Envelhecer (Parte I)

JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Corregedor Geral da Justiça
E-mail: [email protected]
Se me perguntarem hoje quantos anos tenho, respondo que tenho os anos que me restam; os que vivi já não os tenho mais.
A convicção que tenho é que o tempo passou e deixou em mim a certeza de que não são muitos os anos que me restam.
A verdade é que há muito tenho a idade dos que têm prioridade nas filas de atendimento, daí a inevitável conclusão: a juventude, agora, vive na minha saudade.
Sobre a questão tenho agido de forma pendular.
Há momentos que me sinto velho; há outros que me sinto jovem, projetando realizações para o futuro, futuro que, para os como eu, é logo ali, ou mesmo aqui e agora, afinal, como diz o genial Gilberto Gil:
“Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
Que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos”
Tudo, porém, são confusões da minha mente, porque, afinal, envelhecer termina sendo um privilégio, razão pela qual tenho tentado encarar a velhice com naturalidade.
Ou não.
Não sei.
Pode ser que sim; pode ser que não.
Acho até que não.
Compreendo, no entanto, que só em estar refletindo sobre a questão já evidencia que não encaro a velhice com a naturalidade que gostaria.
Aquela história de que o tempo parece que não passou, para mim não cola, e um dia, num breve dia, quando eu tiver saído para fora do teu círculo (do tempo, refiro-me), não serei, nem terei sido (Caetano Veloso, Oração do tempo); simples assim.
O tempo passou, sim.
E como passou.
E como foi rápido.
E como deixou marcas em mim.
Vejo-as por toda parte: no rosto, no corpo – e, agora, vejo-as, também, na mente, pois minha memória, que nunca foi boa, está mais seletiva que nunca.
Não me desespero, porém, diante dessa realidade.
Será?
Nessa questão sou bem resolvido.
Jura?
Nem eu mesmo sei por que faço essas afirmações ao tempo em que reflito sobre elas, pois quem me conhece sabe dos meus conflitos com o tempo.
Eu não sou bem resolvido nessa questão, preciso ser leal com as minhas idiossincrasias.
Como não posso voltar no tempo, só quero viver bem o tempo que me resta.
Mas queria viver sem conflito com o tempo; conflito que potencializa minha angústia em face dos planos que ainda faço para o futuro.
Vivo em conflito com o tempo, admito.
Mas não esqueço, entrementes, que foi o tempo que me permitiu realizar o que realizei; pouco, é verdade. Todavia, realizei e isso importa.
Convém indagar agora: fiz por merecer os anos vividos?
Cumpri bem o meu papel?
Tenho que me orgulhar?
Creio, imodestamente, que sim.
Mas admito que fiz menos do que podia ter feito. Todavia, ainda assim, realizei e, fundamentalmente, sei que deixarei, por exemplo, lições de como deve se comportar um pai de família; esse, talvez, o meu maior legado.
Irrelevante a minha história?
Para muitos sim; para mim, não.
Mas admito que podia ter sido mais audacioso, mais intrépido, enfim, afinal, muitas vezes, podendo reagir, me acovardei e paguei o preço da omissão.
Tempo é tempo e nada se pode fazer para impedir o seu curso.
Eu não posso, ninguém pode domar o tempo.
Tudo isso, repito, são confusões da minha mente.
É melhor mesmo que o tempo flua à solta, sem embaraços, sem impedimentos, afinal, tudo flui, tudo é fluxo, e é preciso viver a dança da realidade com ensina Heráclito, ou, como ensina Gilberto Gil,
“Não se iludam
Não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo”
E que cada um saiba viver o seu tempo, o seu momento, a sua história, afinal somos os únicos responsáveis pelas escolhas que fazemos.
O racional mesmo é viver e deixar o tempo passar.
O hoje será, inevitavelmente, o ontem e o amanhã… Bem, o amanhã a Deus pertence.
De meu lado, espero viver mais algum tempo para testemunhar o que virá.
Apesar da idade, eu vivo a perspectiva do que porvir, sim, ainda que saiba que existe uma grande possibilidade de não protagonizar o que virá, face à inevitabilidade do fim.
Até quando posso esperar para viver o que espero que um dia virá?
Não sei.
Só sei que não tenho muito tempo de espera; e isso me aflige.
Olho-me no espelho e vejo as marcas do tempo.
Olho para os registros antigos e concluo que o tempo é implacável e que vivo agora, mais do que nunca, a angústia da brevidade da vida.
E nesse cenário me questiono, mais uma vez: eu fiz o que devia ter sido feito?
Valeu a pena?
Fiz o certo?
Onde errei e onde acertei?
Não se volta no tempo.
Impossível, bem sei.
O que passou, passou.
Mas não custa transportar o pensamento para o passado, porque isso ajuda a entender o presente.
Pensar não faz mal, mas pode, sim, impor sofrimento – às vezes, desnecessariamente.
Pode, todavia e noutro giro, energizar a alma.
É que, pensando, volta-se no tempo, única possibilidade de reviver o passado.
Voltando no tempo, as lembranças me vêm à mente, me alertando que ainda tenho alguma sanidade e que o tempo, mesmo implacável, não foi capaz de apagar as coisas boas que vivi, preservando em mim a capacidade de sorrir, mesmo diante da constatação de que o mundo muitas vezes me disse não.
É isso.
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