A violência na sociedade moderna

RUY PALHANO
Psiquiatra, membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).
Um dos fenômenos mais preocupantes da sociedade contemporânea, e que frequentemente nos choca em nosso cotidiano, é a violência. A princípio, pensamos na violência como algo facilmente identificável, associado exclusivamente a ações físicas e agressões explícitas. Porém, a violência não é apenas o ato manifesto de agressão física, podendo até chegar às raias do homicídio, mas também uma série de comportamentos, atitudes e formas sutis que ferem emocional, psicológica, social e existencialmente as pessoas.
Na atualidade, vive-se em meio a uma multiplicidade de manifestações violentas, algumas explícitas e outras quase imperceptíveis, silenciosas e sutis. De um lado, acompanhamos diariamente notícias sobre homicídios, guerras urbanas, agressões físicas dentro de casa, nas ruas e locais de trabalho; de outro, convivemos com uma violência menos aparente, porém igualmente destrutiva, manifestada em gestos, palavras, preconceitos, discriminações e atitudes cotidianas que minam o bem-estar psicoemocional das pessoas, ferindo a autoestima, alimentando medos, ansiedades e provocando isolamento.
Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que vivemos num contexto marcado por intensas pressões sociais e econômicas. Nossa época é pautada por um individualismo acentuado, por competição exacerbada e pela incessante busca por sucesso, reconhecimento e poder.
Essa dinâmica social, centrada no sucesso individual a qualquer custo, acaba gerando rivalidade, ressentimento e conflito, criando terreno fértil para a proliferação de agressividades. Quando o sucesso do outro é visto como ameaça, qualquer pessoa se transforma em potencial inimigo. O outro deixa de ser um semelhante e passa a ser adversário, alguém que devemos superar, eliminar ou dominar.
Neste cenário, alguns tipos de comportamentos violentos têm se tornado cada vez mais frequentes. Por exemplo, a violência doméstica, que ocorre dentro das famílias, constitui um dos fenômenos mais graves e devastadores da atualidade. Ela inclui desde agressões físicas até abusos psicológicos, como humilhações, chantagens e ameaças, até feminicídio, fenômeno que campeia nosso país.
Essas experiências geram frequentemente transtornos psiquiátricos e emocionais profundos, como transtornos de stress pós traumático – TEPT, outros transtornos ansiosos, depressões severas, síndrome do pânico, estresse crónico e agudo, baixa autoestima, perpetuando ciclos intergeracionais de violência.
Outro comportamento violento e bizarros, bastante comum em nossa sociedade é o bullying e o cyberbullyng. Embora muitas vezes minimizado ou negligenciado, esse tipo de violência psicológica ocorre principalmente em escolas, universidades e ambientes profissionais. O bullying é marcado por intimidações constantes, humilhações públicas, isolamento social proposital e exclusão intencional.
A vítima frequentemente desenvolve sentimentos profundos de inseguridade e rejeição, podendo levar a problemas psicológicos graves, tais como depressão, transtornos de ansiedade, comportamentos auto lesivos e até pensamentos suicidas.
Outro fenômeno preocupante é a violência urbana, sobretudo em grandes centros metropolitanos. Ela se manifesta principalmente em assaltos, roubos, sequestros e homicídios, criando uma sensação generalizada de insegurança e medo constante. Psicologicamente, esse tipo de violência gera estresse permanente ansiedade generalizada, insônia, fobias sociais e outros transtornos emocionais.
Uma forma de violência extremamente nociva e crescente na contemporaneidade é a violência virtual, amplificada pelas redes sociais e plataformas digitais. Trata-se de um tipo de agressão que utiliza o anonimato ou a distância proporcionada pela internet para espalhar mensagens ofensivas, discursos de ódio, calúnias e difamações é o cyberbullying.
Não menos importante é considerar a violência estrutural e simbólica, frequentemente ignorada ou minimizada pela sociedade. Essa violência se expressa na exclusão econômica, discriminação racial, preconceito de gênero e marginalização de grupos sociais vulneráveis. Embora menos evidente, essa forma de violência gera sofrimento constante, alimenta desigualdades profundas e gera sentimento generalizado de injustiça social, desamparo e revolta, corroendo lentamente a confiança nas instituições e aumentando o ressentimento coletivo.
Diante desse panorama complexo, qual seria o caminho possível para a transformação dessa realidade violenta em uma convivência mais pacífica e equilibrada? O primeiro passo, certamente, seria o tácito reconhecimento de que a violência não é apenas um fenômeno individual ou circunstancial, mas um sintoma profundo de estruturas sociais e existenciais que precisam ser transformadas urgentemente.
Além do mais, é necessário resgatar valores básicos como empatia, diálogo, respeito e cooperação desde as fases iniciais da vida, reforçando continuamente a importância desses valores na família, nas escolas, nas comunidades e na sociedade em geral. Além disso, políticas públicas eficazes e coerentes, que promovam justiça social, igualdade de oportunidades e proteção das populações mais vulneráveis são fundamentais para romper com o ciclo vicioso da violência estrutural.
Medidas preventivas, ações educativas e práticas restaurativas que promovam reconciliação e resolução pacífica de conflitos também devem ser incentivadas como estratégias centrais para a transformação social. Além de ser preciso uma profunda transformação existencial e filosófica, uma mudança cultural no modo como enxergamos e valorizamos a vida humana.
Entender que a violência fere não apenas a vítima direta, mas toda a coletividade, é fundamental. Reconhecer que somos corresponsáveis pelo tipo de sociedade que estamos construindo, entendendo que a paz social é resultado do compromisso de cada indivíduo em cultivar uma existência ética, equilibrada e harmoniosa, talvez seja o maior desafio e a mais urgente necessidade do nosso tempo.
Somente enfrentando esses aspectos mais profundos, promovendo transformações pessoais, sociais e institucionais, seremos capazes de avançar em direção a uma sociedade menos violenta, mais humana e mais justa, onde o respeito à vida e à dignidade humana seja o princípio norteador de nossas ações e relações cotidianas. Este é um compromisso ético e existencial que precisa ser assumido por todos nós, urgentemente.
O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.