele necessita, ser solidário com o sofrimento alheio.

Olho, mais uma vez, para o meu corpo e vejo que não cuidei de mim como deveria.

Não cuidei da matéria – e nem cuidei da alma.

Sei que é impossível, mas queria, sim, voltar no tempo, para poder reparar os erros que, podendo, não evitei cometer.

Se voltasse no tempo, faria muitas coisas diferentes.

Diferente dos arrogantes, eu admito, sim, que não faria tudo outra vez.

Eu faria só parcialmente o que fiz.

Eu, no mínimo, faria a mim as concessões que não fiz, e seria mais tolerante com os erros dos outros – e com meus próprios erros, em razão dos quais me impus desnecessário sofrimento.

Eu, muitas vezes, fui rude comigo mesmo – por birra e insensatez, admito.

Exigi de mim muito mais do que deveria.

Nessa questão estive próximo da irracionalidade.

Eu sou, sim, esse ser contraditório que as palavras desnudam.

A obsessão de acertar, de ser correto num mundo complexo como o nosso, me fez envelhecer mais rapidamente ainda.

Agora, não tem mais jeito.

O meu futuro é agora.

Agora é viver, admitindo que a lição já sei de cor, e que, diferente do que proclama o poeta, eu aprendi, sim.

Não dá para brincar de viver; nunca brinquei de viver, na verdade, conquanto admita que, em determinados momentos da vida, não sublimei a arte de viver quando o mundo me disse não (Guilherme Arantes).

Eu até poderia brincar de viver, eu poderia reaprender a viver, não tivesse feito opção por uma austera forma de ser e de encarar a vida.

Olho para mim mesmo e, às vezes, não me reconheço.

Nos registros de antanho me vejo ali: vinte, trinta, quarenta anos atrás, jovem, vivendo os espasmos da juventude que não aproveitei, pois o meu espírito envelheceu rapidamente, premido pelas circunstâncias da vida.

A verdade é que tive que me tornar adulto antes do tempo.

Agora, estou eu aqui aos setenta e dois, vivendo com a certeza de que entre os sentimentos que experimentei – e que movem a minha vida até hoje – o que me fez mais digno do ser humano que sou é o amor, por isso insisto, com o poeta popular, que, amando, vejo que a história parece não ter fim, daí que desejo amar todos que cruzarem o meu caminho.

É isso.

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