Indignação – polarização – indefinição

TEODOMIRO DE JESUS DINIZ MORAES*
A partir do momento em que a política não responde mais aos anseios da população, o aparato estatal volta a ser um mero instrumento da classe dominante, e a representação democrática não será mais do que um mecanismo inoperante e ineficaz para tocar qualquer tipo de transformação social.[i]
Há bastante tempo a sociedade brasileira convive com desencantos no dinâmico, complexo e injusto contexto sócio-político-econômico. Esse desapontamento é materializado na insatisfação com o desamparo, com a falta de assistência e com a dependência de migalhas para sobrevivência, resultante de tudo que lhe tem sido negado, sonegado e surrupiado por todas as administrações púbicas desde a descoberta do País.
O déficit cumulativo gerado e a ambição desmedida pelos recursos públicos, com severas implicações na educação, saúde, saneamento, segurança, habitação, emprego, alimentação, vestuário e lazer, especialmente, gerou três estamentos socias distintos: o dos que vivem, o dos que sobrevivem e o dos indigentes.
Tendo em vista as características de cada um dos estamentos estarem bem visíveis no cotidiano das relações sociais e a percepção de pertencimento ser inequívoca, é necessário apenas citar brevemente os seus traços mais importantes.
Viver, implica experiência mais rica, com significado e propósito, onde a vida é valorizada e a realização pessoal é buscada; sobreviver refere-se à capacidade de manter-se vivo em condições adversas, focando na resistência e no cumprimento de necessidades básicas; enquanto indigentes não têm condições financeiras para suprir as próprias precisões, vivendo por isso à margem da sociedade e às expensas do “Estado”.
Esse quadro instalou-se na sociedade e com o passar dos séculos se agravou, tanto pelo aumento de sobreviventes e indigentes quanto pela piora ética dos que integram o universo de dirigentes públicos e do sistema capitalista. Assim, convive-se no século XXI com todas as mazelas percebidas e sentidas como produto desse descalabro histórico.
Destaca-se, ainda, que durante esse período o comportamento dos sobreviventes e indigentes é marcado pela subalternidade, revolta silenciosa, humilhação e fadiga, crença na felicidade das gerações futuras, alienação e resistência e, sobretudo, pelas estratégias para melhor sobreviver, apesar de tudo. Sendo forjada nesse ambiente a INDIGNAÇÃO, que tem se manifestado como descontentamento e resistência, desde a Revolta de Beckman (1684) até os episódios 8 de janeiro de 2023.
Tal comportamento no qual é gestada a indignação tem estreita relação com a dinâmica do poder político, que da colônia aos dias atuais se caracterizou pelo autoritarismo, populismo e oportunismo, com raríssimas exceções de legitimidade não integrante dessa tríade, mas que não conseguiram imposição sobre a regra.
Essas categorias têm conceitos distintos, mas com potencial de interconexão na política. O autoritarismo (forma de governo) é um governo que concentra o poder; o populismo é uma retórica que se apoia no “povo” contra “elites”, e o oportunismo é o aproveitamento de situações para benefício próprio, muitas vezes em detrimento de valores democráticos. A conjuntura atual, por exemplo, está propícia para o oportunismo.
Essas formas de exercício do poder com a ausência de limites e narrativas críticas simplistas às elites resultaram na grave degeneração social, com consequências como corrupção, desrespeito aos direitos humanos e perda da confiança nas instituições. A história demonstra que o poder, quando não é exercido com responsabilidade e ética, pode ser utilizado para interesses próprios, em detrimento do bem comum, como percebe-se no cenário vigente.
É nesse ambiente, com a classe política em descompasso com os interesses sociais, na busca do poder pelo poder; com as instituições questionadas; o capitalismo voraz; e, com o advento das redes sociais que veiculam indignações de toda ordem, que a POLARIZAÇÃO política apresenta-se como o mais novo e pernicioso fato concreto a preocupar os brasileiros, com a intensificação das “divisões ideológicas”, a diminuição do diálogo e da busca por consensos entre diferentes grupos de opinião, a desconfiança na política e a disseminação de notícias falsas.
Como são fenômenos interligados, onde a indignação, frequentemente desencadeada por eventos sociais ou políticos, pode intensificar a polarização e, por sua vez, a polarização pode gerar maior indignação, a INDEFINIÇÃO quanto ao futuro do País é o que emana desse quadro sócio-político-econômico conflagrado e conturbado.
No próximo texto – superação da polarização – canalização da indignação – da indefinição para a planificação.
[i] Tomás Rigoletto Pernías – A desigualdade social e corrosão da democracia
*Acadêmico efetivo, titular da cadeira nº 33, da Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares (Amclam), patroneada pelo Cel. PMMA Raimundo Onésimo Lemos Ribeiro. Comandante-geral da PMMA (Mai/2000 – Out/2001). Filósofo e advogado.
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