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O novo individualismo e a erosão dos laços comunitários

RUY PALHANO
Psiquiatra, Membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).

A solidão na sociedade moderna e o paradoxo das conexões digitais é uma situação que se destaca a cada instante e que contribui para a expansão da solidão na modernidade. A época atual trouxe avanços tecnológicos e sociais inimagináveis, permitindo que a humanidade se comunique de maneira instantânea e tenha acesso a uma infinidade de informações com apenas alguns cliques.

No entanto, paradoxalmente, nunca estivemos tão isolados e tão solitários quanto hoje. O crescimento do individualismo, impulsionado por uma cultura que valoriza a autonomia extrema e o sucesso pessoal acima do bem coletivo, tem levado à erosão dos laços comunitários sociais e ao aumento da solidão. Ela mesma vem se tornando uma epidemia silenciosa na atualidade. Estudos indicam que, mesmo em meio a cidades superpovoadas e redes sociais abarrotadas de interações, muitas pessoas sentem-se profundamente vazias e sozinhas. O fenômeno não se restringe apenas aos idosos, tradicionalmente mais vulneráveis ao isolamento, mas também atinge jovens, adolescentes e adultos.

A ascensão do trabalho remoto, a digitalização das interações e a falta de espaços de convivência física têm agravado essa sensação de desconexão social sem desconsiderar que a cultura da hiperprodutividade também contribui enormemente para a solidão. Em um mundo onde o tempo é visto como um recurso escasso e cada momento deve ser otimizado, relações humanas profundas acabam sendo vistas como um “luxo” ou uma distração do progresso individual. A consequência desse modelo de vida é uma sociedade repleta de indivíduos sobrecarregados, porém emocionalmente vazios.

Outro aspecto relevantíssimo, nesta perspectiva, é o desenvolvimento das redes sociais e dos meios digitais que vem revolucionando a comunicação, tornando possível interações constantes, independentemente da distância física. Enquanto plataformas como Instagram, WhatsApp e TikTok permitem que nos mantenhamos atualizados sobre a vida dos outros, elas frequentemente substituem interações presenciais e aprofundadas por trocas superficiais de curtidas e emojis.

Esse fenômeno gera um paradoxo inquietante. Por um lado, estamos hiperconectados, mas, ao mesmo tempo nos sentimos uma crescente falta de proximidade genuína. O contato humano foi mediado por algoritmos que priorizam interações rápidas e engajamento digital, muitas vezes em detrimento de conversas significativas. Assim, as redes sociais acabam criando uma ilusão de proximidade, quando, na verdade, podem reforçar a sensação de isolamento e comparação social.

Além disso, a curadoria da vida nas plataformas digitais pode gerar um ciclo de solidão ainda mais intenso. Ao ver apenas os momentos felizes e bem-sucedidos dos outros, muitos sentem que suas próprias vidas são insuficientes. Essa sensação de inadequação pode levar ao afastamento social real, pois o indivíduo se sente menos digno de conexão autêntica, perpetuando o isolamento.

Ouro aspecto digno de nota é a crescente individualização das relações sociais que também levou a uma crise de pertencimento. No passado, comunidades locais, famílias extensas e grupos religiosos desempenhavam um papel central na formação da identidade coletiva e no suporte emocional dos indivíduos. Hoje, muitos desses espaços foram enfraquecidos, e o senso de pertencimento se tornou mais difuso e instável.

O sentimento de pertencimento é fundamental para a construção da identidade e da saúde mental dos indivíduos. No entanto, na sociedade contemporânea, onde o “eu” é colocado acima do “nós”, as pessoas encontram dificuldades em formar vínculos duradouros. O medo da vulnerabilidade, a lógica dos relacionamentos descartáveis e a busca incessante pela independência fazem com que as conexões humanas sejam mais frágeis e efêmeras.

Além do mais, o excesso de opções disponíveis, seja para amizades, relacionamentos amorosos ou até mesmo grupos sociais, pode gerar um paradoxo da escolha: diante de tantas possibilidades, muitos evitam se comprometer verdadeiramente com uma comunidade, perpetuando a sensação de deslocamento. O resultado é uma sociedade onde as pessoas transitam entre círculos sociais sem criar raízes, ampliando a sensação de não pertencimento.

Diante desse cenário, é essencial repensarmos a forma como nos relacionamos. Resgatar o senso de comunidade e pertencimento não significa renunciar à individualidade, mas sim equilibrá-la com a necessidade humana de conexão autêntica. Algumas ações que podem contribuir para isso incluem. Devemos, acima de tudo valorizar encontros presenciais, priorizar momentos de convivência real, sem a mediação das telas, fortalece os laços afetivos e reduz a sensação de isolamento. Praticar a escuta ativa e o diálogo profundo, em um mundo de interações rápidas e superficiais, conversas significativas são raras, mas essenciais para criar conexões verdadeiras.

Devemos, sobretudo, participar de comunidades reais, que existem de fato e não de forma virtual, as quais funcionem através de grupos de interesse, voluntariado ou espaços religiosos e culturais, fazer parte de algo maior pode ajudar a reconstruir o senso de pertencimento. Devemos procurar equilibrar o uso das redes sociais, utilizando a tecnologia como um complemento, e não como substituto, das interações humanas pode evitar a ilusão de proximidade sem conexão real.

Lutemos no sentido de reforçar a empatia e a solidariedade, que deve existir entre os seres humanos, concedendo pequenos gestos de atenção e cuidado com o outro são atitudes importantes e fundamentais para resgatar o sentimento de coletividade e de relações sociais profundas.

Se a modernidade nos trouxe uma crescente independência, é fundamental que essa liberdade não nos condene à solidão. O desafio do nosso tempo é encontrar um equilíbrio entre o individual e o coletivo, resgatando o valor das relações humanas e reconstruindo os laços que nos fazem sentir parte de algo maior. Afinal, por mais que a tecnologia nos permita estar conectados a todo momento, nada substitui a profundidade e a autenticidade de uma conexão real entre nós seres humanos.

O desafio está posto, qual seja, associar os avanços da tecnologia moderna às aspirações e necessidades humanas fundamentais as quais representariam essencialmente nossos maiores sentidos e desta forma manteremos a supremacia do humanismo sem macular os avanços de uma tecnologia salutar e que esteja a nosso serviço e a nosso favor.

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