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Caso dos Meninos Emasculados e sua real elucidação (Parte II)

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.

O Maranhão ainda não tinha conseguido identificar, localizar e prender o único autor dos assassinatos em série do Caso dos Meninos Emasculados até o ano de 2004, mesmo tendo duas pessoas presas e condenadas respondendo por crimes que não tiveram sido os seus autores, já que o mecânico Francisco da Chagas confessara riquissimamente as também autorias daquelas condenações.

E tomem especulações literárias em temas de monografias em graduações e pós-graduações, matérias jornalísticas, seminários e até artigos científicos. Quando acesso a tais materiais literários, percebo o quanto precisamos aprofundar tudo o que lemos, vemos e ouvimos em nossa caminhada pela Terra, pois há um clássico que deveria ser lido por todos os operadores do Direito, chamado “Os Principais Erros Judiciários da História e o caso Herman”, de autoria de João Roberto de Melo.

Lembro-me perfeitamente que recebi um exemplar em cópia, ainda quando estava Diretor Executivo do então maior presídio do Estado de Pernambuco nos idos de 1995/96 (Presídio Professor Aníbal Bruno), das mãos de um advogado criminalista, cujo nome não me recordo, salvo de lembranças do rosto daquele ser, por se tratar de um homem muito cordial, educado e com ares de educador e de idade bastante avançada, acredito que mais de 80 (oitenta) anos. No fundo, crenças com conjecturas de evidências, temos tantas que até nos cegam, ante conclusões carregadas de preconceitos diversos, muitas vezes agregados a valores de tantas massificações ideológicas assimiladas por todos nós habitantes de uma polis, integrantes deste orbe terráqueo.

Às vezes, um bom ceticismo – digo equilibrado, a exemplo de alguns recomendados por Carl Segan em “O Mundo Dominado por Demônios” –, vale a pena ser adotado. Isso nos ajuda a cometer menos erros na senda de caminhada efêmera que estamos fazendo por estas bandas de “cá”.

Quando cheguei no Maranhão (há 26 anos), emprestei aquele material a uma Promotora de Justiça que, confesso, passaram-se os anos, esqueci-me completamente da pessoa a quem havia realizado tal feito. E o mais grave, não fui procurado para a devida devolução, preferindo acreditar que até por esquecimento dela, também.

Tão logo assumi o Centro Integrado de Defesa Social Área Leste (grande Maiobão), conforme na primeira parte havia declinado, logo após a realização do Primeiro Curso de Capacitação Comunitária realizado, tivemos a triste e preocupante notícia do sumiço de um garoto de 4 a 5 anos na área do Jardim Tropical. Esta região, salvo engano, até hoje está sob a circunscrição da Delegacia Especial da Cidade Operária, que tinha como titular o competente Delegado Nilvan Vieira, atualmente aposentado, que de logo, instaurou Inquérito Policial para apurar os fatos, localizar a criança sumida e promover as responsabilidades cabíveis à espécie.

Foram desenvolvidos trabalhos árduos por aquele Delegado, nos quais acompanhei várias diligências pessoalmente, incluindo ouvidas de suspeitos, familiares e terceiros, além de perícias realizadas. Entretanto, infelizmente, todos esses esforços não resultaram em êxito.

Recordo-me que chegamos a pedir a um morador da região autorização para colocarmos a linha de telefonia fixa pertencente a ele à disposição da comunidade para fins de eventuais denúncias, informes ou informação que pudessem ajudar a Polícia na elucidação daquele sumiço.

Compramos, lembro-me perfeitamente, um gravador de chamada telefônica e o instalamos na tal residência, para registrar e coletar com mais segurança os dados que, porventura, alguém pudesse nos passar. O “estranho” é que recebemos tantos trotes que acabamos desistindo daquela modalidade de diligência. Todavia, é aquilo que Fernando Pessoa bem registrou em “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Diante da situação fática, nossas intenções e objetivos foram de maiores grandezas possíveis. Nessa perspectiva, não desistimos: tornou-se uma verdadeira obsessão elucidar o desaparecimento daquela criança.

O fato concreto é que até a realização de reprodução simulada dos fatos, baseada no depoimento do pai da criança e em outras coletas de dados realizadas pelo referido Delegado (não estava presente nesta diligência), tomei conhecimento posteriormente de que o autor dos assassinatos em série das crianças, participou da citada diligência, “ajudando” a Polícia ao se passar pelo pai da criança, quando esta desapareceu numa noite de domingo para uma segunda-feira, poucos dias passados.

Cartazes com a foto da criança desaparecida e números telefônicos para contato foram espalhados em toda a região, seguindo o mesmo padrão dos cartazes usados nos casos anteriores. Esse detalhe tornou-se vestígio crucial não ostensivo, imaterial e ultra subjetivo, deixado pelo assassino em série, o qual jamais pensaria que seria rastreado por investigadores afins, na história de seus dribles às Polícias, nas mais diversas investigações ocorridas para identificá-lo, localizá-lo e finalmente prendê-lo. Dessa feita, como não existe crime perfeito, um dia o mal por si só, se destrói. Nessa lógica, tem-se que existe o dia da caça, mas também existe o dia do caçador.

Mudanças nas pastas da Polícia Civil ocorreram, de forma que fui convidado pelo então Secretário da Secretaria de Segurança Pública-SSP, Raimundo Cutrim, para assumir a Superintendência de Polícia Civil da Capital, onde permaneci por dois anos e seis meses. Nessa ocasião, era necessário implementar mudanças significativas nas Delegacias da Capital, para lidar com a grande quantidade de demandas criminais das diversas unidades de polícia judiciária, que ainda agonizavam com carceragens repletas de custodiados, pois o Sistema Penitenciário do Maranhão ainda era extremamente precário, de forma que não tinha a menor condição de receber presos provisórios e apenados no geral.

Essa situação era um caos, que somente quem conviveu com tais espaços sabe “o pão que o diabo amassou” para os gestores que por ali deram suas contribuições (Delegados de Polícia Civil) como responsáveis pela operacionalidade das pouquíssimas unidades prisionais do estado, que sequer tinham dotações orçamentárias, já que estavam vinculadas a então Secretaria de Segurança Pública do estado, por absurdo equívoco de visão gerencial, especialmente naqueles tristes e suados tempos.

No fundo, não se tinha Política de gestão penitenciária estadual no Maranhão (não muito diferente do resto do país ainda mais naqueles tempos). E essa realidade perdurou por muitos anos, pois as gestões estaduais sempre viram a questão carcerária como algo que não deveriam investir, misturando criminoso com bandido, olvidando que nem todo criminoso é bandido, mas todo bandido é criminoso. Essa conclusão se reflete na forma de gerir os ambientes penitenciários, violando-se vinte e quatro horas a importante Lei de Execução Penal brasileira, especificamente. Daí extrai-se a importância crucial no investimento em políticas de gestão da pena, para identificar e tratar adequadamente os sociopatas, que compõem a maioria da população carcerária, separando-os dos psicopatas, que constituem a minoria, mas causam grandes problemas nos ambientes penitenciários do país. Tudo dentro do bordão “separar o joio do trigo”, sobretudo.

Lembro-me perfeitamente que o Delegado Nilvan Vieira, em diálogo com este signatário, travou uma grande discussão técnica sobre todo o apurado até então e se deveríamos pedir à Justiça a prisão temporária de um determinado suspeito (evito nominá-lo para resguardar sua imagem). Constatamos a fragilidade das provas e consideramos que poderíamos cometer uma grande injustiça, então descartamos essa diligência judicial. Assim, decidimos continuar as investigações até encontrarmos a criança viva ou morta, ou seja, não iríamos parar por nada como alhures já consignado já que, além da gravidade dos fatos, aquela dor dos pais doía em demasia os nossos corações, enquanto investigadores diretamente envolvidos em todas as apurações afins.

Na realidade, o mencionado Delegado, com a diminuta equipe de investigadores, já havia realizado inúmeras missões policiais, dentre as quais campanas no aeroporto e visitas a núcleos espiritualistas, em face dos rumores que associavam os casos a “feiticeiros”, tráficos de crianças e de órgãos. Nessas condições, também foram realizadas diligências em aeroportos, rodoviárias, entre outros locais.

No caso concreto, a compulsão lascívica por desvio psicológico ou psiquiátrico do assassino em série não deu trégua em intervalo para fazer a sua próxima vítima, ou seja, passados pouco mais de três meses, voltou a alimentar sua ânsia de satisfazer seus prazeres sexuais em estados permanentes de desvios funcionais, fazendo vítimas entre crianças e adolescentes, não só na cidade de São Luís do Maranhão, mas também, profundamente acredito, na cidade de Altamira, estado do Pará.

Desta feita, recebi, numa manhã de domingo, uma ligação telefônica do então Delegado-Geral Nordman Ribeiro, hoje Corregedor-Geral da SSP/MA, dando-me conta que havia sumido outra criança na área do Jardim Tropical. Estava com minha esposa e fomos ao Plantão da Cidade Operária, com o objetivo de pegar o Boletim de Ocorrência, onde constava o endereço da nova pessoa desaparecida, e nos dirigimos diretamente para à casa do adolescente desaparecido.

Chegando ao local, logo vi afixado em um poste que ficava defronte ao citado lar, um cartaz com a foto do adolescente que o considero como mártir, haja vista ser a última vítima do assassino em série. E, infelizmente, com a sua morte, foi possível chegarmos ao tão procurado assassino em série.

Diante daquele cartaz, imediatamente, meu tino policial despertou acerca da comparação entre os cartazes, de forma que perguntei a um familiar do adolescente sumido: “quem havia providenciado aquele cartaz?” A resposta: “foi um amigo nosso que é mecânico”. Então, indaguei o nome e onde ele morava? E recebi as seguintes respostas: “é mecânico de bicicleta, que mora na invasão José Reinado Tavares e é conhecido por Chagas”.

Naquele momento, “sentenciei” à minha esposa: “estranho esse cartaz, tão semelhante aos demais, quer saber? Quem produziu esse cartaz é o mesmo quem produziu o do sumiço da criança de 4 ou 5 anos. Logo, acredito que estamos pela primeira vez diante do assassino tão procurado, ou seja, quem deu sumiço ao menor, deu sumiço a esse adolescente também. Esse é o cara que estamos procurando, não tenha dúvida”.

Ao sair da casa da última vítima, nos deparamos com um veículo da reportagem do Jornal “O Estado do Maranhão”, onde a jornalista Ana Coaracy, que cobria a área policial, interpelou-me sobre o fato do sumiço da última vítima. Nessa ocasião, compartilhei com ela sobre minhas conclusões e pedi que colaborasse mantendo o silêncio até identificarmos, localizarmos e prendermos, mediante rigorosa investigação, o tal suspeito e assim provarmos que havia chegado realmente ao único assassino em séria do Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão. Ela colaborou e eu a mantinha informada dos passos da investigação, sempre que possível.

Na terceira e quarta partes deste compêndio de narrativas virão à tona os caminhos árduos, inovadores e típicos do que se espera de uma investigação policial num Estado Democrático de Direito, para provarmos, inicialmente, que aquele mecânico de bicicleta era realmente o único autor dos assassinatos em série ocorridos no Maranhão e, secundariamente, na supracitada cidade de Altamira-PA. Conseguimos alcançar esse objetivo naqueles mais de 70 (setenta) dias de intensas investigações iniciais. No fundo, perseverança, tirocínio, amor à verdade a fim de se evitar injustiça e compromisso com a vida com muita resiliência, nos levaram a vitória em tirarmos de circulação, em definitivo, aquele ser que tanto fez outros seres humanos sofrerem ante as perdas de seus entes queridos (crianças e adolescentes), sobretudo nas circunstâncias, modos e assinaturas levadas a cabo pelo autor daqueles horrendos assassinatos que tanto aterrorizaram os estados do Maranhão e Pará. É só aguardarem o próximo capítulo…

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