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Caso dos Meninos Emasculados e sua real elucidação (Parte V)

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.

Não se pode adentrar a narração da fase de interrogatório formal do autor dos assassinatos em série no primeiro caso investigado, justamente o último assassinato cometido, sem que se registre acerca de todo um levantamento da vida pregressa do referido, dentro dos aspectos biopsicossociais. Essa busca profunda de informes e informações visava subsidiar o futuro interrogatório, considerando que a inteligência do investigado não poderia ser subestimada, especialmente quando dos dribles às polícias dos estados do Maranhão e Pará, diante de todos os casos registrados. Além disso, foram detectadas psicopatias endógenas e exógenas, criminologicamente falando, tão logo percebidas quando nos primeiros contatos pessoais com o único autor confesso daqueles horrendos delitos, ainda naquela noite de domingo, onde foram coletadas suas primeiras declarações repletas de evasões sobre o sumiço de sua última vítima, um adolescente residente naquela região periférica da cidade de São Luís do Maranhão.

Dito isso, entremos na fase do interrogatório daquele então suspeito dos assassinatos em série das crianças inicialmente ocorridos no Maranhão e depois, após a própria confissão revelada quanto aos casos semelhantes ocorridos na cidade de Altamira, estado do Pará, cometidos pelo já indiciado naquele tempo pela Polícia Civil do Maranhão, Francisco das Chagas.

Não foi algo fácil a realização de tal diligência cartorária, uma vez que corríamos contra o tempo e tínhamos ainda diversas diligências investigativas em andamento simultaneamente. Desde a busca pelo genitor do suspeito para coletar informações sobre a vida pregressa social do investigado já pontuado, até as perícias diversas requisitadas e requeridas inclusive a outros estados da Federação tais como Pernambuco e Alagoas por meio de articulações afins, associado ainda a diligências de reiteradas reinquirições, conforme já apontado na linha do tempo das quatro publicações anteriores.

No fundo, o corpo humano não fala somente pela boca e olhares, mas também por diversos trejeitos que se bem observado com paciência e escuta ativa (caracteres ímpares de um investigador), bem como num concerto dos sentidos porque expressam as comunicações entre os seres humanos nas suas relações interpessoais. Assim, não há criminoso que consiga driblar completamente um atento e vocacionado observador. Na realidade, o adágio de que não existe crime perfeito, bem se encaixa a tantas belas elucidações de delitos levadas a cabo pelas Polícias Judiciárias no país e em diversas partes do mundo afora por meio de seus agentes e expertos, obviamente, especialmente dentro da obediência às regras de um Estado Democrático de Direito, pois seguindo estas, equívocos, excessos e abusos que possam invalidar os atos investigativos, ficam superados em face das defesas dos acusados em geral.

O impacto da abordagem preliminar do investigado durante o interrogatório naquela noite, ao tentar não responder perguntas chaves, bem como as contraditar evasivamente, culminou na confissão indireta naqueles infinitos instantes, de todos os delitos cometidos na grande São Luís. Isso se deu sobretudo dentro de toda a linha do tempo correlata aos períodos dos sumiços e assassinatos ocorridos na cidade de São Luís e os delitos semelhantes acontecidos na citada cidade paraense de Altamira, conforme mapeamento manuscrito realizado no início dos trabalhos investigativos para subsidiar as perguntas dentro do referido período afim.

Foram tantas contradições e retificações instantâneas durante o interrogatório que o investigado não teve outra opção senão responder a todas as perguntas sobre suas condutas delitivas. Ele atribuiu suas ações às crises existenciais que vivia, frente às nefastas ações cometidas em detrimento de suas vítimas, conforme amplamente noticiado ao longo dos eventos acontecidos na capital maranhense, no “Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão”.

Foram-lhe aplicados diversos métodos empíricos e semicientíficos à luz da psicologia e psiquiatria forenses e da própria criminologia aplicada a partir do rumo já convicto que tínhamos quanto ao perfil que já havíamos estabelecido do investigado. Todos os métodos utilizados respeitaram os princípios éticos, morais e legais, com o objetivo de extrair confissões, mesmo que indiretamente, sobre todos os casos de ações criminosas na grande São Luís. Realizamos uma verdadeira penetração sutil na alma do investigado, utilizando técnicas de transferências e projeções (métodos psicanalíticos empíricos), e, sem perceber as manobras de perquirições diligenciais, acabara de ao término da ouvida a termo, resistir em assinar o documento, afirmando que “aquilo se tratava de uma confissão” dele. Contudo, apesar da resistência, ficou nítido que ele havia confessado todos os atos criminosos cometidos, considerando os detalhes de espaços e tempos do acontecidos e sua profunda ligação física com todos as situações delitivas, gravissimamente cometidas.

Um belo fragmento quanto a tentativa de nos conduzir no interrogatório, iniciara com a menção de uma cidade no estado do Pará que em nada correspondia com os possíveis mesmos delitos cometidos na cidade de Altamira, ou seja, afirmara que quando iria para referido estado, dirigia-se à cidade de Parauapebas. Todavia, ante o “auxílio” de memória naquele instante, recordou-se que não se tratava desta cidade, mas do município de Altamira. Isso indicava que ele sabia perfeitamente que iríamos ligar os casos acontecidos nesta cidade, tão semelhantes para não dizermos iguais, aos ocorridos em São Luís do Maranhão. Ligando-o, desta feita, completamente a todos os delitos em série cometidos em ambos estados da Federação, considerando os aspectos de assinatura e modus operandis dos crimes.

A resistência agressiva do investigado quando lhe questionado acerca de sua orientação sexual, era de uma notoriedade expressiva, cuja conclusão confirmava o parecer técnico produzido pelo psicólogo forense Carlos Leal, que apontava conflitos existenciais de sexualidade. Esse parecer indicava que o investigado escolhia crianças como alvos devido à sua lascívia e à condição de vulnerabilidade das vítimas, que dificultava a resistência delas. Além disso, as assinaturas criminais apontavam para a tentativa de apagar vestígios que pudessem vinculá-lo aos crimes contra crianças e adolescentes nos estados do Maranhão e Pará.

O prazo do inquérito policial que apurou o último crime cometido pelo assassino em série em apreço, estava preste a concluir e a expiração da prisão temporária também. Assim, impunha-nos naquele momento colocá-lo em liberdade. Então, optamos por relatar o Procedimento Policial, que resultou em belíssimo Relatório conclusivo produzido pela então Delegada titular da Delegacia da Cidade Operária, a colega Edilúcia Trindade com imediato pedido de conversão da prisão temporária em preventiva, já que tínhamos coletados provas materiais e imateriais acerca da autoria do delito em toda a sua completude, sem prejuízos de remessas de outras provas a serem produzidas ao longo do desdobramento daquele caderno de investigação policial, não somente reforçando a autoria pelo sumiço e assassinato da última vítima, mas também, fazendo completamente a ligação dele com os demais casos de assassinatos de crianças e adolescentes no estado do Maranhão.

No meio policial investigativo até a identificação, localização e prisão do único autor dos assassinatos em série, perduravam linhas de investigações relacionadas a casos de bruxarias, seitas ou assassinato comum e de longe, possibilidade de se estarem diante de um perfil de um assassino em série. O que se tornou uma grande mudança de entendimento a partir de nossa insistência e grande convicção que estávamos diante do real autor dos crimes que culminaram em mortes com mutilações de crianças e adolescentes no estado do Maranhão e apontarmos posteriormente a extensão ao estado do Pará, mais precisamente no supracitado município da pacata cidade de Altamira.

De pronto, a Justiça maranhense acatou todas as peças informativas depositadas no mencionado Inquérito Policial e concordando com o parecer do Ministério Público estadual,  decretou a prisão preventiva do indiciado, facilitando completamente o desdobramento das investigações sucessivas para a completa elucidação dos demais casos ocorridos na capital maranhense, ou seja, apontando em definitivo a completa ligação com os demais crimes iguais e semelhantes acontecidos na capital maranhense, e, por dilação, os trabalhos investigativos estenderam aos casos acontecidos na cidade de Altamira-PA.

Os diversos momentos de confissões do já acusado FRANCISCO DAS CHAGAS, desta feita já a cargo da então Delegacia de Homicídio, sob a condução do então delegado de Polícia Civil Antônio Diniz, hoje agente da Polícia Federal, e sua equipe. O acusado foi encurralado com a localização de prova cabal que levara a Polícia Civil encontrar corpos de outras vítimas dentro do casebre onde residira, ali enterrados, inclusive o corpo da criança de 4 a 5 anos, conforme já dito, isto é, seu próprio sobrinho que dera sumiço no mesmo bairro do Jardim Tropical cerca de três a quatro meses de sua última investida criminosa.

Bom, isso já é motivo para a parte final da presente iniciativa, com fito de colocar ponto final acerca dos caminhos que levaram à elucidação do Caso dos Meninos Emasculados e sua real elucidação, dando a “César o que é de César” quanto à verdadeira história dos trabalhos investigativos realizados pela Polícia Civil do Maranhão, por meio de seus agentes, no início da década de 2000, com apoio e acompanhamento de outras instituições (PF e MPE) como forma de “legitimarem” todos os trabalhos desenvolvidos e se evitar quaisquer dilações conjecturais muito comuns acontecidas ao longo de vários labores na história da atividade da Polícia Judiciária em nosso país em razão da pecha que ainda recai sob órgãos policiais, uma vez o desvio de sua finalidade na História Política de nosso país em tempos pretéritos, além de reparar erros, equívocos ou até maldades ao tentarem de algum forma ocultarem ou se apresentarem maliciosa e até aeticamente como autores diretos e precisos das investigações originárias que elucidaram o mencionado nefasto caso acima declinado, pois somente numa soma posterior de esforços técnicos que fora possível levar em definitivo o citado assassino a várias condenações penais em curso de execução pelos delitos cometidos. É só aguardarem a última parte, até lá…

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