A sabedoria do recomeçar

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.
Recentemente, temos assistidos inúmeros casos de resistência à sabedoria na arte de se conduzir a vida, por determinados segmentos na sociedade, sejam nas instituições públicas e até mesmo nas relações interpessoais existentes nos lares.
Até parece que é uma pandemia, mas não da gripe aviária ou do vírus da influenza A ou até mesmo da Covid-19; porém, da falta de sensatez e humildade humana, em várias vertentes na condução da vida, nessas relações ditas contemporâneas, e constituem fatos inquestionáveis no cotidiano nacional, notadamente quando, no campo das políticas nacionais e até religiosas, temos assistido e levado tantos revesses.
Há uma lógica relativista doentia em curso, nunca dantes tão sentida. E o mais grave: um rolo compressor que atropela valores, firmando “outros” valores que doem até aos céticos de plantão.
O problema, é de se suspeitar, é histórico, quiçá oriundo das primeiras manifestações humanas ao longo das disputas de poder, nas primeiras civilizações, quando a figura do chefe era a fortaleza maior em detrimento do líder que se poderia corresponder o ideal, mas longe ainda desse nível de interpretação, principalmente quando a doença do passado se repete no presente de forma até mesmo incomensurável, inclusive sob novas denominações nos mais diversos espaços de poder, dentro de tantas formas de organizações sociais (políticas, econômicas, sociais, religiosas, etc.), sobretudo.
No livro das “Bem-aventuranças”, vemos com muita propriedade a recomendação de se dar preferência ao mundo dos “pobres pelo espírito”, ao invés de conduzirmos a nossa vida, equivocadamente, pelo viés dos “pobres de espírito”.
Há, na verdade, uma singular diferença entre as duas formas acima de o Homem conduzir sua vida; que, pouco percebida, determinadas circunstâncias nos confundem demasiadamente, sobretudo nos levando a uma autodestruição, principalmente pela cegueira que nos impõe ao simplesmente acharmos que estamos nos “dando bem”, diante de determinadas situações; e não querermos acordar que o “se dar bem” sempre, nada mais correspondente senão numa caminhada rumo a um mundo vazio interior tão profundo que, o próprio lado externo de um ser o abandonará, face a nova compreensão de que se trata ou tratava apenas de uma visão eminentemente egocêntrica, doentia, típica dos profanos que levaram o Cristo à cruz e século depois, reconhecera a tamanha alienação por que se estavam inseridos, ante às falsas razões apregoadas pelos “concorrentes” da época por temerem a perda de espaço e poder na dominação das massas no período, já que o Cristianismo estava crescendo vertiginosamente.
E parece que tudo se repete, apenas com outras roupagens, e a situação gera reflexo nas relações humanas atuais dentro dos mais variados segmentos de convívios ou organizações sociais, conforme alhures pontuado.
O acordar para uma condução de vida na acepção de sermos “pobres pelo espírito” pressupõe uma libertação interior e exterior no ser, de forma que a tal pobreza simplesmente se revelará em grandeza pelos atos de se rever posturas, posições, apegos, friezas, insensatez, egoísmo, avareza, etc.; já que nada nos pertence, a não ser a grande oportunidade que cada um tem para aproveitar ao máximo cada segundo dessa passagem tão efêmera pela Terra, no sentido de diminuir ao máximo aquilo que nos prende e apreende a tudo e a todos, quando na verdade “nada nos pertence”, mas tudo funciona como meros empréstimos para melhor se fazer da vida, ou seja, uma grande oportunidade de crescimento rumo a um provável mundo melhor que somente com a “passagem”, poderemos ter a certeza do por vir.
Assim como o mal tem começo, ele também tem fim. E isso se dá, obviamente, pela reconstrução de valores ou reencontro com o Cristo dentro de cada um de nós, já que O está tão distante, embora muito pregado por tantos se não milhares que, hipocritamente, nos socorremos a Ele, sem querermos acordar do sono profundo da vaidade que tanto no reduz a práticas inerentes à mediocridade humana dos novos tempos.
São tantos valores voláteis que até arrepios à racionalidade se impõem para filtros.
Se há erros ou equívocos na caminhada, não significa o fim de tudo ou da própria má escolha na trilha já realizada; quem somos nós para sermos eternos nas escolhas quando tudo se muda a cada segundo; sobretudo, num mundo de constantes inovações ou renovações? Mas quem sabe um recomeço seria a grande saída, objetivando uma outra opção ao despertamos para o fato de que somos efetivamente imperfeitos e não de falsos “heróis” que criamos de nós mesmos, quando somos “cadáveres adiados que procriam” nas palavras do saudoso Fernando Pessoa?
É preciso estarmos dispostos a aceitar o “outro” em nós, ao colocarmos verdadeiramente o outro em nossa vida. Não importa se seja simpatizante ou desafeto. Tudo tem algo por trás e importância para com a evolução de cada um, diante de reencontros necessários.
Somente dentro de uma nova escolha para o resto de caminhada a fazermos por estas bandas, especialmente, para um mundo de irmãos, que poderemos pensar inúmeras vezes antes de externarmos uma conduta que possa prejudicar terceiro ou a terceiros, é que poderemos até dizer: estaremos dando um sentido ético à nossa forma de conduzir perante as turbulências, desafios e convites das “portas largas”, que o dia-a-dia da vida tanto nos cobram decisões serenas. Se é que realmente queremos sair do chamado lugar-comum ou chamado senso comum, especialmente. Por conseguinte, fácil é ser igual.
A nova escolha para se recomeçar, nada mais simboliza do que uma grandeza relacionada com uma verdadeira sabedoria, pois se demonstrará fortaleza pelo testemunho que daremos a tudo e a todos que o reconhecimento de que “somos todos iguais, braços dados ou não”, na frase do saudoso Vandré, nos faz sentir filho de um Deus com a opção pelo Cristo, já que Este, à luz dos que acreditam nas Escrituras sagradas, tantas privações passou, mas mesmo diante de várias tentações fez a escolha sábia maior: a morte física pelo amor incondicional às verdades do seu Pai, justamente pela preferência serena à humildade como melhor meio de crescer e recrescer durante o tempo rápido que temos para prestarmos conta do que podemos fazer ante às oportunidade que sempre nos têm colocado à frente, pelo nosso Deus maior, dentro de uma verdadeira lógica, a sabedoria do sempre recomeçar.
Em Gotas de Luz, recitado pelo também saudoso Francisco Cândido Xavier, está vaticinado que “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”. Portando, a mudança e reprogramação na condução da vida, a ninguém mais impõe reflexão, senão a nós mesmo. É só não duvidar para não sofrermos pelo remoço quando, à porta da vida física, bata-se o chamado da “volta” inevitável diante da fila que nalgum ponto anda nos esperando, amém!
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