Os dilemas do pós-modernismo
O pós-modernismo permite apenas “confissões de verdade subjetivas”. Afirmações de verdades com reivindicações objetivas são indesejáveis, porque estas fariam com que declarações opostas tivessem de ser avaliadas como falsas. Esse raciocínio resulta necessariamente que não pode mais haver uma compreensão uniforme do mundo – e com isso nenhum valor comprometedor para a convivência humana, válido igualmente para todos. Dito de modo bem simples: “Se alguma coisa é verdadeira para você, de modo nenhum precisa ser assim também para mim”. Isso revela o dilema para o qual o pós-modernismo conduz seus adeptos (e não só eles).
O dilema da realidade. A noção segundo a qual todos os conceitos de verdade são igualmente válidos e, com isso, indiferentes, não é viável na vida diária. Em diagnósticos médicos damos valor a que sejam objetivos e não equivocados. A hora de chegada do trem indicada na planilha de horários ou está certa ou errada. Portanto, na realidade, nos atemos à noção clássica de verdade, segundo a qual a questão e a declaração a respeito devem coincidir. Se, por exemplo, o banco cometer um erro desfavorável a nós no extrato da conta, não diremos: “Bem, o banco enxerga isso dessa maneira – eu vejo diferente – cada um tem o direito de ver a questão do modo como quer”. O conceito pós-moderno de verdade não é sustentável na vida diária.
O dilema lógico. Numa expressão bem concreta, o pós-modernismo requer o “relativismo absoluto” (a única verdade é que não existe verdade objetiva) – o que consiste numa contradição em seus próprios termos. Qualquer outra (!) reivindicação objetiva de verdade é categoricamente proibida. Por isso, cabe observar que o pós-modernismo não é tão tolerante e pluralista como pretende ser e como sua sistemática nem permite que seja. Ele exige que eu reconheça por princípio que a afirmação do outro tem os mesmos direitos e é igualmente verdadeira!
O dilema ético. O pós-modernismo é incapaz de fundamentar uma orientação ética sustentável e vinculativa. A prática do pós-modernismo consolida o direito do mais forte. Se não existir alguma instância referencial (autoridade, verdade) reconhecida por todos (por governantes e governados, empregadores e empregados, pais e filhos), o poder predominará sobre o direito. Nesse caso, a elite do poder ou do dinheiro determinará a “verdade” que deve ser aceita – e não existe chance de cobrar dela reivindicações superiores, até transcendentais. A lei que vale é: o mais forte sobreviverá – e só ele.
O dilema religioso. O pós-modernismo não impõe apenas manter em aberto questões de comportamento, mas ele também não é capaz de resolver de modo fundamentado questões de sentido e existência mais abrangentes e oferecer certezas: questões referentes ao sentido último da existência humana, da origem e do futuro do homem, da existência de Deus, do sofrimento e da morte. Nesses aspectos, o pós-modernismo precisa forçosamente renunciar a qualquer resposta. Mais: precisa declarar a impossibilidade de qualquer resposta confiável e convincente a essa questão. O mais tardar, quando formos atingidos pessoalmente, isso torna-se mais do que um problema filosófico.
Com isso citamos as áreas problemáticas diretamente vinculadas à noção pós-moderna de verdade. Elas definem o dilema dessa cosmovisão.
Existe, porém, uma posição contrária ao pós-modernismo que não se perde nesses becos descritos acima: a noção cristã de verdade. A tese cristã básica diz que existe uma verdade reconhecível e definitivamente válida. A fé cristã (e o pensamento determinado por ela) baseia-se numa exigente noção geral de verdade não sujeita às variações dos tempos. Essa noção de verdade garante a dignidade de cada ser humano e ao mesmo tempo leva em conta sua culpabilidade e a degradação da sua existência. A verdade de Deus desmascara e supera nossa desgraça.
A fonte da verdade cristã. Ela está documentada por escrito na Bíblia, que por si mesma reivindica ser Palavra de Deus válida e isenta de equívocos (2Tm 3.16). É de conhecimento geral que, desde o Iluminismo, a autoridade objetiva da Bíblia, inclusive a confiabilidade de suas declarações históricas, vem sendo continuamente questionada e posta em dúvida (é claro que as raízes da crítica bíblica são ainda mais antigas). Isso impediu a muitos o acesso a esse livro, já que – compreensivelmente – não querem confiar sua vida a um documento de confiabilidade duvidosa. No entanto, a quantidade e qualidade dos manuscritos hebraicos e gregos já encontrados oferecem um texto excelentemente documentado, tanto para o Antigo como para o Novo Testamento. Muitas localidades e localizações citadas no Antigo e no Novo Testamento – que ao longo do tempo os críticos da Bíblia questionaram como sendo ficção – foram entrementes trazidas publicamente à luz pela arqueologia. Um outro indício da confiabilidade da Bíblia é sua admirável unidade de conteúdo. Embora esse documento tenha sido redigido ao longo de mais de 1 500 anos pela mão de aproximadamente quarenta autores muito diferentes entre si, ela oferece uma complexa metanarrativa de toda a história da humanidade. O teólogo Karl Heim teve bons motivos para enfatizar em sua retrospectiva de vida que não conseguia “imaginar um livro mais coerente do que a Bíblia”.
Quem abordar a Bíblia sem preconceitos ideológicos terá boas chances de ser convencido da sua autenticidade. Todavia, a questão-chave para a credibilidade do modelo cristão encontra-se em sua reivindicação mais ampla: na pessoa de Jesus Cristo.
A autenticação da verdade cristã. Jesus Cristo diz de si mesmo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Isso implica nada menos que uma reivindicação plena: o destino de cada ser humano é decidido por sua posição em relação à pessoa de Jesus Cristo. Ele reivindica a verdade ilimitada e declarações definitivas. O núcleo da fé cristã é a fé na pessoa de Jesus Cristo. Por isso, quem quiser questionar a credibilidade do modelo cristão, precisa questionar acima de tudo a credibilidade de Jesus Cristo e suas reivindicações.
O núcleo da fé cristã é a fé na pessoa de Jesus Cristo. Por isso, quem quiser questionar a credibilidade do modelo cristão, precisa questionar acima de tudo a credibilidade de Jesus Cristo e suas reivindicações.
Existe uma data na história em que essa credibilidade foi submetida a um teste definitivo e radical (nenhum fundador de alguma religião teve alguma vez de passar por um teste como esse). Trata-se daquele dia em que Jesus foi executado diante dos portões de Jerusalém. Segundo sua própria declaração, ele morreu para tomar sobre si a pena que nós humanos merecíamos da parte de um Deus justo e santo. Ele lança sua vida no prato da balança para expiar nossa descrença e ignorância diante do nosso Criador. Ele morre em nosso lugar. Naquela ocasião, Jerusalém encarou uma questão dramática: seria legítima ou pretensa a reivindicação com a qual Jesus se apresentou? (Aqui se aplica a noção clássica de verdade: trata-se da coerência entre declarações e fatos). E então, na manhã do domingo de Páscoa, aconteceu o que ninguém esperava, principalmente seus próprios seguidores: Jesus revelou ser vencedor sobre a morte. O túmulo realmente estava vazio – não só figurada, mas efetivamente. Os indícios foram claros. A eles se acrescentam testemunhas a quem Jesus se apresentou – e cuja credibilidade é tanto maior quanto mais esperavam justamente o oposto daquilo que de fato ocorreu.
O que diz a verdade bíblica sobre o ser humano? Ela nos confronta com uma constatação tensa. Todo ser humano é criatura de Deus – e por isso seu direito à vida é intocável. Portanto, essa dignidade humana não se fundamenta no próprio homem, mas em sua relação com Deus – e justamente por isso é imperdível. Ela se aplica a cada indivíduo, não importando se jovem ou idoso, sadio ou enfermo, forte ou fraco, consciente ou inconsciente (seja “ainda” inconsciente no ventre materno, seja “não mais” consciente na UTI).
A outra face da constatação tensa desmascara o ser humano: aquele que recebeu de Deus sua inalienável dignidade emancipou-se do seu Criador. Essencialmente, ele quer levar sua vida sem Deus, de forma autodeterminada, segundo suas próprias ideias e sua própria “verdade”. Portanto, o foco natural do nosso coração tem a marca do pós-modernismo.
Assim, antes que o homem se tornasse inimigo do seu semelhante, tornou-se inimigo de Deus. Não que lutasse contra Deus de forma abertamente rebelde – geralmente essa inimizade se expressa em ignorar o Criador, recusando-lhe a reverência e dedicação que lhe competem. Assim a criatura tornou-se pecadora. Ela, porém, continua sendo criatura, mantém sua dignidade e não pode ser discriminada pelo homem. Ainda assim, sua situação é séria diante do Deus santo. Por ser santo, ele não pode tolerar o pecado. Por isso, Deus enviou seu Filho Jesus Cristo a este mundo intoxicado pelo pecado. Sua principal incumbência ficou definida desde o início: ele morreria na cruz para assumir o castigo que nós mereceríamos em razão da nossa culpa. A partir daí vale que o pecador que crer em Jesus, dirigindo-se a ele em oração na busca por ajuda e pedindo seu perdão, é absolvido por Deus, recebendo perdão e, com o perdão, a promessa da vida eterna. Jesus Cristo resumiu essa verdade em uma frase famosa: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
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