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E de repente me tornei órfão

CEL. CARLOS FURTADO*

Há sete dias, a terra guardou o último suspiro de minha genitora. Eu não estava lá, mas sei, pela certeza que só o amor oferece, que ela cumpriu a sua despedida. Em seus últimos momentos, abriu os olhos que o Alzheimer havia velado, fixou o olhar sereno em quem estava por perto, e nesse gesto silencioso, fez um adeus. E depois, adormeceu profundamente, trocando o sono da doença pelo repouso eterno.

Receber a notícia de sua partida foi um impacto que ecoou na alma. Desloquei-me imediatamente, movido pela necessidade de um último olhar, de contemplar a face que me deu a vida. Ali, no silêncio da despedida, seu semblante estava tranquilo, sereno, como se pudesse sussurrar: “Cumpri minha missão”.

Enquanto a contemplava, minha mente se encheu de reflexões, de detalhes. Ela voltava aos braços do Pai, para o banquete celestial, para o encontro com aquele que a antecedeu. Meu pai, que partiu exatos trinta e cinco dias antes, e que até pouco tempo antes, vivia na preocupação de “deixar a sua velha”. Por mais de quarenta anos, ele cuidou dela com um zelo extraordinário, especialmente após o diagnóstico cardiológico dos anos 1970, que lhe dera apenas três meses de vida.

Mas meu pai tinha um espírito indomável. Juntou o que tinha, contatou amigos e partiu para os grandes centros, o Rio e São Paulo, em busca de novas técnicas, novos procedimentos. E ele estava certo. Mais de cinco décadas se passaram, e ela continuou conosco.

Eles puderam testemunhar e acompanhar meus gloriosos trinta e cinco anos na Polícia Militar do Maranhão, minhas inúmeras conquistas, minhas viagens de estudo e os reconhecimentos que me foram concedidos. Também vivenciaram a colocação do meu sonho em prática com a criação da Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes (Amclam). Meus pais foram, em todos os sentidos, minha base. Participaram ativamente de minha vida, me ajudaram a tomar decisões, me orientaram e oraram por mim. Era constante a minha presença em seu lar, para pedir a benção, conversar, dialogar e mantê-los a par de tudo.

Eis a razão do vazio, a razão de eu me sentir órfão. Já não conto mais com suas presenças físicas, apenas com a espiritual. Minha conexão agora se fortalece nos direcionamentos que me ofertaram, nos valores e princípios arraigados, na fé inabalável que nutriam e que me direcionavam.

Não sinto tristeza com suas partidas, pois sei que a missão foi cumprida. Sinto, no entanto, uma saudade imensa. A saudade de um olhar, de uma palavra, de um abraço. A saudade que me lembra que o amor transcende o plano físico e se eterniza em cada passo que dou.

*Carlos Furtado é escritor, presidente da Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares (Amclam). Presidente da Academia de Letras dos Militares Estaduais do Brasil e do Distrito federal (Almebras). Vice-presidente da Federação das Academias de Letras do Maranhão (Falma).

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