A indústria da guerra e o colapso do modelo Bretton Woods: ruínas visíveis e silêncios eloquentes

CÁSSIUS GUIMARÃES CHAI*
Os recentes bombardeios realizados pelos Estados Unidos contra instalações nucleares iranianas, seguidos da imediata retaliação diplomática por parte de Teerã com o bloqueio do Estreito de Hormuz, responsável por aproximadamente 20% do comércio global de petróleo, não representam um acidente da geopolítica. São, na verdade, sintomas crônicos de um sistema internacional construído não para garantir a paz, mas para administrar conflitos sob a ótica de interesses financeiros consolidados desde o pós-Segunda Guerra Mundial.
O modelo fundado em Bretton Woods (1944), que consagrou o dólar como moeda de reserva e submeteu o comércio global à arbitragem de instituições como o FMI e o Banco Mundial, criou uma arquitetura que prioriza a estabilidade financeira das potências em detrimento da autodeterminação dos povos. Desde a dissolução do lastro-ouro em 1971, o que vigora é um sistema de laudêmios financeiros pagos não em metais, mas em aceitação geopolítica. O SWIFT, sistema que intermedia os pagamentos bancários internacionais, tornou-se a moeda simbólica desse novo tributo invisível: quem não adere, é bloqueado.
O bloqueio do Irã ao Estreito de Hormuz, nesse sentido, pode ser lido como uma contraofensiva simbólica contra um sistema no qual o direito ao desenvolvimento é sancionado, e o comércio de armas é liberado. Os dados da SIPRI (2024) indicam que, enquanto o Irã sofreu mais de 8.000 sanções em vigor, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança concentram mais de 76% da exportação global de armamentos. Não se trata, portanto, de proteger a paz, mas de administrar sua ausência de forma lucrativa.
A reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU, tensionada pelos vetos estratégicos de Rússia e China e pela retórica bélica norte-americana, apenas reitera a obsolescência funcional dessa estrutura. Criado para ser guardião da paz, o Conselho tornou-se uma câmara de arbitragem entre quem pode guerrear e quem deve se submeter às regras dos vencedores de 1945. A crise não é nova, mas é agora irremediável: mais de 70 resoluções sobre o Oriente Médio foram vetadas nos últimos vinte anos, mesmo diante de crimes amplamente documentados por agências da própria ONU.
Nesse cenário, a explosão do termo “Terceira Guerra Mundial” nas redes sociais, muitas vezes tratado com ironia pela geração Z, revela um paradoxo: o discurso tradicional da diplomacia perdeu conexão com os sentidos reais da juventude global. Fala-se em paz, mas o fluxo financeiro para as indústrias de defesa aumentou 9,4% em 2023, alcançando o recorde de US$ 2,4 trilhões. Empresas como Lockheed Martin, Northrop Grumman e Raytheon experimentaram valorização acelerada após os primeiros ataques no Golfo. A guerra, hoje, é mais cotada que o trigo.
Ao mesmo tempo, os sistemas de compensação financeira e o controle sobre moedas digitais estão sendo usados como instrumentos de coerção estratégica, e não como mecanismos de estabilidade. O SWIFT, criado para promover segurança nas transações bancárias internacionais, passou a operar como arma de guerra híbrida, bloqueando unilateralmente o acesso de países não alinhados aos interesses do eixo euro-atlântico. Os exemplos do Irã, da Rússia e, mais recentemente, de algumas sanções preventivas à China no setor tecnológico, revelam que a “governança financeira global” é seletiva, assimétrica e dotada de baixa transparência.
Essa realidade coloca em xeque o princípio fundamental do multilateralismo: a igualdade soberana dos Estados. A paz que se propõe no discurso oficial das potências é, na prática, uma paz precária, dependente da aceitação de um sistema onde as regras são interpretadas conforme a utilidade de quem as impõe. A guerra torna-se, assim, a extensão da finança por outros meios, não apenas com mísseis, mas com bloqueios monetários, exclusões tecnológicas e apagamentos diplomáticos.
As ruínas do financismo não se limitam ao colapso moral de instituições internacionais; elas se expressam também na falência prática de mecanismos de governança global. Enquanto bilhões são destinados à dissuasão nuclear e ao rearmamento, os fundos climáticos são subfinanciados, as metas da Agenda 2030 são abandonadas e os países do Sul Global permanecem presos à lógica do endividamento perpétuo.
O que a atual escalada militar revela, portanto, não é apenas o fracasso de uma diplomacia inefetiva, mas a transparência cruel de um sistema em que o discurso da paz encobre o interesse pela permanência da guerra como motor econômico e ordenador do mundo.
Diante disso, impõe-se uma nova gramática para a governança internacional. Não bastam reformas cosméticas. É necessário reformular os conceitos de soberania, segurança e paz, com base em critérios de equidade real, respeito aos direitos dos povos e controle democrático sobre os fluxos financeiros que hoje sustentam o desequilíbrio global.
*Acadêmico da Amclam cadeira nº40, professor titular da Ufma, Geopolítica e Direito e Regulação de Atividades Espaciais (PPGAERO) e Sistemas de Justiça e Desenvolvimento (PPGDIR), professor permanente FDV, Geopolítica, Criminologia e Desenvolvimento PPGD/FDV, diplomado em Política e Estratégia CAEPE/ESG, curso superior de Defesa ESG.
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