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Lacradores

JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Corregedor-geral da Justiça
E-mail: [email protected]

O mundo digital incorporou ao nosso cotidiano algumas expressões que eu, da geração analógica, tive – e, às vezes, ainda tenho – dificuldade de compreender, embora tente me atualizar para não parecer anacrônico, afinal as expressões do universo digital estão incorporadas ao nosso cotidiano, e só nos resta mesmo tentar compreendê-las.

Nesse ambiente, termos estrangeiros foram sendo incorporados ao nosso vocabulário, e passaram a fazer parte da nossa vida. Reels (vídeos curtos e verticais, pensados para serem consumidos facilmente e compartilhados) feed (fluxo de conteúdo que pode ser visualizado em determinada ordem) e direct (forma privada de troca de mensagens), para ficar apenas nos três exemplos que me ocorrem agora, já fazem parte da linguagem corrente. Quem os desconhece terá dificuldades de interagir com o mundo digital.

Mas, ao lado dessas expressões, há outras que perderam, parcialmente, seu sentido original, para se incorporarem à nossa vida com outro sentido, como ocorre, por exemplo, com o termo lacração.

Com efeito, lacrar, outrora, tinha a ver, em seu sentido mais estrito, com segurança, disso resultando que quando alguém recomendava, por exemplo, que se lacrasse um envelope, sabia-se o que efetivamente se pretendia com a recomendação.

A mesma palavra, por outro lado, noutra vertente menos usual, significava fazer algo muito bem, impactante, relevante, com sucesso e com destaque; nada além disso, até que surgiram as redes sociais, e, com elas, lacrar passou a ter outra conotação, daí que o que, originalmente, significava segurança, mandar bem, realizar algo extraordinário, um grande feito, com as redes sociais, mudou de sentido, tema sobre o qual pretendo refletir a seguir.

Pois bem. Hoje, o lacrador, ou seja, aquele que “lacra” na internet, pode ser, sim, um inconsequente, um irresponsável, uma pessoa destituída de pudores, capaz de qualquer ação para dela se beneficiar, para tirar proveito material ou político, deixando, portanto, de ser protagonista de um grande feito.

Os lacradores, nos dias presentes, no sentido que empresto a essas reflexões, prestam um desserviço à sociedade.

A caça por likes e engajamento, a busca frenética por visibilidade ou de algum benefício pessoal, transformou os lacradores em serem nefastos, abjetos, nefandos e inconsequentes, os quais, com sua ação, transformaram as redes sociais onde atuam em ambientes tóxicos, impingindo à sociedade danos, por vezes, irreparáveis.

Movidos pelo prazer de lacrar, de estar em evidência, de alcançar os famigerados likes, os lacradores mentem, escarnecem, agem sem pudor, veiculando mentiras (as chamadas fake news), muitas das quais têm repercussão que extrapolam a esfera individual das pessoas, para ganhar dimensão nacional, em detrimento, até, da soberania nacional.

Definitivamente, os lacradores da internet, atuando numa área onde quase tudo podem, não têm limites daí que, vicejando muitos deles num ambiente político e polarizado, as lacrações vão além do inimaginável, pouco importando, algumas vezes, os prejuízos que causam à sociedade como um todo.

Reconheçamos que o mundo, depois da internet, jamais será o mesmo – para o bem e para mal.

As redes sociais, que, originariamente visavam – e visam, ainda, na sua vertente mais civilizada – facilitar a interação e a comunicação entre pessoas, por exemplo, se tornaram ambiente fértil para todo tipo de ação, das mais simples e despretensiosas às mais nefandas, onde vicejam os haters, capazes de qualquer ação que os levem à lacração, pouco importando as consequências da ação, quer em face de uma pessoa individualmente considerada, quer em face do conjunto da sociedade, pois que, para os lacradores, o que importa mesmo são a repercussão, as consequências, a monetização, os ganhos que possam auferir em face de suas ações.

Como diz o poeta popular, concitando as pessoas a não se acomodarem e a lutarem por um futuro melhor – e esse futuro necessariamente exige que se imponha um freio às ações danosas dos lacradores, que apostam no caos para dele tirar proveito: “É preciso dar um jeito, meu irmão”.

É isso.

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