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O barulho do mundo me cansa

LUIZ THADEU NUNES E SILVA
Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.           
Instagram: @Luiz.Thadeu                   
Facebook: Luiz Thadeu Silva
E-mail: [email protected]

 

Em um mundo cada vez mais barulhento o silêncio é um bálsamo. Cada dia que passa, as cidades estão mais cheias de gente, carros, prédios, buzinas, barulho. No meu entorno, estão erguendo quatro edifícios. Britadeira, bate estacas, sirenes, caminhões desembarcando material, caminhão retirando entulho. Trânsito caótico: excesso de carros, enxame de motocicletas, correrias, buzinas. Mais barulho.

Sou bípede, mamífero e urbano, tenho que me adaptar a tudo isso. “A aceitação, no sentido mais elevado, não se reduz à passividade ou à resignação estéril. Antes, ela remete à antiga sabedoria estoica, que compreendia a existência como regida por um logos imutável, uma ordem cósmica que transcende a vontade humana”, li, recendente, em algum lugar.

Para Sêneca e Epicteto, filósofos gregos: “aceitar o que escapa ao domínio do indivíduo era não apenas um ato de serenidade, mas uma expressão de sabedoria e liberdade”. Na medida em que se reconhece a inalterabilidade de certos aspectos da vida, o ser humano se emancipa da ansiedade e encontra uma paz que não depende das circunstâncias externas, mas da lucidez interior.

No entanto, a aceitação não se encerra na filosofia estoica. Ela também pode ser vista como um ato de resistência silenciosa, um rompimento com as imposições da sociedade que exigem constante ascensão, produtividade e transformação. Bingo. Tudo está em transformação constante e permanente. Os terrenos vazios próximos onde moro darão lugar a centenas de apartamentos, centenas de carros, milhares de pessoas. Novas famílias, novos arranjos familiares. Na praça em frente ao condomínio, observo jovens casais, carrinhos com bebês. Transeuntes com seus cães de estimação, mulheres com bebês reborns. Li um artigo recente que dizia que “vivemos tempos em que filhos colocam pais em asilos e passeiam com cães”. Tempos carentes de afeto. Há uma subversão implícita na aceitação do que não podemos mudar; pois, ao fazê-lo, recusamos os imperativos normativos que ditam que devemos ser melhores, mais fortes, mais bem-sucedidos. Aceitar-se é um ato de autenticidade radical, um retorno à própria essência, livre das máscaras impostas pelo olhar do outro.

Em tempos de hiperconexão, racionalidade excessiva e obsessão com a competição e a produtividade, o silêncio, pela lógica transacional, é um ato de transgressão. A entrega genuína é sabotada pelo medo de não corresponder às expectativas, muitas vezes idealizadas. Por isso, vivemos em um mundo cada vez mais barulhento.

O barulho do mundo me cansa, e a superficialidade me chateia. Hoje, no outono da vida, entendo: é melhor a quietude sincera do que presenças que nada acrescentam. Meu olhar, antes tão aberto, agora escolhe com mais cuidado a quem permitir ficar. Valorizo aqueles que trazem verdade nos gestos e leveza na alma. Não é afastamento por orgulho, mas um zelo por tudo que levei tempo para construir por dentro. Descobri que ficar só não é fraqueza, mas respeito próprio quando um lugar já não abraça quem me tornei. Prefiro a tranquilidade da minha própria companhia, a ficar perdido em meio à multidão. Porque, no fim, a paz que encontro no silêncio, vale mais do que qualquer aglomerado de gente. Talvez, a liberdade não seja a multiplicação das possibilidades, mas o acolhimento sereno da impossibilidade. Saber que não se pode tudo, e ainda assim, continuar. Pensar, sentir, e viver, mesmo sob o véu espesso das mudanças, é o gesto mais profundo de lucidez que o espírito humano pode oferecer a si mesmo.

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