O Cristão e o Princípio da Causalidade
Onde foi que eu errei? Quantas vezes já me fiz essa pergunta! Trata-se de um questionamento comum quase sempre que nos vemos enfrentando alguma situação indesejada, algum sofrimento ou consequência inesperada. Também é uma pergunta necessária; afinal, nossas ações têm consequências. Paulo deixa isso muito claro em Gálatas 6.7-8: “Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também colherá. Quem semeia para a sua carne, da carne colherá destruição; mas quem semeia para o Espírito, do Espírito colherá a vida eterna”. Em outras palavras: coisas não acontecem por acaso – frequentemente resultam de nossas escolhas. Por exemplo, se eu me comportar de forma agressiva ou rude, é bastante natural que pessoas se afastem de mim; se eu gastar mais dinheiro do que tenho, também é natural que eu crie dívidas.
No entanto, por trás da pergunta onde foi que eu errei? também há uma significativa distorção. Por um lado, nossas escolhas têm consequências; por outro, não temos o poder de determinar resultados, isto é, o mundo não está sob nosso controle. Assim, continuamente podemos não errar em nada em certas situações e ainda assim sofrer consequências indesejadas. Isso é muito evidente em ocorrências nas quais somos atingidos pelos pecados de outros. No Brasil, muitos já foram alvos de violência e roubos sem que tenham feito nada de errado.
Não é bíblica a crença de que certamente receberemos consequências boas nesta vida se fizermos tudo de forma correta. Basta ler (mesmo que superficialmente) o capítulo 11 de Hebreus para ver homens e mulheres, dos quais o mundo não era digno, que fizeram o bem e mesmo assim não obtiveram o que desejavam. O autor de Hebreus expressa: “Todos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no entanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido” (11.39).
Não é bíblica a crença de que certamente receberemos consequências boas nesta vida se fizermos tudo de forma correta.
Esse versículo isolado pode ser bastante deprimente! No entanto, Deus continua se revelando no verso seguinte: “Deus havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fossem eles aperfeiçoados”. Em outras palavras, nosso Deus soberano tem algo melhor para todos nós. Para que seu plano se realize, ele vai incluir em nossas vidas momentos de sofrimento, sem nenhuma razão evidente ou sequer compreensível. Paulo, mais uma vez, expressa essa realidade com clareza em Colossenses 1.24: “Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês, e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja”. O sentido desse texto é que Deus nos chama para enfrentarmos alguns sofrimentos que não são resultados de nossos pecados, mas que completam o que “resta das aflições de Cristo”. Uma vez que o sacrifício de Cristo na cruz foi completo, tais aflições se referem ao plano de Deus para a edificação da sua igreja.
Jesus também nos fala sobre o mesmo tema em João 9.1-3: “Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Seus discípulos lhe perguntaram: ‘Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?’ Disse Jesus: ‘Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele’”.
Repare que os discípulos assumem que alguém pecou. No fundo de nossa mente temos essa mesma ideia – que provavelmente faz parte daquilo que Paulo chama de “princípios elementares do mundo” (Gálatas 4.3). A ideia é que nada de mau e nada de bom acontece sem motivo. É por isso que esperamos recompensa quando fazemos algo de bom; quando algo ruim acontece em nossas vidas, procuramos quem pecou. Jesus, para surpresa dos discípulos, afirma que nem o homem (cego de nascença) nem seus pais pecaram para que ele nascesse com aquela limitação.
A graça interrompe essa ideia de causa e efeito e nos garante a salvação, mesmo quando na verdade mereceríamos o inferno.
A situação foi permitida para que “Deus se manifestasse na vida dele”, de forma que tanto pelo lado positivo (quando recebemos algo que não merecemos) como pelo lado negativo (quando algo ruim ocorre apesar de não merecermos), nossos atos não controlam totalmente o mundo ao redor. Enquanto nos apegarmos ao princípio de que nossas ações sempre explicam o que ocorre, teremos grande dificuldade para entender a graça de nosso Deus. A realidade é que merecemos a morte e a separação eterna de Deus. A graça interrompe essa ideia de causa e efeito (causalidade) e nos garante a salvação, mesmo quando na verdade mereceríamos o inferno.
Deixe-me então alistar alguns princípios que podemos tirar dessa reflexão:
- Atos têm consequências. Tanto quando pecamos, como quando agimos com justiça, nossas vidas são afetadas pelas nossas ações.
- Deus frequentemente permitirá que sejamos atingidos por consequências que não têm nenhuma relação com nossos atos: tanto positivamente, nos dando bênçãos que não merecemos, como negativamente, nos permitindo passar por desafios que não resultam diretamente de pecados.
- Qual deve ser nossa reação? Devemos agir com justiça e santidade para o louvor de nosso Senhor. As bênçãos celestiais estão reservadas a nós estão: “Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam” (1Coríntios 2.9). Ao mesmo tempo, pode ser que Deus nos chame a sofrer para a glória dele.
Minha oração é que, seja pela bênção imerecida ou pelo desafio imerecido, nosso compromisso de viver uma vida que agrade ao Senhor permaneça inabalável!
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