A lição sabemos de cor, só nos resta aprender

JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Corregedor Geral da Justiça
E-mail: [email protected]
Antes, uma história da vida real.
O ator João Miguel, quando tinha nove anos, apresentava um programa numa televisão local, em Salvador. Determinado dia, teve que entrevistar o genial Glauber Rocha (14/03/1939 – 22/08/1981), cineasta, ator, roteirista, produtor e crítico do cinema brasileiro. Muito nervoso diante do mito, o inexperiente ator começou a entrevista enfiando os pés pelas mãos:
– Glauber, eu vou te perguntar uma pergunta…
O cineasta interrompe o menino:
– E eu vou te responder uma resposta.
Qual a lição que se tira dessa historinha prosaica, trazida à colação à guisa de ilustração?
Que, de rigor, as coisas óbvias, de tão óbvias, não precisariam ser ditas.
Ainda assim, a vida tem nos ensinado que, mesmo sendo óbvias, às vezes a gente precisa dizer aquilo que todos têm em conta como verdade indiscutível, mas que não fazem uso como prática de vida.
Pois é sobre uma obviedade que pretendo refletir, aqui e agora.
Pois bem. A vida, dizem, é uma escola, disso resultando que, se recebemos dela lições diárias, de rigor, só nos restaria mesmo aprender.
Nada obstante, a verdade é que, conquanto se saiba a lição – para usar a expressão cunhada pelo grande Beto Guedes, tomada de empréstimo para essas reflexões –, não são muitos os que a aprendem. Daí que não são poucos os que, mesmo cientes dos ensinamentos, seguem passando à margem do que deveriam ter aprendido.
Nos dias de hoje, a lição mais comezinha que a vida ministra a todos nós, indistintamente, e que muitos sabem de cor, mas se negam a aprender, é que não se deve acreditar na primeira informação, ou seja, não se deve formar convicção sem checar a veracidade do que foi dito, sem, ademais, dar a oportunidade de a outra parte se manifestar sobre eventual irrogação.
A impulsividade, a precipitação, a crença acrítica e desprovida de discernimento diante da primeira informação – tomada como verdade absoluta e, em seguida, disseminada –, têm levado as pessoas, nesses tempos de reconhecida polarização e contaminação do debate político, a uma falsa percepção da realidade. Disso resultando prejuízos incalculáveis à vida de muitos de nós, sobretudo quando a “verdade” envolve as pessoas que exercem múnus público, com muita visibilidade, mais sujeitas, portanto, por óbvias razões, ao escrutínio popular.
Eu, cá do meu lado, já tendo vivido muito, ressabiado, ademais, em face dos exemplos que testemunhei ao longo da minha provecta existência, já tendo, portanto, aprendido a lição, sempre me apresso, diante de uma informação, ainda que seja trivial, em checar, ponderar, ouvir o outro lado, para evitar julgamentos precipitados, muitos dos quais, não raro, objetivam, nesses dias marcadamente intolerantes, deslustrar a história e a honra dos que são alvos das maledicências do mundo, potencializadas, como sói ocorrer, nos dias de fúria que vivemos, a reafirmar a necessidade de sermos prudentes diante da primeira informação, da primeira notícia.
Por má-fé, ou por não ter sido dado oportunidade de defesa em face das mentiras veiculadas, é que inverdades históricas se perpetuaram, com consequências graves para a sociedade em geral e para indivíduos em particular, como se deu, por exemplo, com Maria Antonieta, Rainha da França, que jamais teria dito a frase “se não têm pão, comam brioches”, mas que a ela resultou associada, num momento de forte tensão, cujas consequências todos temos ciência, a reafirmar que ainda temos muito que aprender, malgrado as lições que a vida nos proporciona todos os dias.
É isso.
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