A criminalidade, o êxodo urbano e os danos emocionais

RUY PALHANO
Psiquiatra, Membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).
Nos últimos anos, um fenômeno socioantropológico que vem se destacando com intensidade crescente, nas grandes cidades brasileiras, é a migração de moradores das metrópoles para cidades menores ou regiões do interior, situação impulsionada principalmente pela crescente onda de violência urbana que vem tomando conta de nosso país.
Historicamente, ciclos migratórios semelhantes ocorreram em diferentes momentos, embora com motivações variadas. Por exemplo, durante a Revolução Industrial, no século XIX, houve o êxodo rural, em que grandes populações migraram do campo para as cidades, buscando oportunidades de emprego nas indústrias emergentes. Posteriormente, durante o século XX, especialmente após as duas grandes guerras, novos movimentos migratórios surgiram, impulsionados por razões econômicas e políticas, levando pessoas a buscarem segurança e melhores condições de vida em diferentes localidades e países.
Observa-se que, em ambas as situações citadas acima, a necessidade de melhores condições de vida garantidas pela oferta de emprego e outras razões econômicas foram as principais motivações para este movimento migratório.
Na segunda metade do século XX, particularmente nas décadas de 1960 e 1970, no Brasil, ocorreu uma intensa migração do campo para as grandes cidades em decorrência da industrialização acelerada, gerando crescimento urbano desordenado e, consequentemente, problemas sociais, econômicos e estruturais, como violência e criminalidade.
Atualmente, observa-se um movimento inverso, pois famílias inteiras que antes haviam migrado para grandes centros urbanos agora fazem o caminho inverso, retornam ou buscam cidades menores ou rurais para viverem demonstrando um fenômeno conhecido como “êxodo urbano”.
Esse novo ciclo migratório inverso é impulsionado, evidentemente, por vários fatores, todavia a violência urbana crescente, a ameaça de morte contínua que gera enorme insegurança psicológica que toma conta das pessoas, as fobias e pânicos sociais e os traumas emocionais que impactam significativamente a qualidade de vida e a saúde mental dos moradores das grandes cidades, são certamente os grandes impulsionares desta derrocada social.
A busca por qualidade de vida, a fuga da insegurança psicológica e social, a busca de um trânsito menos ameaçador e uma relação mais próxima com a natureza, são fatores relevantes neste processo de êxodo urbano. Além disso, há a percepção de que o interior oferece melhores condições para a criação dos filhos, com menor exposição a riscos como violência, drogas e criminalidade são fatores importantes que temos que considerar no exame destas questões.
O destaque mais importante de tudo isso neste processo migratório, como já dissemos acima, são as questões relacionadas à saúde mental e emocional das pessoas ante a escalada da violência nas cidades de nosso país. Como vimos acima, a violência urbana vem causando uma profunda insegurança psicológica, gerando diversas fobias, pavores e traumas emocionais que impactam significativamente a vida cotidiana das famílias. A sensação constante de perigo pode levar à quadros graves de estresse, transtornos de ansiedade, episódios depressivos, transtornos do pânico e outros distúrbios psicológicos e psiquiátricos, incentivando ainda mais as pessoas a buscarem locais mais seguros para viver.
Por outro lado, esse movimento migratório, rumo às pequenas cidades do interior, provoca mudanças significativas nas cidades que irão receber este contingente inesperado de pessoas. Com o aumento populacional, surgem novos desafios relacionados à infraestrutura urbana, habitação, saúde, educação e emprego. As cidades menores precisam se adaptar rapidamente para absorver esses novos moradores, exigindo investimentos públicos e planejamento urbano adequado para não repetir os mesmos erros das grandes cidades.
Além disso, o perfil econômico das cidades do interior também tende a se diversificar, ampliando-se para além das atividades tradicionalmente agrícolas, incluindo o comércio e o setor de serviços. Isso pode contribuir para um desenvolvimento regional mais equilibrado, embora exija cuidados para não descaracterizar as qualidades que originalmente atraíram esses migrantes.
Esse ciclo migratório impulsionado pela violência urbana das grandes cidades é, portanto, um fenômeno complexo e multifacetado, que envolve não apenas o movimento físico das pessoas, mas também transformações econômicas, sociais, culturais e psicológicas significativas tanto nas regiões de origem quanto nas de destino.
Em resposta a essa nova realidade emergente, muitos indivíduos vêm adotando posturas mais retraídas e defensivas, ou que se alteraram significativamente conforme as dinâmicas sociais contemporâneas. A exposição direta a episódios de criminalidade, seja por meio da vivência ou pelo noticiário, faz com que muitas pessoas passem a viver em estado de alerta.
O medo se torna um sentimento cotidiano, moldando hábitos e decisões. A simples ideia de caminhar sozinho à noite, utilizar o transporte público ou frequentar determinados espaços públicos pode gerar angústia. Esse medo recorrente mina a liberdade individual e a sensação de bem-estar, levando à adoção de comportamentos defensivos.
Como forma de autoproteção, muitas pessoas escolhem se isolar. Evite saídas desnecessárias, limite o contato com desconhecidos e até mesmo permita a participação em atividades sociais. Essa retração, embora compreensível diante da violência, pode desencadear um ciclo de solidão e perda de vínculos sociais, comprometendo a qualidade de vida.
Pelo fato de a violência urbana contribuir para o enfraquecimento da convivência comunitária, já que a sensação de perigo constante dificulta o estabelecimento de relações de confiança, isto pode favorecer o aumento da desconfiança entre as pessoas. O outro é visto como uma possível ameaça. De tal forma que os impactos emocionais e psicológicos da violência urbana são profundos. Em meio a esse cenário, a sociedade se vê cada vez mais insegura, reclusa e afetada por medos invisíveis.
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