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Caso dos Meninos Emasculados e sua real elucidação (Parte IV)

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.

A sede de elucidar os crimes por razões diversas, especialmente diante dos gritos de socorros das mães que tanto sofriam com os desaparecimentos e aparecimentos dos corpos de seus entes queridos mutilados com tantos requintes de crueldades, associado ao desafio profissional que já tivera imposto à minha pessoa à prova, não tínhamos como parar ou recuar diante daquele pedaço forte de esperança vindo à tona ante o tal detalhe dos cartazes produzido pelo então suspeito, que nos conduziram a proceder prognóstico investigativo que realmente estávamos diante do tão procurado assassino em série.

Foram 30 (trinta) dias de corre-corre a fim de conseguimos localizar o corpo da última vítima, com inúmeras diligências realizadas pelas equipes de policiais civis da Superintendência de Polícia Civil da Capital e Capturas da Cidade Operária, assim como o valioso apoio de membros do Corpo de Bombeiros Militares e Polícia Militar, pois precisávamos de qualquer forma encontrar o corpo, parte deste, ou algo vinculado ao adolescente desaparecido, tais como vestimentas, bicicleta etc., por conseguinte, não tínhamos materialidade delitiva para conseguirmos sequer a prorrogação da prisão temporária do suspeito, muito menos pedirmos a decretação da prisão preventiva do Francisco das Chagas.

A corrida em busca de provas foi tão grande que não dávamos tréguas para nada, de forma que o suspeito era reinquirido quase cinco a seis vezes por semana, e de logo, a fim de não sumirem vestígios, o encaminhamos ao Instituto Médico Legal com fito de ser periciado e encontrarem qualquer lesão na genitália que pudesse, pelo menos, apontar uma materialidade de indício de autoria que o ligasse aos casos de emasculações de meninos no Maranhão, já que para nós, não tínhamos dúvida intuitivamente que realmente havíamos chegado ao único autor dos assassinatos em série. Mas, como a Justiça não trabalha com crenças, apenas com evidências materializadas em provas, nada mais, sobretudo quando Magistrados e Promotores de Justiça, muitas vezes estão muito distantes do calor dos fatos e vivem muito em função do que está dentro do processo, pois só vale o que ali constar, fora dali, só suposições e conjecturas em que o pragmatismo formal, rejeita-os profundamente para fins de formação da convicção jurídica decorrente. Às vezes, o Direito não reflete justiça, é exatamente aquilo que determinado desembargador, citando um grande jurista, certa feita vaticinou que “realmente, nos corredores dos fóruns ou tribunais, constam mais justiças do que existem nos processos”. Nunca me esqueci dessa máxima citatória daquele sensível magistrado de segundo grau.

E com a graça das forças divinas que nos conduziam naqueles obsessivos trabalhos investigativos, veio à tona o achado de uma lesão na glande peniana daquele suspeito que, interpelado por este signatário, na cara fria e sorridente, afirmara que se tratava de uma doença de “gonorreia que o afligia há anos”.

Não me recordo do nome do médico legista que fez a perícia, pois enquanto o suspeito estava sendo periciado, aguardávamos na sala do saudoso diretor do IML, Dr. Wanderley Silva, um dos maiores e melhores médicos legistas que já conheci em toda a minha carreira policial. Enquanto esperávamos o resultado da análise pericial, um quadro de vidro contendo a foto do ex-governador José Reinaldo Tavares, que estava afixado na sala do referido diretor, caiu ao chão e se espedaçou. A colega Edilúcia Trindade, que me acompanhava em várias diligências, apreensiva e indagativa, interpelou-me o que era aquilo já que “eu era bruxo”. Respondi-lhe: “De duas, uma, ou são as vítimas (as crianças e adolescentes) desse suspeito nos querendo informar que devemos insistir nas investigações, pois estaríamos diante do ‘monstro’ procurado ou são as ‘entidades’ que em vida material (corporal) pertenciam aos corpos que estão na geladeira do IML, tentando de alguma forma se ‘comunicar’ conosco”. Nesse momento, recordo-me que ela se benzeu.

A semana se passou e foram encontrados, na região próxima ao sumiço da última vítima do assassino em série, a bicicleta e a sandália da vítima, reconhecidos pela família, tudo levando ao rumo da residência do suspeito. Nessa ocasião, precisamos realizar um levantamento minucioso de toda a vida pregressa do referido, ou seja, nos últimos dez anos antes da prisão. O que efetivamente assim, procedemos em estilo obsessivo, conforme alhures já pontuado.

O prazo para expiração do prazo da primeira prisão temporária decretada pela Justiça, a nosso pedido, estava se aproximando, e, preocupados, precisamos falar com o então Promotor do GAECO, Marcos Aurélio, a fim de nos ajudar acerca de sensibilizar o representante do Ministério Público sobre o nosso pedido de prorrogação da prisão temporária do suspeito Francisco das Chagas. Já que as provas ainda eram frágeis, mas com grande possibilidade de se tornarem fortes rumos a elucidação não somente do crime da última vítima do assassino em série, mas também de todos os casos de meninos emasculados; e, caso fosse solto, temíamos nunca mais ajudarmos a colocar os braços da Justiça na pessoa daquele suspeito. Conseguimos então a prorrogação da prisão temporária do suspeito até a conclusão do inquérito, com pedido de conversão em prisão preventiva. Imaginem o alívio…

Nesse espaço de tempo, conseguimos localizar o genitor do citado suspeito, um senhorzinho que residia a 80 km do Centro do município de Codó no Maranhão, expressão ultraindígena, mais precisamente num povoado chamado Carnaúba de Gaio, ocasião em que conseguimos trazê-lo à Superintendência de Polícia Civil da Capital e, com ele, passamos um dia de profunda entrevista coletando tudo sobre o investigado preso temporariamente. Durante esse procedimento, foi possível associar todos os períodos em que os crimes eram praticados em São Luís e as lacunas de tempo, justamente quando o suspeito passava determinado tempo na cidade de Altamira, estado do Pará; onde, por acentuada convicção, casos e mais casos de emasculações de crianças e adolescente, ocorriam naquele pacata cidade, e vice-versa em São Luís do Maranhão; além de vir à lume, o período em que o suspeito laborou nos garimpos da cidade de Xingu, estado do Pará, dentre tantos detalhes da vida pessoal dele, desde à concepção, vida intra e extra-familiar em todas as acepções, uma verdadeira anamnese da personalidade patológica de Francisco das Chagas. Essa coleta nos ajudou tanto na entrevista prévia como no interrogatório daquele então suspeito…

Em razão de aquela fisionomia indígena paterna do suspeito bastante presente, procuramos informações acerca das tribos indígenas do Maranhão, especialmente com ênfase encontrarmos possíveis tribos antropófagas no estado, de forma que recebi de presente da saudosa amiga “Professora Georgina Costa”, um exemplar do Conselho Indigenista do Maranhão, o qual “devorei” em leitura rapidamente, mas nada de obter informações acerca da existência da espécie de tribo acima, no estado. Ou seja, no Maranhão, não existem tribos indígenas que praticam antropofagia, já que acolá, tinham-se notícias que o assassino em série, tinha esse perfil.

A boa técnica policial nos casos de crimes de homicídio, especialmente, recomenda que se precisa pregressar a vida pessoal da vítima e do suspeito, logo, 90% ali se encontram motivações, assinaturas, modus operandis, discrições de perfis etc. Isso é uma pura verdade. No fundo, antes de um bom interrogatório, uma boa entrevista com o suspeito, constitui 90% da elucidação de um crime com confissão direta ou indireta, via indícios veementes de autorias que por meio de outras contundentes provas, não se tem como negar, sobretudo por silogismo, a vinculação de autoria delitiva dentro de uma linha de causa-efeito, efeito-causa, especificamente, mediante raciocínio lógico aplicável a qualquer situação investigativa, normalmente.

Acredito que o diferencial foi que pela primeira vez no estado do Maranhão em uma investigação policial isso aconteceu, ou seja, socorreu-se da Ciência Forense na espécie de Psicologia Forense a fim de subsidiar a realização de um interrogatório no por vir daquele suspeito com maiores consistências acerca da psiquê daquele suspeito.

E assim fora realizado, de forma que o amigo e grande delegado Sindonis Sousa Cruz, hoje Corregedor da Polícia Civil, recomendou que tentássemos uma avaliação psicológica do suspeito por meio de um exame psicobiográfico, que pudesse nortear um interrogatório, a partir das suspeições que se tinham sobre ele, vestígios até então coletados e buscados e da vida pregressa biopsicossocial obtida. Referido delegado, oriundo da cidade de São Paulo, já conhecia os trabalhos forense do psicólogo Carlos Leal que teve um grande período de experiência nos Sistema Penitenciário do estado de São Paulo e tomara conhecimento que estava residindo em São Luís do Maranhão.

Localizamos o mencionado especialista e solicitamos sua ajuda no sentido de avaliar tecnicamente o perfil  do suspeito, momento em que nos foi dado um norte em demasia com suas conclusões preliminares por meio do relatório produzido por aquele especialista, onde passou um dia inteiro com o suspeito aplicando vários testes afins, cujas leituras de seus resultados, foi-nos possível descrever o que realmente poderia ser aquela persona (máscara) que se chamava Francisco das Chagas à luz das suspeições que lhes pesavam, ou seja, a autoria dos assassinatos em sérios acontecidos no Maranhão e por tabela, no Pará, em grau de similitudes, sobretudo. Tal relatório foi de suma importância acerca de todas as suspeições sobre o perfil criminológico que já estávamos convictos por absoluta presunção diante de reiteradas abordagens diretas realizadas à pessoa daquele investigado, durante os infinitos 60 (sessenta) dias iniciais de intensas investigações.

O estranho que, tão logo foram realizadas as várias coletas acerca da vida pregressa daquele suspeito, na data que antecedeu ao seu interrogatório, saímos da Delegacia da Cidade Operária, quase 23h30min, e ao chegar em casa, inúmeros barulhos de crianças gritando, foram possíveis de serem ouvidos naquela noite por este signatário, situação em que imediatamente perguntei à minha esposa “se já não era hora de as crianças estarem dormindo”, ato contínuo, ela respondeu “que as crianças estavam dormindo desde às 21 horas”. Corri ao quarto e assim constatei. Dois dias depois desse acontecimento, nosso filho (até então com 4 anos de idade), saiu correndo da sala em direção ao quarto, chorando e dizendo que “estava vendo amiguinhos sangrando na cabeça na sala da casa…”. De logo vieram à minha memória que, em sua maioria, as vítimas do assassino em série, sofriam violências físicas nas cabeças quando eram possíveis extraírem dos laudos cadavéricos, bem como de achados de ossadas humanas respectivas, tais informações. A certeza sobre aquele suspeito, já não era mais de suspeição, mas de convicção que realmente havíamos identificado, localizado e prendido o tão procurado responsável pelos crimes relacionados com o “Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão”. Foi um misto de alegria e tristeza pelas mães sofridas diante de tantas perdas de seus entes queridos, mas também, um sentimento de alívio, uma vez que a Polícia Civil do Maranhão, por meio de seus integrantes, havia elucidado e, ao mesmo tempo, dado fim aqueles horrendos assassinatos de crianças e adolescentes no Maranhão ao longo dos anos que antecederam os últimos trabalhos investigativos.

Claro que àquela altura, houve apedrejamentos e elogios, confusões mentais em tudo e em todos, especialmente por segmentos sociais “letrados” que duvidaram da forma investigativa adotada do início ao final de toda a elucidação. Em uma Audiência Pública chegaram a perguntar ao investigado por que ele havia confessado os crimes e como haviam “convencido” a confessar os delitos cometidos. Isso, em tons de maldades com vista a tentarem induzir que se havia conseguido a confissão, mediante meios espúrios, ilegítimos e ilegais, porém deram com as caras no chão ante a resposta dada pelo assassino em séria, isto é, o “Dr. Uchoa, não trabalha dessa forma, resolvi confessar como já estava cansado e ouvi vozes mandando eu confessar tudo”. Nunca me esqueci dessa frase que me foi repassada por uma profissional de imprensa que dava cobertura a tal Audiência Pública ocorrida no auditório da Secretaria de Segurança Pública do estado do Maranhão, localizado no bairro da Vila Palmeira, na capital maranhense.

Após cansativa entrevista que precedeu ao interrogatório, outras coletas foram realizadas, passou-se a realizar o interrogatório daquele suspeito, cujas páginas de coletas não foram menos do que vinte ou até mais laudas, onde conseguimos extrair toda trajetória de vida criminógena sem que o mesmo percebesse, mas que ao final já muito tarde, disse que “não iria assinar o interrogatório porque aquilo era a confissão dele”. Mas isso merece outra parte, até o desfecho com as demais confissões, confirmações e trabalhos complementares homéricos dos demais atores (membros de outras instituições que foram convidados a acompanhar os trabalhos investigativos) que ultimaram as investigações e confirmaram que toda a intuição inicial a partir do vestígio dos cartazes em que fora  crucial para a elucidação do “Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão” e montagem do mapa das ações criminosas realizadas por aquele suspeito nos estado do Maranhão e do Pará, já eram de anotações inseparáveis, sem prejuízos de outros intrigantes acontecimentos no término da primeira fase de investigação realizada. É só aguardarem a quarta parte. Até lá…

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