Fechar
Buscar no Site

Caso dos Meninos Emasculados e sua real elucidação (Parte III)

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.

Continuando com as narrações do epitetado “Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão” no que tange a real elucidação desse tão abjeto, atávico e ultrairracional comportamento externado por um ser humano, só nos leva à memória os estudos da Ciência Criminológica inerentes à teoria do chamado criminoso nato levado a efeito na então fase antropológica da citada Ciência, tendo como protagonista maior o estudioso italiano Cesare Lombroso, onde, a partir dos chamados estudos de crânios humanos de pessoas que tiveram seus nomes atrelados à prática de crimes naqueles sombrios anos de incipientes estudos da Criminologia, praticamente inaugurou a tamanha importância da identificação de perfis de criminosos por meio das revelações estereotipadas, sobretudo, cujo ressuscitamento de tal teoria hoje tem sido bastante aproveitada nos ambientes dos estudos criminológicos contemporâneos.

Tais estudos continuam a ser uma grande ferramenta para o entendimento do que leva um ser humano a delinquir, indo além das meras conjecturas simbólicas sociais e de paixões em crenças diversas sem maiores evidências, portanto.

Vale registar, de antemão, que os caminhos árduos para coletas de informes ou informações sobre os diversos crimes relacionados com os sumiços e as emasculações de crianças e adolescentes ocorridos no Maranhão, nos cartórios das delegacias da capital eram de grande dificuldade. Não se tinha ainda uma delegacia especializada de homicídio e os crimes em sua maioria eram investigados pelas próprias unidades de Polícia Civil da área onde os delitos ocorriam. Somente nos últimos anos que antecederam a prisão do autor dos assassinatos em série, é que fora instalada a Delegacia Especializada de Homicídio na capital maranhense e, mesmo assim, repleta de carências estruturais por fatores diversos, apesar dos esforços dos primeiros delegados(as) de Polícia que por ali passaram como titulares e adjuntos, acredito.

Hoje, sem dúvida, ante a necessidade de se atender a demanda complexa dos crimes de homicídios em todo o estado do Maranhão, bem como novas modalidades de execução, com especificidades próprias em assinaturas e modus operandis, notadamente sendo de encomenda por autoria intelectual individual ou  em grupo, por meio das chamadas facções criminosas que tomaram corpo nas mais diversas capitais de todo o país, e em São Luís do Maranhão (não deviam ter recuado os enfrentamentos nos idos de 2013/2014), não é diferente, foi criada a Superintendência de Homicídios com estruturas e braços na capital e no interior do estado, onde, além da expertise de seus integrantes, tecnicamente falando, conta com uma estrutura extensiva de perícias forenses demasiadamente mais equipadas e mais avançadas por meio de investimentos diversos, onde, unidamente, menos árduos se tornam os trabalhos investigativos desse chamado crime rei no universo das espécies de crime à luz da tipos penais, como um todo, previstos no Código Penal Brasileiro em vigor.

Bom, tão logo passamos a ter as primeiras suspeitas que estaríamos, possivelmente, diante do assassino em série e, em razão da aplicação do Princípio da Oportunidade nas investigações policiais (muito ensinado nas disciplinas de Investigação Policial e Inteligência Policial do Cursos de Formação da Polícia Civil), tivemos que correr contra o tempo a fim de não perdermos o feeling  daquela grande esperança intuitiva extraída de apenas um cartaz, que semelhante a outros, nos induziu a perquirir de forma obsessiva na identificação, localização e prisão do autor dos assassinatos em série no estado do Maranhão, relacionados com o caso ora em comento investigativo por pioneira socialização dos únicos e verdadeiros caminhos que levaram a Polícia Civil do Maranhão a elucidar, em definitivo, aqueles bárbaros delitos que já colocavam em temor toda a população maranhense e, em especial, de toda a Região Metropolitana da Grande São Luís.

Assim, logo que deixei minha aguerrida esposa em casa na tarde daquele domingo, o colega Delegado Jairo Almeida, que na época estava lotado no interior do estado e hoje também é delegado aposentado, me telefonou para tratar de um assunto alheio enquanto passava pela capital. Convidei-o a participar de algumas diligências naquele fim de tarde e noite daquele domingo de esperança aflorado pelo tirocínio policial, uma vez que eu vinha acompanhando diversas diligências do então delegado Nilvan Vieira, titular da Delegacia Especial da Cidade Operária, no caso do sumiço da criancinha de 4/5 anos na área do Jardim Tropical. O delegado Jairo aceitou o convite e nos encontramos, momento em que lhe fiz algumas pontuações antes de partirmos para o endereço residencial do suspeito, Francisco das Chagas, que morava na invasão José Reinaldo Tavares, apontado pelos familiares da última vítima. Detalhe: tão logo chegamos na ruela que dava acesso ao casebre onde residia mencionado suspeito, de logo vimos um cartaz afixado na porta da citada residência, justamente da penúltima vítima do assassino em série, qual seja, a tal criancinha de 4/5 anos que tivera desaparecido três meses antes da última vítima daquele suspeito, ocasião em que mais foi aguçado o tirocínio policial acerca da “grande coincidência” dos cartazes afins, que, de forma sutil foram produzidos pelo autor dos delitos como forma de “ajudar” às famílias das vítimas e, para tanto, afastar qualquer desconfiança de envolvimento do seu nome com ambos os crimes.

Ficamos aguardando o dono daquele casebre chegar até às 20h30, ocasião em que ao se aproximar, de logo se colocou a “disposição da Polícia para quaisquer esclarecimentos”, de forma que nos franquiou a entrada ao casebre e ali adentrando, só vimos chão batido, uma rede, uma cadeira de plástico branca bem surrada, um fogão de lenha e um rádio portátil ligado à energia elétrica. Naquele momento, em tom suave, postura solícita e “colaboradora”, reiterou que estaria totalmente a disposição para “ajudar à Polícia no que fosse necessário”. Nesse instante, convidamos aquele suspeito a nos acompanhar a fim de prestar declarações no Plantão Central da Cidade Operária, considerando a necessidade de tirá-lo da zona de conforto e segurança (residência e comunidade de moradia) para fins de iniciar, ainda naquela noite, as investigações com as coletas mais técnicas possíveis das informações necessárias basilares. No fundo, o tempo urgia…

Para tanto, pedimos que nos acompanhasse a fim de conduzi-lo à Delegacia, entretanto, se juntou ao redor do veículo uma pequena multidão com palavras agressivas, dizendo estranhamente que “a Polícia estaria sendo injusta para com a pessoa do Chagas”, já que este era muito bem quisto pela comunidade, sobretudo por se tratar de uma pessoa bastante prestativa. Naquele instante, pelos ânimos aflorados, percebemos que por pouco não deixariam sair com o suspeito daquele local, momento em que tivemos que puxar o velho revólver calibre 38 e apontá-lo para cima como um sinal de que não deveriam mais se aproximar do veículo e deixarem seguirmos em paz, já que estávamos apenas trabalhando. Conseguimos sair, mas aos gritos dos “solidários” a Chagas e palavras de baixo calão dirigidas aos únicos policiais à frente daquela diligência, este signatário e o delegado Jairo Almeida.

O Termo de Declaração prestado por aquele suspeito durou mais de 3 horas, e foi coletado diretamente pelos dois delegados acima declinados. Não queríamos atrapalhar o único Escrivão de Polícia de plantão, muito menos o Delegado Plantonista. O interessante que foram tantas estórias criadas por aquele suspeito que, facilmente, a posteriore, conseguimos rapidamente desmentir todas as narrativas apresentadas, uma vez que, logo no dia seguinte, intimamos  três pessoas citadas pelo investigado, as quais, foram unânimes em contradizerem   as declarações do investigado; sendo uma delas cirúrgica  em informar que foi procurado na manhã seguinte pelo suspeito pedindo para “caso fosse procurado pela Polícia, dissesse que tivera estado com ele” dentro dos cenários em estória cobertura montadas a fim de driblar a Polícia no que refere a qualquer ligação com o sumiço da última vítima dos assassinatos em série ocorridos nas regiões de Paço do Lumiar e de São José de Ribamar e áreas contíguas, e até nos demais casos dos crimes cometidos.

Com as coletas dos depoimentos das pessoas citadas pelo suspeito, foi possível se pedir a imediata prisão temporária daquela investigado, cujos trabalhos diligenciais cartorários foram conduzidos pela então delegada titular da Cidade Operária, Edilúcia Trindade; hoje, delegada aposentada, que tivera substituído o delegado Nilvan Vieira, que, com sua maestria e desenvoltura, conduziu até as últimas sob acompanhamento, apoio e supervisão deste signatário, o Inquérito Policial que se tornou o marco para elucidação completa dos crimes de assassinatos em série do Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão. E foram realizadas diversas outras diligências, desta feita com o suspeito já preso temporariamente.

Diante de um mapa produzido a mão onde constavam alguns locais onde corpos de crianças foram desovados, fomos nesses pontos levando o investigado no xadrez da viatura, cujos comportamentos em expressões faciais, “falavam” em demasia aquilo que a boca, no início dos trabalhos, negava veementemente qualquer envolvimento com o último caso, assim como com os demais. Daí a grande lembrança de O Corpo Fala e Decifrando Pessoas, duas belas obras que haviam sido lidas tão logo saíra da Academia Nacional de Polícia e realizado um Curso de Técnica de Entrevista e Interrogatório ocorrido na Academia de Polícia Civil do Maranhão, nos idos do ano de 2000, cujo professor, foi um grande delegado de Polícia Civil do estado de São Paulo, professor da Acadepol/SP e escritor de livros direcionados a investigações policiais, os quais adquiri alguns, até antes de haver a grande oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, o delegado Luís Rocha.

Recordo-me que as referidas obras foram adquiridas ainda quando estava em Recife me preparando para assumir o cargo de delegado de Polícia no Maranhão e, uma delas, lida ainda na biblioteca do Campus Universitário da Universidade Federal de Pernambuco, localizado no bairro da Cidade Universitária, em Recife, minha terra natal. Por isso que nada, absolutamente nada, que bater em nossa porta de caminhada por estas bandas, é à toa; é só não duvidar dos desígnios do Senhor em nossa efêmera caminhada por estas paragens. Acredito nisso, aliás, sempre acreditei.

Em face de inúmeras outras diligências realizadas ao longo das investigações que são de sumas importâncias para fins de registros em publicação no curso desta série, terei que parar a presente narração neste ponto, embora ávido de continuar as assertivas vivenciadas até o desfecho da primeira e decisiva fase de investigação que culminou na real, decisiva e definitiva elucidação do “Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão”, cuja quarta parte já está pronta para oportuna publicação. É só aguardarem que brevemente terão acesso aos demais pormenores correspondentes.

O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.

mais / Postagens