Tudo de mim lembra vocês

TEODORO PERES NETO*
O amigo Miguel Damous, excelente compositor e cantor, sofreu um acidente aéreo no bairro Ponta da Areia, hoje Península – São Luís. O fato, ocorrido em julho de 1971, causou a morte do artista e gerou grande comoção, abalando a cidade de São Luís. O cantor e compositor, em ascensão na Jovem Guarda, era conhecido como “O poeta do amor e dos voos altos”, que tanto cantou sobre o amor e a liberdade dos voos dos pássaros marinhos, no azul infinito do céu. Apaixonado por sua namorada, naquele dia fatídico, ao realizar acrobacias, acabou perdendo a vida juntamente com o avião que pilotava, caindo nas águas da praia da Ponta d’Areia.
Miguel Damous residia na Rua do Sol com seus pais. É importante ressaltar que eu, Miguel e Miécio Jorge mantínhamos uma amizade de longa data. A vida do cantor e suas músicas caíram rapidamente no gosto das pessoas. Podemos destacar obras como “Deixa que eu te ame” (1968) e “Quero estar sempre assim” (1967), ambas de grande sucesso. Contudo, seu sonho foi interrompido no auge de sua juventude e com uma carreira promissora. Miguel era muito querido pelos seus amigos e companheiros de trabalho, deixando, portanto, uma enorme lacuna entre seus fãs e seguidores.
Várias homenagens foram prestadas nos jornais após sua morte. Embora muito jovem e em início de carreira, deixou uma obra e uma história que não podem ser esquecidas, merecendo, assim, ser revivida e registrada. É, incontestavelmente, um dos autênticos representantes da nova geração maranhense e o astro mais arrojado e audacioso que o Maranhão possuiu nas últimas décadas. O cantor Miguel Damous partiu para as instâncias celestes ainda muito jovem, sem revelar a plenitude de sua potência musical nas futuras composições que viria a criar.
Notamos a semelhança do fato com o ocorrido com Almeida Gualhardo, “O poeta das gaivotas”, e tantos outros cantores e poetas românticos que morreram precocemente em acidentes aéreos. Recentemente, a talentosa jovem cantora Marília Mendonça sofreu um acidente aéreo em Piedade de Caratinga (Minas Gerais). A causa do acidente foi o choque da aeronave nas linhas de transmissão de energia elétrica da CEMIG, ceifando a vida da estrela musical, com a fuselagem dividida em duas partes.
O poeta e escritor Francisco das Chagas de Almeida Soares, conhecido pelo pseudônimo “Almeida Gualhardo”, faleceu em 8 de agosto de 1948 – mês considerado aziago por muitos supersticiosos –, aos 26 anos de idade, quando sobrevoava o povoado da Forquilha, hoje atual bairro da Forquilha, um dos acessos à entrada da Estrada de São José de Ribamar, nome que homenageia o glorioso São José de Ribamar.
O poeta estava em companhia do amigo Alberto Augusto Fontoura Chaves sobrevoando a Forquilha. Porém, os dois amigos-pilotos faleceram em decorrência da queda do avião em uma roça.
Segundo constatado no livro de José Carlos Ramos, o poeta e seu amigo voavam muito baixo, “não em céu de brigadeiro”, mas era uma espécie de homenagem ao “pai de lindas moças” que Gualhardo e Betinho bem conheciam e que residiam na periferia.
Ambos receberam honras fúnebres. Várias celebridades declamaram à beira de seus túmulos, no Cemitério do Gavião. A oração proferida, segundo relatos, brotava do fundo da alma, com toda a força do sentimento de afeição dedicado ao talentoso vate tutoiense, fazendo chorar até as próprias árvores casuarinas, comumente encontradas nos cemitérios, que balançavam como se acenassem no momento do sepultamento. Ao pôr do sol, o farfalhar de suas folhas entoava uma nênia chorosa, como se lamentassem pelos mortos sepultados, revelando uma atmosfera de profunda tristeza e desolação. Naquela ocasião, lágrimas jorravam dos olhos dos presentes, demonstrando a forte emoção que permeava a cerimônia fúnebre de despedida.
O escritor José Carlos Ramos transcreve em sua obra vários versos em que, no seu entendimento, o bardo demonstraria ter uma premonição de sua morte prematura por acidente aeronáutico e, com efeito, terminou por falecer em trágico acidente aéreo, coincidentemente tão jovem quanto ele.
Em meio ao seu notável espiritualismo, Almeida Gualhardo soube criar, como autêntico joalheiro de sonhos e de harmonia, à feição de Castro Alves, que assevera, com ardor poético: “Sobre o rendado ebúrneo do teu seio, / Arfar sentindo o peito alabastrino, / Pendia um crucifixo de puro ouro fino…”, uma autêntica joia primorosa.
A partir dos versos apresentados, o grande poeta tutoiense produziu páginas de requintada emoção, nas quais se constata a grandeza de sua obra poética dedicada à mulher – um ser frágil pela sua doçura e, ao mesmo tempo, forte pela sua bravura. Quem também prestou bela homenagem às mulheres foi Gonçalves Dias, sempre o mesmo adorável mágico de tudo quanto é belo, ao apresentar seu poema enaltecendo Ana Amélia, seu grande amor, assim como o barra-cordense Maranhão Sobrinho e tantos outros poetas.
No que tange à paixão avassaladora, registros indicam que foi Honorina Fernandes de Miranda o primeiro amor e a primeira grande desilusão amorosa do poeta maranhense Maranhão Sobrinho, que viu sua amada casar-se com Políbio Martins Jorge em 27 de maio de 1899. Coincidentemente, no mesmo ano em que, por incentivo do pai, mudou-se para São Luís em busca da efervescência literária que vivia a capital maranhense no final do século XIX e início do XX. Ele também dedicou poemas às mulheres.
Todos os poetas citados compartilham um cunho sentimental tão envolvente que os aceitamos como se fossem frutos de uma árvore. Seu sabor sumarento nos transporta ao milagre de uma meditação solene e doce, com algo de claustro, de sombras em matagais trescalentes, onde vislumbramos, em tonteira de cor, asas festivas de borboletas. Todos eles souberam, nos mais variados ritmos, por meio dos mais encantadores hinos e das mais expressivas poesias, exteriorizar anseios sentimentais dedicados às mulheres. A atuação desses “homens apocalípticos” se transfigura, evocando a vida, o amor e a morte, pois passaram por esta vida deixando, com um sinete de ouro, a marca de uma brilhante trajetória.
Por suas palavras, versos e sonetos, jamais serão esquecidos, pois plantaram as flores do porvir a partir das sementes do passado, num ritual iluminado pelos círios de amor fraterno e perfumado com incenso de cultura.
*Acadêmico titular da cadeira nº 31, da Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares (Amclam), patroneada pelo poeta Maranhão Sobrinho. Procurador de Justiça Aposentado do Ministério Público do Maranhão e advogado.
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