“Mães” dos Bebês Reborn: fuga à maternidade real ou caso de análise biopsicossocial?

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.
O psiquiatra carioca Marcos Cruz, salvo engano, é o autor da frase “seria cômico se não fosse trágico, matar o canibal e herdar a sua fome”. A expressão parece que também se aplica aos novos fatos envolvendo mulheres que enfrentam problemas seríssimos de vocação à maternidade real em detrimento da virtual ou de comodidades diversas. Trata-se de um reflexo de um sistema mundial frio e desumano, que objetifica a pessoa humana sobre vários aspectos dos manejos existenciais.
Penso que Machado de Assis foi muito profético em O Alienista, cujo cerne precípuo está na condição do médico psiquiatra de então, Simão Bacamarte, aquele que cuidava dos chamados alienados ou doentes mentais, que diante de tantas loucuras internas e externas observados nos meios comunitários do período, resolvera internar a todos e todas diante dos “distúrbios identificados”. No entanto, ao chegar à conclusão que, ao invés de continuar a internar todos os integrantes da sociedade, deveria dar alta aos pacientes já custodiados, para se internar, já que só sobraria a pessoa dele no universo de todos os seres humanos pertencentes à sociedade da qual convivia. Isto é, o louco não é mais o outrem de quaisquer facetas, mas somente ele mesmo, por excelência.
Recentemente, foi aprovado, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei com o objetivo de coibir os abusos cometidos pelas pessoas portadoras de um evidente distúrbio de personalidade ou perversão psíquica. A referida proposta surgiu ante aos escândalos bizarros envolvendo mulheres, geralmente jovens, levando seus “filhos” ou “filhas” reborn para atendimentos diversos nos órgãos públicos e privados de saúde e até nos mercados quando no direito de preferência em filas de espera, em face de estarem com seus bonecos ou bonecas, na condição de bebês humanos em puro estágio de delírios fantasmagóricos, obviamente.
Claro que alguém ou grupos de interesses econômicos andam fomentando, de alguma forma, o comércio de tais bonecos ou bonecas nos mais diversos mercados. Alimenta-se, assim, uma indústria de uma loucura plantada pautada na exploração das fragilidades humanas, mesmo que isso causem terríveis consequências à pessoa humana. Essa prática pode ter consequências devastadoras para pessoas que tenham sido vítimas de possíveis traumas na infância ou adolescência ou até mesmo do mundo virtual, que tanto se apresenta como um conforto ilusório do mais cômodo frente às exigências uma vida real impõe a todos e todas sobreviventes dos tempos atuais.
O cantor nordestino Geraldo Azevedo, numa de suas belas composições, assevera que o real e a fantasia sempre se desfazem no final… O que nos parece fato.
Penso que Freud, Lacan e outros pensadores da psicologia, psiquiatria e psicanálise que já “partiram”, assim como seus atuais seguidores, devem estar se perguntando qual a panaceia para se conter ou fazer a ficha cair no “inconsciente coletivo” feminino, no sentido de que algo de anormal lhe esteja afligindo a existência na acepção de substituírem o sonho maternal em todos os sentidos para um mundo de tantas fantasias e facilidades afins?…
É bem comum, diria até natural, que mulheres e homens terem sonhos da procriação, não apenas como forma de continuidade da espécie, mas como maneiras social e cultural de ter o prazer de assumir as condições de maternidades ou paternidades como gozos de suas existências numa retrospectiva recebida de suas origens. Notadamente, não se trata de apenas lançar a prole à terra, mas de se imprimir amor no cuidar e preparar para a vida do por vir, sempre em estados de boas preocupações e zelo, ou seja, no eterno prazer de amar seus “pedaços” existenciais representados nos filhos e filhas advindos da relação conjugal normal.
Recentemente, assisti uma análise do roqueiro brasileiro Lobão estendendo sua preocupação que o fenômeno dos bebês reborn, não se limita a apenas ao universo feminino. Em sua visão, no atual estágio da humanidade, o mais fácil, o mais cômodo, o superficial, o permanente estado de comodidade e até de passividade às novas imposições culturais, transcendem a questão da maternidade. Tal contexto exige também músicos reborn, poetas reborn, médicos, advogados, entre tantos outros, que atuam em uma lógica sintética e superficial de se viver nos tempos atuais.
Nesse cenário, os cérebros humanos terminam induzidos a buscarem o caminho mais cômodo para a vida em meio da volatilidade que se tornou a existência contemporânea, diante das invenções modernas que tanto relativizam a arte de viver para o “bem viver”, desde que se leve tudo na condição de objeção da própria existência humana no chamado tempo pós-moderno. Isto é, boneco por boneco, todos se tornam bonecos em conveniências recíprocas, mesmo enfrentando os desafios de serem desmascarados diante de uma grave e perigosa doença biopsicossocial dos novos tempos.
A coisa é tão séria que, não havendo freios profiláticos com certeza inúmeras “oficinas-hospitais” deverão surgir para atenderem tais demandas mercadológicas, pena que, se não tiverem outras abordagens a fim de identificarem com notificações médicas obrigatórias à psiquiatria pública, tão distante ficaremos em saber se as “mães” dos Bebês Reborn, tratam realmente de fuga à maternidade natural ou de caso de análise biopsicossocial, propriamente dito.
Enquanto isso, a loucura hodierna vai reocupando seu espaço e se revelando que outros Simãos Bacamartes precisarão aparecer para darem solução a tão infantilização da existência humana, negando a própria perpetuação da espécie para o por vir.
O mais grave que algo muito estranho e eloquente, se não oligofrênico teria que acontecer a fim de desviar a atenção nacional dos graves problemas políticos que atravessa o país com a maldita polarização política que insiste dividir o Brasil nas extremas bandeiras partidárias que mais nutrem ódios entre si, que saídas por um país melhor efetivamente para todos.
Oxalá nos diga o contrário e nos salve dessa nova derrocada humana e até nos coloque de volta a frase do Maluco Beleza, Raul Seixas, numa pronúncia reversa, ou seja, prefiro ser não mais aquela metamorfose ambulante, mas manter a velha opinião formado sobre tudo, amém!
O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.