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Caso dos Meninos Emasculados e sua real elucidação (Parte VI-Final)

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.

Felizmente, chegamos à última parte da narração dos caminhos reais que levaram à elucidação completa dos crimes em série inerentes ao triste “Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão”, com a final identificação, localização e prisão do único matador em série que culminou com os sumiços e assassinatos relacionados ao epitetado acontecido nas bandas do estado do Maranhão, mas precisamente na Ilha de São Luís, bem como, por extensão lógica e confissões afins, na cidade paraense de Altamira.

Depois do belíssimo Relatório do Inquérito Policial produzido pela então titular da Delegacia da Cidade Operária, delegada aposentada Edilúcia Trindade, correlato ao inquérito que apurou o sumiço e assassinato da última vítima de Francisco das Chagas, conforme já pontuado alhures, fizemos reuniões no gabinete do então Secretário Raimundo Cutrim. O objetivo dessas reuniões era apresentar o desfecho das investigações concluídas e recomendar a imediata continuidade das investigações complementares pela então Delegacia Especial de Homicídio, hoje Superintendência de Homicídio e Proteção à Pessoa – SHPP, considerando que eu estava Superintendente de Polícia Civil da Capital e, portanto, com muitos casos e operações a coordenar em toda a região na grande São Luís, mas ficaria ajudando de alguma forma as demais investigações ligadas às vítimas do serial killer já identificado, localizado e preso, por toda a equipe da SPCC e Delegacia Especial da Cidade Operária ainda no início da década de 2000.

Foram chamados para a reunião o então titular daquela especializada, o ex-delegado Antônio Diniz, hoje agente da Polícia Federal como já pontuado. Também foi convidado um membro do Ministério Público estadual para acompanhar as investigações, a Promotora de Justiça Geralides, assim como um representante da Polícia Federal, o hoje Agente Federal aposentado Benilton Ferreira, que tem um dos melhores arquivos vivos de todos os casos de sumiços e emasculações de meninos no Maranhão. Ele me confirmou isso quando estive em sua residência na cidade do Recife, justamente para pegar uns quadros de parede recomendados, uma vez que também é artista plástico.

No fundo, o referido Policial Federal Benilton Ferreira, era um obstinado por aquela investigação e muito ajudou nos trabalhos finais que levaram a confirmação de toda a nossa inicial e contunda investigação quando já apontávamos, sem medo de errar, que havíamos realmente identificado, localizado e preso, o único assassino em série de todas as crianças e adolescentes ocorridos no estado do Maranhão, e por tabela, com extensão aos casos ocorridos na cidade de Altamira, estado do Pará, reitera-se.

O mencionado ex-delegado Diniz, com toda a sua equipe, concentrou todos os trabalhos investigativos ali, com idas e voltas ao casebre onde residia Chagas e numa delas, encontraram um fragmento de tecido epitelial ressecado em cima do telhado da casa, segundo informes coletados à época. Esse fragmento foi enviado para perícia, que constatou se tratar de pele humana, fator importante para escavarem dentro da casa e ali, encontrarem restos mortais de outras vítimas, dentre as quais, o garoto de quatro a cinco anos, desaparecido meses antes pelas mãos de Francisco das Chagas, justamente o que tinha um cartaz com a foto mencionado menor, na porta do seu casebre. Foto aquela, tirada por mim, tão logo fomos à procura do Chagas, ainda naquela tarde/noite de domingo em que prognosticamos ser ele, o autor dos sumiços e emasculações das crianças, a partir das impressões em analogia dos cartazes produzidos pelo assassino, com vista a “ajudar” as famílias desesperadas pelos desaparecimentos de seus entes queridos.

Diante de novos interrogatórios, encurralado pela riqueza de provas, resolve confessar tudo, afirmando que “ouvira vozes mandando confessar e parar com aquilo” em tom, sem dúvida, de subestimar a inteligência dos presentes.

Embora a Justiça do Pará até hoje ponha em dúvida se Francisco das Chagas também operava criminosamente na cidade de Altamira, sem querer, em nosso entender, dar os braços a torcer, diante tantas evidências coletadas pela Polícia Civil do Maranhão, continuo firme na conclusão de que quem matava crianças lá, matava as crianças de cá. Portanto, Chagas era o único autor dos assassinatos. Mas o tempo é o senhor maior de todas as injustiças humanas. É só não duvidar dele e, acredito, diante do fim das mortes e emasculações de crianças e adolescentes também naquele estado, logo, terão que reconhecer o grande erro judiciário que insistem em cometer, acredito.

Contudo, mesmo após ter passado as demais investigações para a referida Delegacia Especializada, continuei fazendo algumas investigações complementares, tais como providência de coleta de sangue do assassino em série para fins de exames de DNA, confrontos com materiais genéticos em vestimentas recolhidas de corpos das citadas crianças mortas, articulação com outros institutos de criminalísticas de outro estado, bem como com a Universidade Federal de Alagoas, entre outros.

É interessante registrar dois fatos que marcaram aqueles derradeiros momentos de confirmações de todos os trabalhos investigativos realizados por nós da SPCC e Delegacia da Cidade Operária. Primeiro, quando o avião pousa no aeroporto do Recife, eu estava levando os supracitados materiais para a possível perícia, recebo a ligação telefônica do citado agente federal, dando-me conta que “Chagas acabara de confessar todos os casos de mortes, sumiços e emasculações de crianças e adolescentes no estado do Maranhão, bem como na cidade de Altamira, estado do Pará”. Essa confissão confirmou todo o interrogatório que havíamos realizado na mencionada Delegacia Especial perante a mim e à colega Edilúcia Trindade. Naquele momento, pedi que o interpelasse sobre o sumiço do adolescente que trabalhava como engraxate em frente a um mercadinho na mencionada cidade Paraense. Ato contínuo, alegre e em tom de vitória final, falou que “todos os casos foram confessados de forma riquíssima, não se preocupe”.

A alegria no momento acima foi imensa e tomou conta de minha cabeça naqueles infinitos minutos, cuja descarga elétrica no coração, quase me levara para o lado de “lá”. O pior é que tive que me submeter a um cateterismo a fim de investigarem aqueles segundos que “apaguei”, e só pude retornar, porque dei um tapa (murro) na porta da viatura da Polícia Civil de Pernambuco, que fora me buscar no aeroporto dos Guararapes, salvo engano, enviada ou ele mesmo foi naquela tarde me prestigiar, o meu grande amigo e irmão policial lá do Recife, o Delegado Eronildo Farias.

O segundo fato, ligado totalmente à situação acima que mais me intrigou, foi a conversa que tive com o Delegado Antônio Bezerra, que estava assessorando o então Delegado Geral Nordman Ribeiro, hoje ambos aposentados e este exercendo o cargo em comissão de Corregedor Geral da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, antes de viajar para o Recife com os materiais mencionados, ou seja, disse-lhe: “Bezerra, se eu provar que Chagas é o autor dos assassinatos dos meninos, dou por encerrada minha missão aqui na Terra”, isto é, horas antes de pegar o voo rumo à cidade do Recife para a missão acima declinada. E quase “viajava” mesmo conforme narrado no parágrafo anterior. De fato, realmente “as palavras tem força”, nunca devemos subestimá-las.

Recebi ligações de repórteres diversos, mas uma delas me chamou atenção. A repórter me disse: “Dr., volte para cá, pois essa investigação é sua”. De logo, lembrando-me de uma passagem bíblica e parafraseando parte das palavras do Nazareno quando interpelado por Pilatos, respondi-lhe: “Não minha amiga, apenas cumpri meu dever funcional e uma missão, pois os holofotes da Terra, não me interessam”. Ela me pediu desculpas, por conseguinte, percebeu que eu estava corretíssimo, sobretudo, porque jamais poderia tirar proveitos pessoais ou corporativistas ou classista em cima de tantos sofrimentos, sejam das crianças e adolescentes mortos, sejam daqueles familiares que dilaceram em dores pelas partidas horrendas de seus entes queridos. Seria uma monstruosidade minha, caso assim pensasse ou me permitisse pensar ou tirasse qualquer proveito de autoafirmação daqueles horrendos crimes.

Antes da identificação, localização e prisão do autor dos assassinatos em série, sem dúvida, estávamos todos perdidos numa escuridão, tentando acolá encontrarmos um fragmento de luz que nos desse rumo à elucidação daqueles nefastos crimes. Naquele domingo, ao perceber os cartazes análogos produzidos por Francisco das Chagas e comentar com minha esposa sobre a grande possibilidade de pela primeira vez estarmos diante do único assassino em série, lembrei-me da frase do nosso querido Menotti Del Picchia, a qual a recito integralmente, a saber: “Quem ignora um rumo, não chega a seu destino. Entretanto, por não conhecê-lo, não pode afirmar a inexistência do caminho. Não há mistério. O que há é ignorância”. Assim, o rumo nos foi apresentado, o sucesso foi não o ignorar, sobretudo, e com muito gratidão a Ele. Amém!!!

Hoje, graças à permissão do Pai e uso por Este de todos os atores que atuaram nas investigações (Delegados de Polícia Civil, investigadores, escrivães, peritos criminais oficiais e não oficiais, a representante do Ministério Público estadual e o Agente da Polícia Federal, bem como dos maiores mártires dessa elucidação, as duas últimas vítimas de Chagas), é que foi possível em definitivo conseguirmos parar todas as mortes e sumiços de crianças e adolescentes nos estados do Maranhão e Pará. Isto é fato inconteste, por conseguinte, os vinte anos de prisão de Chagas, confirmam esta assertiva.

Oportunamente, consigno meus agradecimentos ao Jornal Pequeno e, recentemente, ao site UOL (https://www.band.uol.com.br/noticias/como-serial-killer-que-mutilava-genitalia-de-meninos-foi-descoberto-ha-20-anos-202408121158), que me permitiram narrar toda a história dos verdadeiros e únicos caminhos investigativos que levaram à identificação, localização e prisão do maior assassino em série do nosso país, cuja paz às sociedades acima, no que se refere a graves sumiços e emasculações de crianças e adolescentes, hoje podem todas desfrutar.

Contudo, a título de recomendação criminológica profilática, nunca podemos esquecer que a psicopatia de perversão do estilo que acomete a personalidade do Francisco das Chagas é silenciosa e latente, semelhante à diabetes. Quando se revela, o estrago cometido já é dantesco, daí, os eternos  adágios do “orai e vigiai”, porque como ele, podemos tê-lo por perto ou não tão distante de nossas vidas sem nos atermos para tal. O que requer o alerta de que “todo cuidado é pouco” para não sermos surpreendidos na senda de nossa caminhada pela Terra em todas as acepções de trilhas a percorremos, sobretudo quando a assinatura killer, tenha como alvo crianças ou adolescentes em nossa fecunda sociedade e possam também ser as próximas vítimas nossos menores entes queridos, ou até mesmo nós mesmos, também diretamente na condição de adulto, diante da particularidade do gatilho mental disparado no portador do desequilíbrio acima, sobretudo. Sendo assim, nunca podemos esquecer o ditado romano de que “onde está a sociedade está o crime, e onde existe o crime, é porque existe e existirá o ser humano para delinquir”.

Dessa forma, a recomendação preventiva para evitar a condição de possível vítima dessa modalidade criminosa inerente à citada perversão, é nos (a tudo e a todos) vigiar sempre, a fim de não sermos o próximo a chorar as lágrimas tardias que tanto poderíamos muitas vezes evitar. Em suma, nunca subestimar…

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